A acumulação primitiva do capital, também conhecida como acumulação originária, foi o processo de acumulação de riquezas ocorrido na Europa entre os séculos XVI e XVIII, que possibilitou as grandes transformações económicas da Revolução Industrial. Foi estudado e descrito por Karl Marx, que tomou a Inglaterra como modelo da sua teoria.
Por William Tonet
A acumulação primitiva de capital para Marx se desenvolveu a partir de dois pressupostos: um foi a concentração de grande massa de recursos (dinheiro, ouro, prata, terras) nas mãos de um pequeno número de proprietários; outro foi a formação de um grande contingente de indivíduos despossuídos de bens e obrigados a vender a sua força de trabalho aos senhores de terra e donos de manufacturas.
Historicamente, isso foi possível graças às riquezas acumuladas pelos negociantes europeus com o tráfico de escravos africanos, com o saque colonial e a apropriação privada das terras comunais dos camponeses, com o proteccionismo às manufacturas nacionais e com o confisco e venda a baixo preço das terras da Igreja por governos revolucionários.
Com o advento da Revolução Industrial, conclui Marx, a acumulação primitiva foi substituída pela acumulação capitalista. Para o bem e para o mal, todos os países do mundo tiveram a acumulação primitiva do capital, não sendo pois um exclusivo de José Eduardo dos Santos. Por esta razão as desavenças entre militantes de um mesmo partido: MPLA não deveriam ser debatidas em Lisboa, mas no interior do próprio partido em Angola.
Seria demonstração de maturidade, mas o contrário parece querer esconder a incapacidade de, nos dois anos de mandato a situação, económica, social, política agravaram-se, consideravelmente, fruto do confronto entre o MPLA de esquerda/capitalista e o novo MPLA de extrema direita e neoliberal. Tudo visando a afirmação e consolidação do novo poder, comprometido em escancarar a soberania económica ao capital estrangeiro e FMI.
Seria digno de humildade admitir, neste momento, haver incompetência do programa económica para melhorar a condição de vida, o poder de compra e o emprego da maioria dos 20 milhões de pobres. Por outro lado, a desastrosa política económica de Manuel Júnior causou a paralisia empresarial, empurrando cerca de três (3) milhões de uma classe intermédia (Angola não pode falar de classe média), para a marginalidade, uma vez ter vindo a perder o poder de compra com a contínua desvalorização do dinheiro, o encerramento de empresas, serviços e diminuição de consumo.
Não seria justo reconhecer o facto (não é presunção) de tendo sido indicado, pelo antecessor, como marimbondomor e um dos corruptos que enriqueceu, unicamente, os filhos, tornando-os milionários, antes o saco de arroz, custava Kwz: 2.500,00 (dois mil e quinhentos Kwanzas) e, agora, no tempo do exonerador honesto, do combatente contra a corrupção, peculato e nepotismo, o mesmo saco de 25 kg , esteja a 15.000,00 (quinze mil Kwanzas), o saco de feijão saiu de 5.500,00 para 26 mil, enquanto a caixa de coxa de frango de 4.500 chegou a 10 mil…
Estes preços quando o salário mínimo está cotado entre 15 a 25 mil kwanzas, leva os trabalhadores a conjugar o novo verbo da comida: “sósia” (duas ou mais pessoas que se associam na compra de uma caixa de frescos, saco de arroz, fuba, feijão, açúcar, etc.), nos armazéns de venda de frescos e produtos alimentares.
A trágica realidade social banaliza a imagem da actual liderança do MPLA, cujo mérito, nos dois últimos anos, resultou no facto de José Eduardo dos Santos ter saído de besta (maior corrupto, marimbondo-mor), para bestial. Quem hoje não come com regularidade, não tem emprego, educação e saúde deixou de sonhar e acreditar na luta contra a corrupção. No outro tempo, a situação não era famosa, mas o seu agravamento leva a que o estômago comande a lógica racional, do cidadão.
Nesta cruzada contra a corrupção não seria mais honesto a PGR assumir-se como instituição de viés partidocrata, pela selectividade e as posições assumidas de prender para investigar ou condenar na praça pública, antes de condenação. A nova pérola da instituição, que deveria assumir-se sempre como fiscal da fiscalidade, foi o arresto (confisco ou nacionalização) de 24 prédios e 1124 apartamentos baseado na justificativa de terem sido construídos com fundos públicos, quando na realidade eles resultam de um investimento, exclusivamente, privado. Isso descredibiliza o órgão, principalmente, ao fornecer elementos distorcidos, que deveriam estar em segredo de justiça (em fase de instrução preparatória), com a agravante de sub-repticiamente, os vincular, indevidamente, a um dos braços direitos de José Eduardo dos Santos, Leopoldino do Nascimento.
O facto de não se gostar de alguém não se pode atribuir a ele actos ou práticas ilícitas, indevidamente, principalmente, quando depois se constata serem as urbanizações fruto de um investimento privado do cidadão chinês, Pam Sam.
Se tivesse dinheiro público (ou tiver) a Procuradoria-Geral da República deveria indicar em que Orçamento Geral de Estado consta essa alocação de verba. Não o tendo feito é desonesto, principalmente, por colocar o Estado como pessoa de má-fé. Mas este método da PGR é perigoso, pois ao mesmo tempo que actua como uma espécie de “longa manus” do pensamento do Executivo, poderá ter, na esquina da euforia de acusar, também o partido do regime.
Poderá a procuradoria nessa luta contra a corrupção denunciar o facto de José Eduardo dos Santos ter convertido, ilicitamente, através de dinheiro e bens públicos, o MPLA num dos partidos políticos mais ricos do mundo? Seria um sinal de honestidade jurídica, denunciar esse feito e de isenção, se colocasse a oposição parlamentar, na condição de fiel depositário, do gigantesco espólio imobiliário e financeiro (criado pela engenharia do “marimbondo-mor”), principalmente, as sedes; nacional e provinciais, bem como empresas e acções, em cerca de 650 empreendimentos?
A PGR por este andar terá de apreciar as reclamações dos partidos políticos de ter havido fraude, nas eleições gerais de 2008 e 2012, com a cumplicidade de empresas prestadoras de serviços informáticos e não só de altos dirigentes do MPLA e de juízes.
Como se vê o sistema judicial e judiciário está banhado de suspeição pela parcialidade na actuação e submissão ao poder político. E nesta cruzada, quando a esperança poderia repousar no poder legislativo, este, com a demonstração de estar sob a bota do Presidente da República desilude, principalmente ao dar posse ao novo presidente da CNE declaradamente acusado de práticas ilícitas, no exercício de funções, havendo ainda uma providência cautelar denunciando irregularidades no concurso.
Manuel da Silva favoreceu segundo denúncia o MPLA em 2012, tendo ainda beneficiado de uma receita não prevista do Governo da Província de Luanda. Seria bom, também, saber se o mesmo MPLA que acusa Dos Santos de antes manipular a justiça, dizer, por exemplo, só a Militar (Supremo Tribunal Militar) as razões de, até agora, não ter considerado nulo, ilegal e arbitrário a condenação feita pelo juiz presidente António Neto Patonho, contra Fernando Garcia Miala sabendo ele, ter condenado política e não juridicamente?
Se foi alvo de um julgamento injusto (pelo juiz, António Neto Patonho), porque razão, agora, o Tribunal Supremo não revê a barbaridade jurídica cometida, considerando nulo, toda a farsa, uma vez o indulto, não se desalojar do Registo Criminal? Mais, porque os Tribunais Supremo e Constitucional, não revêem a moldura penal aplicada, contra um homem do Sul, religioso, sem formação académica, mas com uma retórica e capacidade mobilizadora impressionante, como Kalupeteka, condenado arbitrariamente a uma pena inexistente no Código Penal: 28 anos de prisão maior, quando, noutro extremo, religiosos brasileiros da Igreja Universal do Reino do Deus, numa campanha publicitária enganosa e comercial, foi responsável pela morte criminosa de 16 pessoas, foram absolvidos.
Será pelo posicionamento político de Edir Macedo colocar a TV Record, ao serviço exclusivo do MPLA, logo estão antecipadamente, perdoados por todos os crimes, praticados no passado, no presente e que vierem a ser cometidos no futuro?
Talvez por esta razão, a PGR nada faz diante da denúncia de bispos angolanos do cometimento contínuo de ilícitos, por parte de bispos e pastores brasileiros de evasão fiscal, branqueamento de capitais e transportação de dinheiro de forma ilícita, para o exterior do país.
Não é, sem razão, que muitas pessoas do MPLA, justa ou injustamente, considerem que quando no dia 6 de Julho de 2008, o músico inglês, Bob Gledof disse: “Angola é um país gerido por criminosos”, tinha razão.
Coincidentemente, hoje o presidente do MPLA e da República, João Lourenço apesar de dar razão ao irlandês resiste não só a um “Pacto de Regime”, como parece não defender uma justiça imparcial, plena, geral, abstracta e verdadeiramente independente, por só incriminar “os considerados marimbondos e da ala eduardista”.
É meritória a coragem de JLo combater, a acumulação primitiva do capital, que beneficiou, exclusivamente, uns poucos, mas a propaganda se esquece de lembrar, que estes uns, são a cúpula do MPLA, principalmente, membros do Bureau Político e comité central e não somente, os filhos e próximos de JES.
Nesta perspectiva fica esvaziado a isenção e o propósito, fundamentalmente, ao tentar-se tapar os olhos dos cidadãos, quando a corrupção em Angola não é endémica (de pessoas) mas sistémica, com epicentro no MPLA, incapaz de se regenerar, por si só: a víbora não deixa de ser venenosa, se mudar de pele.