É um enorme fosso que se estende por quilómetros, ao longo da estrada do Zango, nos arredores de Luanda, criado com função de drenagem, mas mais conhecido como “vala da morte”, devido aos inúmeros acidentes e afogamentos naquele local. Culpados? Todos menos o MPLA.
Só este ano, 30 pessoas terão perdido a vida no local, 11 das quais num único acidente, segundo números citados no relatório “Vala da Morte — A arma silenciosa montada pelo governo contra a sua própria população”, produzido pelo Centro de Estudos Comunitários da Biblioteca do Zango II (CECBZ).
Os moradores da zona, como Adélia Adelino, que relata à Lusa uma série de acidentes com vítimas mortais desde 2016, temem mais mortes se nada for feito.
“Apelamos à sociedade e ao Governo que zele por nós porque isto são mesmo acidentes fatais. Daqui, sair com vida, só quando não chove, porque quando chove isso enche”, diz, desolada, apontando para a vala semi-alagada com águas estagnadas.
E só não tem havido mais mortes porque têm “tido cuidado com as crianças”, sublinha.
Manuel Cunha reforça: “É preocupante”.
A estrada é insegura e “qualquer carro em despiste cai logo para a vala”, afirma o morador, acrescentando que “é preciso tomar cuidado para que o pior não aconteça”, sejam automobilistas ou peões, pois “a protecção para quem anda a pé também não é boa”.
Raimundo Ngunza já presenciou alguns acidentes: “É de lamentar as situações que aconteceram aqui nessa vala, há [algum] tempo houve uma família que perdeu a vida de uma forma muito trágica”, recorda o jovem, afirmando que a culpa é da “rotunda que está mal arquitectada”.
Raimundo revela que tem sido a população local, muitas vezes, a sair em socorro dos sinistrados. “Os bombeiros chegam aqui e não conseguem fazer nada, nem a polícia. Ficam só a olhar e são os jovens daqui que dão o seu máximo, a sua garra, para tirar as pessoas da vala, que ficam horas e horas e só mais tarde é que os bombeiros vêm dar uma mão”, conta, acrescentando que “é muito triste o que se tem passado nesta vala” e pedindo que se tape o fosso “o mais rápido possível.
A obra teve início em 2016 e já sofreu alguns melhoramentos, mas os problemas permanecem, realça o jornalista Coque Mukuta, director do CECBZ, que produziu o relatório onde identifica causas da sinistralidade e sugere medidas para minimizar os riscos, apelando a que se responsabilizem as entidades competentes.
“Procurámos com este relatório alertar as autoridades para o perigo desta vala”, explica.
No ponto mais perigoso, revelado no relatório e que Coque Mukuta sublinha, a cerca metálica semidestruída é reveladora dos embates que ali se deram.
“A maioria dos acidentes fatais acontecem ao longo de um único ponto, que intitulamos aqui ponto crítico, em que a estrada foi mal projectada”, refere o relatório.
Naquele ponto da estrada, a curva apertada e mal sinalizada do desvio que permite fazer inversão de marcha é um convite ao desastre e os pneus com reflectores ali colocados recentemente pouco ajudarão.
“Tivemos contactos com as autoridades e as soluções que encontraram são seis pneus, como vêem neste pico que é bastante perigoso”, diz Mukuta, apontando o local onde, em Março, morreram 11 pessoas da mesma família, incluindo oito crianças.
O jornalista, formado em Gestão e Administração Pública, sugere o encerramento do desvio, a colocação de redutores de velocidade com reflectores naquele troço e melhoria da iluminação lembrando que a maior parte dos acidentes acontece no período nocturno.
“O nosso objectivo é alertar sobre o perigo deste pico e a qualidade desta obra. Fazemos um apelo para que responsabilizem os culpados e a própria administração, que conhece o problema e não dá uma solução”, critica Mukuta, salientando que falta no país uma “cultura de responsabilização” para se “encontrar um culpado desta macabra obra”.
Barnabé Raimundo, administrador adjunto para a área técnica e infra-estrutura de Viana, reconhece o problema, mas nega responsabilidades do município.
“Estamos a falar de uma obra que não está terminada, está a ser intervencionada”, adianta à Lusa, acrescentando que a infra-estrutura pertence ao Instituto Nacional de Estradas de Angola (INEA) e só esta entidade poderá fazer as obras necessárias para garantir a segurança de transeuntes e automobilistas, que actualmente não está assegurada, seja pela má visibilidade, seja pela velocidade excessiva.
“Por falta de visibilidade muitos batem no lancil e capotam, outros caem para dentro da vala. Nós também estamos preocupados com as mortes que ali acontecem e ainda esta semana tivemos uma reunião para falar sobre este problema e pressionar o INEA para que a obra seja concluída. Lamentamos muito estas mortes e queremos que os nossos munícipes transitem em segurança naquela zona”, reitera.
Além dos acidentes de viação, várias vítimas de afogamento foram também registadas na vala, salienta Coque Mukuta, apontando o lodo que se junta no fundo como um perigo adicional.
Desafiando o risco, alguns jovens lançam linhas improvisadas para pescar o peixe miúdo que nada nas águas paradas e repletas de lixo.
Tito Alberto sabe que o local é perigoso, mas nem isso o dissuade das tentativas de pescar algo para o seu jantar.
“Nós já sabemos, estamos cá em cima, quando escorrega pode morrer, mas alguém como eu – sou um pescador – não vai morrer”, diz, entre sorrisos.
Já Esperança João Francisco indigna-se: “Nós quando chegámos aqui, a vala estava bem. Não tínhamos problemas, desde que abriram esta vala, não se consegue. Os carros caem lá dentro, morrem lá pessoas” e é um perigo também para as crianças, relata a moradora e termina o desabafo com um pedido simples: “Queremos só que fechem a vala e ficar como estávamos”.
Em 29 de Abril de 1975, quando faltavam 196 dias para a proclamação da entrega do país ao MPLA (supostamente Independência Nacional), foi noticiado que “o governo do Cuando Cubango aprovou o projecto de construção de novas estradas, que vão ligar Serpa Pinto (Menongue) ao interior da província e à Huíla. As novas vias contribuem para o avanço do desenvolvimento económico dos distritos de Moçâmedes, Huíla e Cuando Cubango. A asfaltagem já arrancou e está a cargo da Junta Autónoma das Estradas de Angola (JAEA) e da sua Direcção Regional do Cuando Cubango”.
Agora, como já não existe a JAEA e Angola é (in)dependente do MPLA, o melhor mesmo é pedir a ajuda de “médicos” cubanos especialistas na construção de estradas e, é claro, continuar a culpar os colonialistas portugueses por aquilo que os donos do reino fizeram (quase sempre mal) depois de eles terem partido.
Não nos esqueçamos que, desde Dezembro de 2016, a principal via expresso de Luanda, com uma extensão de 67 quilómetros, ostenta o nome de Fidel Castro, em reconhecimento do papel do líder cubano na independência de Angola.
Foi por decisão do executivo que Angola cumpriu um dia de luto nacional, com as bandeiras a meia haste, pela morte do histórico líder cubano Fidel Castro, que o presidente José Eduardo dos Santos considerou como o “maior amigo” do país.
Com três faixas de rodagem em cada sentido, a via expresso Cabolombo-Viana-Cacuaco é uma das principais estradas do país, permitindo escoar o trânsito ao longo dos municípios de Belas, Viana e Cacuaco.
Numa iniciativa que juntou também o Governo Provincial de Luanda, aquela via passou a ser denominada oficialmente de “Comandante-em-chefe da Revolução Cubana Fidel Castro Ruz”.
Uma “singela homenagem de respeito e admiração à grandeza da figura de um dos maiores políticos revolucionários que mais marcou o século passado”, declarou, durante o ato de descerramento da placa, o então ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa”.
O então presidente do MPLA destacou que Fidel Castro “foi o maior amigo de Angola” e uma “figura histórica” do movimento revolucionário.
“Ajudou o povo angolano a conquistar a independência. A defender essa independência. A defender a integridade territorial e todas as conquistas então alcançadas”, enfatizou José Eduardo dos Santos.
Folha 8 com Lusa