A ironia, na política, gera confusão e, vinda da boca de um Presidente da República, causa estilhaços, nos sectores nevrálgicos da política, da economia e do tecido social, principalmente estando o país na indefinição de viver um processo de ruptura ou transição conturbada.
Por William Tonet
“S e deixássemos a festa continuar talvez viessem a morrer de congestão de tanto comer”, disse, João Lourenço referindo-se ao umbigo e aos próprios camaradas de partido: MPLA, que, com ele, engalana(ra)m, a galeria da “acumulação primitiva de capital”.
Esta infeliz tirada, mais uma, no já recheado acervo, iniciada em Lisboa, ex-capital colonial, com o conceito marimbondo, maculando, pejorativamente, o mentor e presidente emérito do MPLA, longe de atrair mais abelhas à colmeia presidencial, afastou-as, permitindo que se unissem numa coordenação impensável; os caídos em desgraça; os discriminados; os excluídos; os perseguidos, que em link com a sociedade civil, desempregada e desmobilizada, criaram um movimento, que se agiganta de surdos e mudos, que nada diz, nada ouve e deixa nos pelouros em que esteja…
“O chefe, mais tarde ou mais cedo, vai se estripar sozinho, pois não é por ter o poder absoluto, que pode avacalhar todos os membros do bureau político e do comité central do MPLA, como se ele, fosse, entre nós, o único capaz de justificar que a riqueza dele, não tem proveniência da benevolência do camarada José Eduardo dos Santos, ao abrir-lhe as portas da SONANGOL, ENDIAMA e Bancos comerciais”, disse ao Folha 8, um membro do bureau político do MPLA, devidamente identificado, que por razões óbvias, refugia-se no anonimato.
Mais adiante, questiona: “Ele está a perseguir o camarada José Eduardo que lhe deu o poder de bandeja, pois se fosse por eleição livre, mesmo que se realizassem 50 pleitos, o camarada João Lourenço não ganharia. Por esta razão, sabendo da sua falta de carisma, utiliza a força, a intimidação e a perseguição contra aqueles de quem tem medo”.
Sobre o silêncio tumular nas reuniões, e de quase ninguém aconselhar Lourenço, foi peremptório: “Ele considera-se o Messias, o sabe tudo, o que recebeu o cajado de Deus para nos conduzir, quanto não é imaculado, pois tem as mãos manchadas de corrupção. Ele é latifundiário, tem acções nos bancos, mansão em Washington, que custou mais de três milhões de dólares, onde arranjou o dinheiro? Será que herdou do pai, que era enfermeiro, seringas de ouro? Temos de ser mais sérios e saber que esta política de caça às bruxas para além de destruir o MPLA, mesmo que ele transforme os órgãos directivos do partido, com crianças, sem experiência, como se fosse um jardim de infância, tem os dias contados e poderá ser-lhe fatal”.
E sem papas na língua, lamenta que todos os dias, quando se fala de más práticas governativa, fica mais evidente não ter sido o camarada José Eduardo dos Santos, o único que enriqueceu os filhos, pelo contrário, muitos de nós, se formos honestos, sabemos que temos mais que eles. Por outro lado, é importante perguntar: quando nós estávamos a roubar e a praticar actos de corrupção, ele estava em Marte ou no Vaticano? Como é que ele conseguiu adquirir as fazendas, muitas maiores que alguns países, em Luanda, Kwanza Sul, Benguela, Uíge e Huíla, para além de acções nos bancos BAI e SOL? Ele hoje, com a força das armas está a humilhar antigos camaradas, mas vai chegar um dia, pelo andar da carruagem, que grande parte do MPLA se vai unir a oposição e a sociedade civil, por descobrir que João Lourenço é a causa dos nossos problemas e nunca será a nossa solução”.
Questionado se haveria outra estratégia, para se estancar a corrupção, não pestanejou: “Haveria! O MPLA está no poder, há 45 anos, um novo líder deveria continuar o caminho iniciado, aprimorando as falhas e abrindo oportunidades a novos empreendedores, até que não fossem do MPLA e, numa reunião de direcção assinaríamos, um pacto para se trazer o dinheiro, com o objectivo de estimularmos a economia, elevar, ainda mais, o nome do partido e não estarmos a colocá-lo na lama, chamando uns de gatunos e outros de honestinhos”, explicou, adiantando, “posso lhe garantir, um dia o país vai rebentar, dormindo com o camarada presidente e acordando sem ele e, será uma crise: MPLA contra MPLA! É bom o que ele está a fazer ao Augusto Tomás, ao Zenu dos Santos, julgados e condenados sem, provas fortes, que no caso de Tomás, o poderia levar à morte, por uma questão pessoal? O MPLA vai perder, pois quando sairmos do poder, corremos o risco de nunca mais regressarmos, porque poucos se lembrarão de João Lourenço, que em três anos dividiu, como nenhum outro presidente o partido”.
A fonte do F8 vai mais longe: “Se ele está a combater a corrupção, porque é que a vida da maioria do povo está a piorar, os gastos do governo são astronómicos, ao ponto de quase estar a levar o Fundo Soberano à falência, pois encontrou cerca de 10 biliões de dólares e, neste momento, restam apenas um bilião e meio, com a agravante de estar a vender, ao desbarato, o país aos estrangeiros?”
O Presidente João Lourenço é visto por alguns dos seus seguidores como o reformador da economia angolana, mas os próprios camaradas de partido, não acreditam, “onde ele fez alguma reforma, que possa servir de exemplo? Esteve como secretário-geral do partido, na Assembleia Nacional, foi chefe da bancada e 1.º vice presidente e ainda ministro da Defesa e não se conhecem grandes rasgos, salvo o cinismo e a cultura da raiva e perseguição. Ele vai ser recordado como o dirigente que mais fez para a destruição do MPLA e que lhe serão aplicadas as mesmas armas que está a fazer aos seus camaradas, principalmente a humilhação ao antigo líder, com a agravante de ainda poder ser acusado da prática de crimes contra a soberania”.
País aos frangalhos
É dramático este relato. O país está a afundar, o MPLA transformado numa manta de retalhos e, a gravidade é constatar a inexistência de uma máquina de marketing eficaz, capaz de ajudar a unir os camaradas desavindos.
Ao longo dos três anos, os autóctones têm assistido a uma sucessão indescritível de erros, o avolumar de contestatários internos e externos, a raiva institucional, um acentuado descalabro da economia, o aumento do desemprego, o aumento de impostos e a continuidade de crimes económicos, com a venda ao desbarato do tecido industrial e agro-pecuário do país ao capital estrangeiro.
Não parece haver uma preocupação com o país, até pela falta de uma aprumada estratégia comunicacional e de um projecto de governação coerente e democrático.
A forma como geriram o caso do director de gabinete do Presidente, Edeltrudes Costa, denota essa falta de profissionalismo na Presidência da República, pela forma atabalhoada, como defendeu o governante, fazendo a censura, ao invés de uma explicação, capaz de tirar as dúvidas, aos cidadãos.
João Lourenço, com ajuda da sua assessoria, transmite uma imagem de arrogância, terror e divisão na sociedade.
Por outro lado, muitos acreditam que será um engodo o combate à corrupção, se o MPLA não se penitenciar, em bloco, reconhecendo, que a acumulação primitiva de capital, idealizada por Karl Marx, por si só não é um crime, pois alavancou a economia pátria de muitos países capitalistas (não há país que não tenha trilhado este caminho), mas em Angola, o é (crime), por ter, beneficiado, apenas e exclusivamente, dirigentes do MPLA, que de proletários se converteram em proprietários vorazes, exímios delapidadores de milhões e milhões dos cofres do Estado, para as respectivas contas privadas.
O líder do MPLA até conseguiu, inicialmente, excitar algumas franjas da população, com medidas populistas, como exonerações em catadupa, colocação de governantes na cadeia, etc., mas com o tempo a sua popularidade vem caindo de tal forma, que se as eleições fossem hoje, pela crítica situação económico-social, seguramente, não atingiria 20% dos votos.
Neste momento, João Lourenço conseguiu, reconheça-se, um grande feito, o MPLA, está em frangalhos, uniu adversários e inimigos, “ordenou” a não legalização do partido de Abel Chivukuvuku, o PRA-JA, que viu reforçada a sua posição junto do Partido Republicano da América, do primeiro-ministro inglês, Boris Johnson e, pasme-se, de Vladimir Putin, da Rússia, que ao que se diz, poderá receber o político angolano, antes do final do ano ou princípio de 2021. Verdade ou mentira o tempo dirá, mas uma certeza consolida-se cada vez mais, a ideia de criação de uma frente ampla, com assessoria informática internacional, capaz de causar surpresa em 2022, inviabilizando a fraude da CNE e do Tribunal Constitucional.
O presidente do MPLA, putativo cabeça-de-lista, não parte em muito boas condições, para um segundo mandato e recuperar a sua imagem, vai custar mais de 90 milhões de dólares, segundo uma empresa brasileira de marketing eleitoral.
Os erros na política, tomados por agentes com responsabilidade pública, tendo como alcance ou visando terceiros de boa-fé (populações ou povos), pagam-se caro. Podem os líderes ser alcandorados, pela vontade eleitoral dos cidadãos, indicação ou nomeação, mas se a sua actuação se torna sofrível, ao ponto de macular o estômago, emprego e estabilidade social, pagam caro e podem ser lançados no tambor de lixo da história.