A INCOMPETÊNCIA É SEMPRE RELATIVA

A Assembleia Nacional de Angola (do MPLA) aprovou hoje, na globalidade, o Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2022, com votos favoráveis somente do partido no poder há 46 anos, e críticas generalizadas da oposição, que apontam “vícios do passado”. Entretanto, o Bureau Político do MPLA aprovou o regulamento do Conselho de Honra do MPLA, novo órgão do partido, onde terá lugar José Eduardo dos Santos, e a greve dos médicos angolanos já dura há uma semana.

A proposta de Lei do OGE 2022 foi hoje aprovada com 135 votos a favor do MPLA, 53 votos contra da UNITA, da CASA-CE e de deputados independentes e três abstenções da FNLA e do PRS.

O orçamento, que prevê uma verba de 18,7 biliões de kwanzas (28,9 mil milhões de euros), foi aprovado em reunião plenária extraordinária da quarta legislatura da Assembleia Nacional.

Para 2022, as autoridades angolanas prevêem um crescimento económico do Produto Interno Bruto (PIB) no valor de 2,4% com maior contribuição a partir do sector petrolífero, com 3,1%, com 50% das despesas alocadas ao serviço da dívida.

O líder do grupo parlamentar do MPLA, Virgílio de Fontes Pereira, justificou o voto favorável porque considera o documento o “garante material da acção governativa, sem o qual não será possível canalizar os recursos financeiros para manter a funcionalidade das instituições e da economia”.

“Este OGE tem como suporte o equilíbrio das contas públicas, conseguido nos últimos quatro anos, o qual permite ao país não ficar dependente dos recursos do petróleo para, por exemplo, pagar os salários da função pública”, argumentou.

Já o deputado da UNITA, Amílcar Colela, que apresentou a declaração de voto do seu partido, criticou a “principal prioridade” do OGE 2022 que é o “pagamento da dívida pública” por esta representar “50% da despesa global e não estar auditada e certificada”. Errado. A dívida pública está auditada e certificado pela única entidade credível que o país tem, nesta como em todas as outras matérias, o… MPLA.

O deputado da UNITA criticou igualmente as “diminutas” verbas alocadas ao sector social, sobretudo à educação e saúde, recordando que a situação social do país “é grave” e que o OGE 2022 “é amigo do empobrecimento das pessoas”.

André Mendes de Carvalho, deputado da CASA-CE, disse discordar “com veemência” das prioridades estabelecidas na proposta do OGE 2022 e da “alocação de receitas onde o combate à Covid-19 é a primeira prioridade em detrimento do combate à malária, que mata anualmente dez vezes mais do que a Covid-19”.

“Discordamos igualmente que o pagamento da dívida tenha prioridade sobre o combate à situação de calamidade pública, de seca e fome no sul do país com gravosas consequências na vida das pessoas e da economia local”, corroborou.

O voto contra dos deputados “independentes” foi justificado pelo deputado Leonel Gomes afirmando que o OGE 2022 “continua com os mesmos vícios do passado”, nomeadamente com “despesas não justificadas que vão servir para engordar panças insaciáveis”.

“Este OGE faz mais, vem satisfazer o ego de algumas pessoas da família presidencial (…). E em face disso não teria outra forma se não dar o meu cartão vermelho e dar o meu cartão vermelho porque este OGE vai fazer sofrer novamente às populações”, frisou.

O PRS absteve-se porque, segundo o seu presidente e deputado Benedito Daniel, o documento apresenta “algumas reservas quanto a algumas prioridades tendo em conta que as heranças do passado, das antigas governações do MPLA continuam ainda a pesar nos exercícios actuais”.

As previsões para o crescimento da economia em contexto da pandemia “são de risco, o aumento de consumo privado ou da população e a redução do desemprego não são muito optimistas”, apontou o deputado do PRS.

Os deputados regressam ao plenário na próxima quinta-feira para a quarta reunião plenária extraordinária da quinta sessão legislativa da quarta legislatura, onde, entre outros pontos, vai à discussão na generalidade a proposta de Lei sobre a Cremação.

Conselho de Honra do MPLA integra José Eduardo dos Santos

O Bureau Político do MPLA, partido no poder em Angola há 46 anos, aprovou hoje a proposta de composição do seu secretariado e o Conselho de Honra, do qual faz parte José Eduardo dos Santos, ex-líder do partido e “pai” (arrependido) de João Lourenço.

De acordo com o comunicado final da reunião dirigida pelo presidente do MPLA, João Lourenço, fazem parte do secretariado do Bureau Político 17 membros.

O órgão tem como secretário para a Organização e Inserção na Sociedade, Jorge Dombolo, secretária para a Política Económica, Idalina Valente, secretária para a Política Social, Maricel Capama, secretário para a Reforma do Estado, Administração Pública e Autarquias, Mário Pinto de Andrade, e secretário para a Informação e Propaganda, Rui Falcão.

João de Almeida Martins “Jú” é o secretário para os Assuntos Políticos e Eleitorais, Manuel Augusto, o secretário para as Relações Exteriores, Ângela Bragança, secretária para a Política de Quadros, Pedro Neto, secretário para os Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria.

O secretariado é ainda composto por Carla de Sousa, secretária para a Administração e Finanças, Virgílio de Fontes Pereira, presidente do grupo parlamentar, Maria Antonieta Baptista, coordenadora da Comissão de Disciplina e Auditoria do Comité Central, Joana Tomás, secretária-geral da OMA [organização feminina do partido], e Crispiniano dos Santos, primeiro secretário nacional da JMPLA [organização juvenil do partido].

O Bureau Político aprovou, com emendas, o regulamento do Conselho de Honra do MPLA, novo órgão do partido, dos quais se destaca José Eduardo dos Santos, ex-líder do MPLA e antigo Presidente da República, durante 38 anos, do qual fazem também parte históricos da maior organização política do país, nomeadamente Roberto de Almeida, Julião Mateus Paulo “Dino Matrosse”, Francisco Paiva “Nvunda”.

O Conselho de Honra do MPLA, com 28 elementos, integra ainda nomes como Amadeu Amorim, Santana André Pitra “Petroff”, José Diogo Ventura, Luzia Inglês Van-Dúnem “Inga”, Paulo Cassoma, Albina Assis, Hermínio Escórcio, António dos Santos França “Ndalu”, Lopo do Nascimento, Maria Eugénia Neto, entre outros.

O comunicado sublinha que o Bureau Político reiterou o seu incondicional apoio ao executivo liderado por João Lourenço, realçando a perspectiva social do Orçamento Geral do Estado para 2022, “que elegeu o combate à pobreza, a promoção da inclusão social e o investimento no capital humano, sobretudo nos sectores da educação, saúde e protecção social, como pilares do desenvolvimento integral do país”.

Esta foi a primeira sessão ordinária do Bureau Político do MPLA eleito no VIII congresso ordinário do MPLA, realizado na semana passada, entre quinta-feira e sábado, reelegendo como líder do partido, para um segundo mandato, João Lourenço.

Médicos angolanos em greve há uma semana

A greve dos médicos angolanos já dura há uma semana, sem que as partes cheguem a acordo, disse hoje o secretário-geral do Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (Sinmea), Pedro da Rosa. O sindicalista disse que a greve continua e continuam à espera que o Governo volte a convocá-los para se sentarem à mesa de negociações.

“Até ao momento não há nada e a nossa greve continua e amanhã (quarta-feira), nós vamos realizar uma vigília em protesto ao enquadramento de novos médicos em violação à lei da greve que proíbe tal atitude, e a greve continua até as negociações reatarem e cheguemos a acordo”, frisou.

Segundo Pedro da Rosa, depois da última assembleia dos médicos não se realizou novo encontro entre as partes, realçando que, na segunda-feira, o presidente do Sinmea, Adriano Manuel, esteve no Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social na tentativa de o ministério advogar a sua posição, que é um dos pontos do caderno reivindicativo.

O caderno reivindicativo, submetido à entidade patronal em Setembro passado, apresenta como primeiro ponto a recolocação imediata de Adriano Manuel, indemnização pelos danos causados pela sua transferência para os recursos humanos do Ministério da Saúde e a nulidade do processo disciplinar contra si.

Em causa está um processo disciplinar movido contra Adriano Manuel, médico pediatra, por denunciar à imprensa a morte de 19 crianças de um total de 24 no banco de urgência do Hospital Pediátrico David Bernardino, tendo como consequência sido transferido para o departamento dos Recursos Humanos do Ministério da Saúde, justificado com a necessidade de mobilidade de quadros.

Sobre o apelo da ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, para que voltem aos postos de trabalho, solicitando um prazo de 90 dias para que o executivo responda às reivindicações financeiras dos médicos, Pedro da Rosa disse que “isso não é assim que se faz”.

“O ministério tem uma sede e deve usar os seus ofícios, quer dizer, notificar o sindicato e o sindicato corresponder e nós voltarmos à negociação, isso é que deve ser feito. Agora, ir para as redes sociais ou para a comunicação social e fazer esse apelo, não resolve”, afirmou.

Instado a comentar a associação que se tem feito desta reivindicação dos médicos com questões políticas, o secretário-geral do Sinmea desvalorizou o facto, afirmando que “esta política já é antiga”.

“O nosso partido é mesmo a saúde, é o sistema nacional de saúde, o nosso foco é o nosso paciente e só por isso mesmo. Isso é uma tentativa só para dividir, para melhor reinar, aliás isso não é um posicionamento de agora, desde que o sindicato foi criado em 2018 que se faz isso”, disse.

“Já pensaram que eramos da CASA-CE [segunda maior força da oposição angolana), hoje a CASA-CE está quase sem expressão, agora vem a UNITA [maior partido da oposição], porque está na mó de cima, é só para dividir para melhor reinar”, acrescentou.

Pedro da Rosa disse que, apesar da greve, os serviços exigidos por lei continuam a ser prestados, com o atendimento dos doentes críticos, os bancos de urgência, as hemodiálises e os cuidados intensivos.

“O resto sempre que necessário a gente dá um atendimento, mas não há situações críticas, da visita que nós fizemos aos hospitais, os bancos até estão calmos”, salientou.

A ministra da Saúde, em declarações hoje divulgadas pela rádio pública angolana, disse estar aberta ao diálogo, apelando à calma e que voltem para os seus lugares.

“Que não se sintam melindrados nem pelos militares nem pelos nossos colegas que estão sendo contratados, nós precisamos de reforçar os nossos serviços”, referiu Sílvia Lutucuta.

A governante afirmou que o executivo está a trabalhar para a melhoria de condições e o prazo de 90 dias serve “para ver as questões financeiras”.

Além da questão da recolocação do presidente do sindicato e os aumentos salariais, os médicos exigem também melhoria das condições de trabalho nas unidades sanitárias de nível primário, secundário e terciário, entre outras questões.

Folha 8 com Lusa

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