Arão Tempo, o advogado que defende os três activistas políticos detidos em Cabinda, desde Junho de 2020, criticou hoje a falta de apoio por parte das organizações de defesa dos direitos humanos internacionais e nacionais. O dono da colónia, o MPLA, continua a usar a razão da força, mandando às urtigas a força da razão. Comunidade internacional, incluindo Portugal, continua a cantar e a rir.
Arão Tempo, que representa os três activistas acusados dos crimes de rebelião, ultraje ao Estado e associação criminosa, disse hoje, em declarações à agência Lusa, que as organizações de direitos humanos não manifestam qualquer posição “contra algumas atitudes do governo de Cabinda e mesmo do Governo central”.
Face à indiferença dessas organizações, o causídico sublinhou que as autoridades angolanas “fazem tudo o que quiserem”.
“Nós nunca recebemos nenhum apoio de outras organizações internacionais, temos, por exemplo, a Amnistia Internacional, a Human Rights Watch, e outras”, apontou o advogado, afirmando que “o centro das violações dos direitos humanos, a acomodação repressiva do governo do MPLA é em Cabinda”.
Arão Tempo informou que os seus constituintes continuam na cadeia, apesar das “démarches” que tem realizado, “porque há pouca pressão internacional dessas organizações de direitos humanos e mesmo das organizações de direitos humanas sedeadas em Angola.
“Há pouca actuação que possa reduzir esta repressão e eles continuam na cadeia”, reforçou.
O advogado disse que o Ministério Público remeteu o processo em juízo, mas não há até ao momento o pronunciamento do tribunal.
“A Procuradoria-Geral da República já remeteu o processo em juízo e agora, até cá, a juíza que recebeu o processo ainda não se pronunciou”, o que, prosseguiu, viola o Código de Processo Penal, que dá o prazo de oito dias para o juiz se pronunciar.
Segundo o advogado, a Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, relativo a medidas de coacção pessoal, estabelece que quando o processo estiver em instrução preparatória, o limite são de quatro meses de prisão preventiva, que pode ser prorrogado por mais dois meses quando o processo for a tribunal, se houver razões para tal, devidamente fundamentadas.
“Eu tenho estado a dizer que as leis em Angola, sobretudo esta das Medidas Cautelares, é inconstitucional”, disse Arão Tempo, adiantando que vai levantar a questão de inconstitucionalidade para apreciação do Tribunal Constitucional.
Arão Tempo argumenta que os seus constituintes estão com excesso de prisão preventiva agora na fase judicial, frisando que vai “continuar a bater na mesma tecla”: “ou julgam as pessoas ou tiram” (da cadeia).
“O processo está lá com o juiz, os procuradores, os serviços de inteligência angolana. Esse é um processo manipulado. Sempre disse que a justiça em Angola é refém do sistema político”, desabafou o causídico, acrescentando que a “província” petrolífera de Cabinda “sempre foi governada por um sistema exclusivo da Constituição angolana, mas refém dos serviços de segurança e, em particular, do próprio sistema político de Angola”.
Os três activistas políticos, Maurício Gimbi, André Bônzela, João Mampuela encontram-se detidos na cadeia central de Cabinda, desde Junho de 2020, por supostamente tentarem, alguns dias antes, colar cartazes nas ruas, com os dizeres: “Abaixo as armas, abaixo a guerra, Cabinda não é Angola, viva o diálogo”.
Maurício Gimbi é o presidente da União dos Cabindenses para a Independência (UCI), enquanto que André Bônzela é o vice-presidente, e João Mampuela, o director do gabinete do presidente.
Em Setembro de 2020, o tribunal de Cabinda negou a alteração das medidas de coacção a Maurício Gimbi e João Mampuela, mas deferiu a liberdade provisória, sob termo de identidade e residência e por meio do pagamento de uma caução de 300.000 kwanzas (417 euros), a André Bônzela. Contudo, por falta de condições para o pagamento da caução, o mesmo continua detido.
Em Março de 2019 o vice-presidente da República do MPLA, Bornito de Sousa, reafirmou o engajamento de Angola no apoio às iniciativas diplomáticas, para superar o impasse no diferendo do Sahara Ocidental. Grande parte do território da República Árabe Saharaui Democrática (RASD) encontra-se ocupada desde 1975 por Marrocos, tal como Cabinda por Angola.
Na Cimeira da SADC de solidariedade com o Sahara Ocidental, o vice-presidente de Angola vincou a necessidade de se concluir com urgência o processo de descolonização de África. Ou seja, de uma parte de África. Isto porque, presume-se (embora sem consulta prévia ao o Departamento de Informação e Propaganda do Comité Central do MPLA), Cabinda se situa em África e ainda não foi descolonizada.
Nessa perspectiva (então profusamente desenvolvida pelos enviados especiais da Angop), Bornito de Sousa encorajou a adopção de um plano de acção da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), para atrair o envolvimento do Reino do Marrocos às autoridades legítimas representativas do povo do Sahara.
Durante a intervenção (esta sim, aprovada pelo Departamento de Informação e Propaganda do Comité Central do MPLA), Bornito de Sousa, em representação do Presidente João Lourenço, fez menção – se o não tivesse feito seria exonerado – ao facto de a SADC ter celebrado, a 23 de Março, o Dia de Libertação da África Austral, que assinala a batalha do Cuito Cuanavale, que culminou (graças ao MPLA) com o regresso da civilização a todo o mundo…
Conhecedora e beneficiária da acção solidária da SADC, Angola não pode ficar indiferente à situação prevalecente no território da antiga colónia espanhola (Sahara Ocidental), referiu Bornito de Sousa, acrescentando com a sua descomunal (mas congénita) lata que a violação da independência, soberania, unidade do Estado, democracia e do direito internacional deve preocupar as nações.
Bornito de Sousa considerou fundamental que a SADC junte a sua voz às iniciativas do Conselho de Segurança da ONU e aos esforços da União Africana, para a autodeterminação ao povo do Sahara Ocidental de modo pacífico e com a observância do direito internacional e do respeito da santidade das fronteiras herdadas do período colonial.
Há cerca de três anos, o ministro dos Negócios Estrangeiros da República Árabe Saharaui Democrática, Ould Salek, solicitou, em Adis Abeba, Etiópia, apoio de Angola na resolução do diferendo que opõe o seu país e o Reino de Marrocos. A experiência angolana é, de facto, relevante. Veja-se o caso de… Cabinda.
Em declarações à imprensa, à margem da 32ª Sessão Ordinária da Comissão Executiva da União Africana (UA), Ould Salek disse que Angola tinha boas relações com os Estados membros da UA e podia jogar um papel determinante na resolução do problema.
Sublinhou que Angola continuava a ser um Estado “líder” e influente em África, tendo felicitado os angolanos pela solidariedade e pelo apoio prestado ao povo do seu país.
Entretanto, além de solicitar o apoio de Angola no processo de resolução do diferendo com Marrocos, Ould Salek exigiu que a UA tenha um papel mais activo na resolução do problema do Sahara Ocidental.
Reafirme-se as vezes que forem necessárias que a República Árabe Saharaui Democrática reivindica soberania sobre o território do Sahara Ocidental, antiga colónia espanhola que, por sua vez, Marrocos reclama como parte do seu reino. Algo semelhante (diga-se aos que não sabem, aos que sabem, aos que sabem mas não querem saber, incluindo obviamente os cobardes políticos portugueses) ao que se passa com Cabinda.
“Marrocos é agora membro da União Africana. Cremos que é dever da UA trabalhar para por fim à ocupação de Marrocos ao território da República Árabe Saharaui”, declarou.
Na perspectiva do seu país, Marrocos “ocupa ilegalmente o território do Sahara Ocidental”, desde 1976, na sequência da retirada da antiga potência colonial, a Espanha.
Também, do ponto de vista dos cabindas, Angola “ocupa ilegalmente o território de Cabinda”, desde 1975, na sequência da retirada da antiga potência colonial, Portugal.
Ould Salek pediu que as Nações Unidas pressionem o Governo de Rabat (Marrocos) para respeitar as resoluções do Conselho de Segurança, tendo sublinhando que nenhum Estado africano deve colonizar um país irmão.
“África não pode tolerar que um país africano colonize outro. Trata-se de uma violação aos princípios fundamentais da UA”, declarou Ould Salek, que manifestou, por outro lado, interesse de reforçar a cooperação com Angola.
Um dia depois de uma freira budista se ter imolado pelo fogo, e morrido, um activista tibetano recorreu no dia 4 de Novembro de 2011 à mesma forma de protesto em frente à embaixada da China em Nova Deli.
No dia 16 de Julho de 2011, o então presidente norte-americano, Barack Obama, manifestou uma “preocupação sincera” sobre os direitos humanos no Tibete.
Saberão os EUA o que é Cabinda? Não sabem, com certeza. Se até os presidentes do país (Portugal) que assinou um acordo de protectorado com Cabinda não sabem, ou sabem mas não têm autorização do MPLA para saber…
Recorde-se que, segundo o então conselheiro jurídico e político do líder tibetano, Michael Van Walt, a proposta de autonomia apresentada pelo Dalai Lama à China “era muito parecida à que José Ramos-Horta propôs à Indonésia” em 1995-96.
Michael Van Walt considerava também que o que aconteceu em Timor-Leste e no Kosovo “tornou as coisas mais difíceis para o Tibete”.
No que a Cabinda respeita, Portugal não se lembra dos compromissos que assinou ontem e, por isso, muito menos se recordará dos assinados há mais de 100 anos. E, tanto quanto parece, mesmo os assinados ontem já estarão hoje fora de validade.
Portugal não só violou o Tratado de Simulambuco de 1 de Fevereiro 1885 como, pelos Acordos de Alvor, ultrajou o povo de Cabinda, sendo por isso responsável, pelo menos moral (se é que isso tem algum significado), por tudo quanto se passa no território, seu protectorado, ocupado por Angola.
Quando Portugal diz que Angola vai de Cabinda ao Cunene está, desde logo, a dar cobertura e a ser conivente, como acontece com a China em relação ao Tibete, com as violações que o regime angolano leva a efeito contra um povo que apenas quer ter o direito de escolher o seu futuro.
Para além do Tibete, não seria mau que Portugal olhasse para Espanha e Angola para Marrocos. Ou seja, para a questão do Sahara Ocidental.
Recorde-se que o governo espanhol, na altura liderado por José Luís Zapatero, mostrou – ao contrário de Portugal – coragem política não só ao reconhecer o direito do povo saharaui à autodeterminação como ao levar a questão às Nações Unidas.
Mas terá Cabinda similitudes com Timor-Leste? E com o Kosovo? E com o Sahara Ocidental?
Embora a comunidade internacional (CPLP, União Europeia, ONU, União Africana e similares elefantes brancos) assobie para o lado, o problema de Cabinda existe e não é por o MPLA o censurar nos seus órgão de propaganda que ele deixa de existir.
Cabinda é um território ocupado por Angola e nem a potência ocupante como a que o administrou pensaram, ou pensam, em fazer um referendo para saber o que os cabindas querem. Seja como for, o direito de escolha do povo não prescreve, não pode prescrever, mesmo quando o importante é apenas o petróleo.
Por alguma razão, em 1975, o Governo de Lisboa reconheceu o MPLA como legítimo e único governo/dono/proprietário de Angola, embora tenha assinado acordos com a FNLA e a UNITA. O resultado ficou à vista nos milhares e milhares de mortos da guerra civil.
Cabinda (se é que os governantes portugueses, sejam eles quais forem, sabem alguma coisa sobre o assunto) também é um problema político e não jurídico, “embora tenha uma dimensão jurídica de enorme complexidade”.
Segundo os governos portugueses, no actual contexto geopolítico, Cabinda é Angola. Amanhã, mudando o contexto geopolítico, Portugal pensará de forma diferente. Ou seja, a coerência é feita – à boa maneira portuguesa – ao sabor do acaso, dos interesses unilaterais.