Segundo o órgão oficial do MPLA, o Jornal de Angola, estrategas militares e historiadores angolanos dizem-se prontos, para o desafio lançado, dia 17 de Dezembro, pelo Presidente da República, general João Lourenço, que espera contar com uma maior contribuição dos reformados das Forças Armadas Angolanas, na elaboração da “história militar”.
João Lourenço, que falava por altura de mais um aniversário do exército, um dos três ramos das Forças Armadas Angolanas, acredita que com essa contribuição o país estaria a perpetuar a história das grandes batalhas militares.
Ouvidos, em exclusivo pelo Jornal de Sábado, da RNA, o General Correia de Barros, e o historiador e professor universitário, João Fernandes Manuel, sinalizam que o desafio visa a compilação e elaboração da história militar, baseada no consenso.
Neste contexto surgem, à partida, algumas dúvidas: João Lourenço quer a história militar de Angola ou a história militar do MPLA e segundo o MPLA? A História tem de ser escrita por quem o MPLA considere ser angolanos ou, eventualmente, pode ser escrita por outros angolanos? Abarca o que se passou depois da independência ou incluirá também a guerra colonial?
Entre muitas obras já escritas, recordamos a “Guerra Colonial – A História na Primeira Pessoa”, 16 volumes publicados em 2011 e de que são autores dois jornalistas angolanos, Orlando Castro (hoje director-adjunto do Folha 8) e Paulo F. Silva.
“Para Angola depressa e em força”, anunciou António de Oliveira Salazar no rescaldo da insurreição angolana em 1961. Entre as plantações de algodão e café, as intervenções militares portuguesas começavam a ser uma constante, provetas de uma Guerra Colonial que duraria até ao 25 de Abril em 1974. “Quando tinha sete anos lembro-me dos meus pais oferecerem café ao exército português, enquanto um dos soldados me meteu um capacete na cabeça”, relata Orlando Castro, autor, a par de Paulo F. Silva, da compilação de 16 livros sobre a Guerra Colonial. A criança fascinada com o capacete acompanhou os terrores de guerra em directo, assim como o resto do povo angolano e soldados portugueses, envolvidos num conflito que não deixou ninguém indiferente.
“A História na Primeira Pessoa” serve de subtítulo para o que os dois jornalistas descrevem como “o outro lado da Guerra Colonial”. Em vez da mera cronologia de guerra, Orlando e Paulo recolheram testemunhos de veteranos e de soldados da época, que imortalizaram os seus pensamentos em cartas e relatórios. “Houve uma vontade generalizada de contar as histórias, apesar de ainda haver alguns veteranos que preferem guardar as suas memórias”, indica Orlando Castro.
O primeiro volume, por exemplo, acompanha o ano de 1961, quando na Baixa de Cassange ocorreu a primeira sublevação de trabalhadores angolanos. Na empresa luso belga Cotonang, um regime quase de escravidão imposto nas plantações de algodão resultou na revolta de alguns camponeses e o consequente embate com as tropas portuguesas.
“O massacre na baixa de Cassenge reflectiu um povo que se sentia frustrado no seu próprio país e outro que usou o que tinha ao seu dispor para controlar a sua colónia”, explica Orlando Castro. Nessa primeira intervenção do exército português, Paulo F. Silva realça como “ainda existem episódios que não estão esclarecidos”. O exemplo mais célebre é o uso de napalm, que foi confirmado por pessoas como António Lobo Antunes e desmentido pelo exército português.
“A informação não chegava a Portugal, as pessoas quando iam para a tropa estavam a embarcar para o desconhecido”, indica Paulo F. Silva. A escassa informação das condições sociais e geográficas da colónia, levou a uns primeiros anos de descoberta. “Um dos exemplos desta falta de preparação foi um comandante que programou um ataque por mar numa zona interior do país”, sublinha Orlando Castro.
Um dos testemunhos no primeiro volume que ilustra melhor este desconhecimento é o de António de Oliveira Gomes, um ex-furriel miliciano: “O maior choque na minha vida não foi ir para a guerra em Angola. O maior choque foi regressar a Lisboa e enfrentar o desinteresse e o desconhecimento do que se passava no Ultramar.”
Os dois jornalistas nasceram em Angola, sendo que em 1975 rumaram para Portugal. Se Paulo F. Silva não recorda o período de guerra, Orlando Castro, seis anos mais velho, acompanhou em primeira mão os 13 anos de conflito.
“Aos poucos comecei a ter uma percepção diferente da guerra e descobri que existia alguma legitimidade pela luta da independência”, confessa Orlando Castro. Apesar desta colecção de livros acompanhar uma perspectiva portuguesa, os dois filhos de portugueses e auto-intitulados angolanos não esqueceram a reflexão sobre a luta pela independência de Angola.
“A guerra faz parte da história de Portugal, para podermos entender a nossa posição na União Europeia temos de conhecer o nosso passado”, alerta Paulo. Como ex-jornalista de guerra, Paulo F. Silva aproveitou a sua experiência para transcrever uma guerra que não vivenciou. “Depois de estar em Timor ou no Afeganistão, passei por situações muito complicadas que me ajudaram a interpretar a Guerra Colonial”, acrescenta.
“Aos olhos de hoje estes massacres são inconcebíveis”, diz-nos Orlando Castro. Na primeira pessoa, os 16 volumes servem para humanizar uma guerra que vitimou portugueses e angolanos, uns perdidos em território desconhecido e outros a lutar pelo nome próprio. “Numa guerra ninguém ganha, todos perdem”, lembram os jornalistas.
Folha 8 com Jornal I