A crise provocada pela pandemia de Covid-19 associada à crise económica, que já afectava Angola, criou uma “tempestade perfeita” que vai atrasar a recuperação do país, afirmou hoje o presidente do Conselho Económico e Social. Pena é que Alves da Rocha não tenha acrescentado a crise criada nos últimos 45 anos pela incompetência do governo em diversificar a economia.
“I nfelizmente, para nós angolanos, parece que está criada a tempestade perfeita, uma crise económica que se associou agora a uma crise pandémica”, disse Alves da Rocha, na abertura do Fórum Angola organizado pelo Instituto Real de Relações Internacionais Chatham House.
De acordo com as projecções até 2025-2026, segundo o académico, “a retoma vai demorar, (…) com taxas de crescimento do PIB [Produto Interno Bruto] baixas, embora positivas”.
Segundo um estudo feito em Abril pelo Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola, do qual Alves da Rocha é director, o PIB vai contrair 6,8% em 2020.
Se estas previsões forem projectadas para a área social, o académico antevê uma “regressão social” reflectida pela diminuição do PIB [anual] por habitante, indicador que prevê que vá descer para 1.700 dólares (1.437 euros), contra 5.600 dólares (4.735 euros) em 2014.
“Estou bastante apreensivo quanto à situação económica e social no meu país e às suas repercussões do ponto de vista político, e quando é que vamos conseguir inverter esta dinâmica negativa de crescimento do PIB. Já houve oportunidades de o fazermos, mas perdemos essas oportunidades”, lamentou.
O economista-chefe do Standard Bank, Fáusio Mussa, disse existirem sinais de que 2021 pode ser um ano de recuperação económica para Angola, mas alertou para factores de risco, como o resultado eleições dos Estados Unidos da América, a forma como a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) gere e perspectiva a evolução e os preços do crude, bem como a intensidade da recuperação económica da China.
“Nós vemos Angola ainda em recessão no próximo ano e mesmo saindo temporariamente da recessão em 2022, parece que a economia não vai conseguir aguentar em 2023, devido sobretudo à maturidade dos campos petrolíferos, que pode ter impacto na produção de petróleo”, avisou.
Os dois economistas falavam na sessão de abertura do evento anual, desta vez realizado de forma ‘virtual’, que vai discutir as reformas e prioridades políticas para promover a recuperação económica de Angola perante a pandemia de Covid-19 e também a queda dos preços do petróleo, sector do qual a economia do país é mortiferamente dependente.
Uma intervenção do Presidente da República de Angola, João Lourenço, inicialmente anunciada foi cancelada.
Ainda há poucos dias (no passado dia 19), Fáusio Mussa disse que o seu banco reviu a previsão de evolução económica de Angola, antecipando agora uma recessão até 2023 e “mais dor” para os contribuintes.
“A expectativa é de saída da recessão em 2022 e possível retorno em 2023 se não houver investimento substancial no sector petrolífero por causa do fim de vida útil de alguns dos poços”, afirmou Fáusio Mussa, no seguimento do lançamento do relatório sobre as economias africanas.
“O Produto Interno Bruto contraiu-se 8,8% no segundo trimestre de 2020, o que é mais do que a nossa expectativa de 5,7%, por isso antevemos agora uma recessão de 5,2% em 2020, e pensamos que a economia vai continuar a contrair-se em 2021”, lê-se no documento, que antevê que o sector petrolífero continue em queda.
“O sector petrolífero continua a passar por um declínio na produção e a recuperação da economia não petrolífera vai provavelmente ser insuficiente para levantar a economia”, acrescentou-se no relatório.
Olhando para os números da proposta de Orçamento Geral do Estado para o próximo ano, o relatório do Standard Bank referiu que “o PIB do petróleo e gás vai contrair-se 6,2% e a economia não petrolífera deverá crescer 2,2%, o que faz com que o PIB total fique com um crescimento de 0% em 2021, que compara com uma contracção de 2,1% prevista pelo Governo para este ano”.
Para Fáusio Mussa, que assina a nota do Standard Bank sobre Angola, o corte previsto do défice de 4% este ano para 2,2% em 2021 implica “a substituição das receitas do petróleo por aumentos de impostos fora do sector petrolífero”.
Nesse sentido, Fáusio Mussa concluiu que, “dada a magnitude dos múltiplos choques que Angola enfrenta, os contribuintes vão provavelmente enfrentar mais dor”.
Recordemos o que o director do departamento africano da consultora Eurasia, Darias Jonker, disse em Maio numa entrevista à Lusa, que Angola e Moçambique não deverão ter grande apoio dos credores privados nas iniciativas de alívio dos pagamentos da dívida pública que, de acordo com o FMI, deverá este ano ultrapassar os 132%.
“Não posso comentar sobre a questão mais lata do envolvimento dos credores privados no acordo do G20, mas no que diz respeito a Angola e Moçambique, não espero grande apoio dos credores privados, excluindo os credores chineses”, respondeu Darias Jonker quando questionado sobre o impacto da participação deste sector na iniciativa sobre o alívio da dívida.
“Angola tem um grande problema de pagamento da dívida e desde então a maior parte da dívida é devida à China e será necessário fazer um acordo com a China, que provavelmente não será tornada pública”, disse Darias Jonker, notando que o país asiático “deve mostrar alguma flexibilidade” nas negociações da dívida com os devedores africanos.
“O Fundo Monetário Internacional também está activamente envolvido na ajuda a Angola para estabilizar a sua dívida e gerir os seus pagamentos, o que, juntamente com a vontade da China de reestruturar e os cortes orçamentais em Angola, deverá colocar o país numa posição melhor para gerir a sua dívida”, que ultrapassou os 100% do PIB no final do ano passado.
Questionado sobre se a relação especial de Angola com a China vai beneficiar Luanda na negociação da dívida, Darias Jonker respondeu: “A China dificilmente vai perdoar muita dívida a Angola, mas já expressou a vontade de considerar uma moratória nos pagamentos”.
“Como muita da dívida é paga pelo petróleo, Angola pode dar menos petróleo à China e ter assim mais crude para vender no mercado aberto, mas devido à falta de procura, pode ter de o armazenar durante uns meses, o que significa que não terá um alívio directo por parte da China”, acrescentou.
De acordo com a estimativa da Organização Não-Governamental (ONG) Comité para o Jubileu da Dívida, Angola terá de pagar este ano 2,2 mil milhões de dólares (cerca de 2 mil milhões de euros) em dívida, o valor mais elevado no continente.
Folha 8 com Lusa