O Juiz do Tribunal Supremo, Pitra, em obediência à visão e estratégia do Presidente da República e do MPLA, João Lourenço, quanto ao combate aos crimes de corrupção e afins, praticado por agentes públicos, destapou a podridão escondida por debaixo do tapete pernicioso, que cobre o país, nos últimos três anos, onde os órgãos de soberania, a “contrarium sensu” de Charles – Louis de Secondant – barão de Montesquieu”, estão reféns de um homem, sem o escrutínio do poder judicial e legislativo.
Por William Tonet
A sentença proferida, pelo juiz do Tribunal Supremo, no dia 14 de Agosto de 2020, no célebre caso 500 milhões de dólares/BNA não está em causa, porquanto o objecto deste texto é a busca de um enquadramento “normativo-jurídico”, bem como analisar a justeza da moldura penal condenatória aplicada aos arguidos, depois de uma longa caminhada iniciada aos 9 de Dezembro de 2019.
A publicidade e mediatismo do julgamento tinha a ver com os ilustres arguidos, começando pelo ex-governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe e o administrador António Bule Manuel (BNA) acusados pelos crimes de peculato, burla por defraudação e branqueamento de capitais, com o Ministério Público a pedir, para ambos, penas não inferiores a 10 anos de prisão, enquanto à José Filomeno dos Santos, ex-presidente do Fundo Soberano de Angola e filho de José Eduardo dos Santos, e Jorge Gaudens Pontes Sebastião, empresário, acusados dos crimes de tráfico de influência, branqueamento de capitais e burla por defraudação, o Ministério Público pediu penas de prisão não inferiores a sete anos.
A base da acusação, remonta a 2017, depois do Ministério Público considerar ilícita a proposta de Jorge Gaudens Pontes Sebastião apresentada a “Zenu” dos Santos, para este levar ao pai, então Presidente da República, de um financiamento para um Fundo Estratégico de Investimento, avaliado em 30 mil milhões de euros, tendo como prévia contrapartida, 1,5 mil milhões de dólares, que seriam pagos em três tranches, cada de 500 milhões, além de 33 milhões de euros, para viabilização de uma operação, mais a pensar na perpetuação do MPLA no poder, que em benefício da maioria dos 20 milhões de pobres. Parecendo-lhe uma boa solução, o Titular do Poder Executivo, José Eduardo dos Santos criou uma Comissão de Trabalho coordenada pelo ex-ministro da Finanças, Archer Mangueira, tendo então sido assinados dois contratos entre o BNA e a Mais Financial Services, de Jorge Gaudens Pontes, amigo de Zenu. Foi através destes compromissos, que em Agosto de 2017, foram transferidos, à luz do dia, sob orientação de JES, os 500 milhões de dólares para a conta da PerfectBit, empresa de financiamento, que nunca transferiu comissões para os arguidos.
A lógica, a norma e a ciência do direito são vilipendiadas, sempre que um juiz não atenda as bases fundantes que as corporizam.
No caso sub judice, o julgamento afastou-se do sistema acusatório de viés grego-romano, assentando na visão “eumistica” inquisitorial, do século XIX, ao negar a uma das partes, o direito de se defender, com iguais armas, que as da acusação (Ministério Público).
O juiz Pitra, qual mágico da inversão jurídica, poderá, um dia, ser “condenado”, de se ter excedido, voluntária ou involuntariamente, ao adoptar sentença adesão, por colocar na pauta da sentença, laudos já vencidos, em alegações de recurso, sobre a pronúncia.
Assim, surgem como elementos marginais a acusação, os crimes de “Burla por defraudação”, à dois dos quatro arguidos (Valter Filipe Duarte da Silva e António Samalia Bule Manuel, numa violação flagrante ao princípio do acusatório, como se virada para uma lógica do princípio lourenciano/partidocrata, principal inimigo, nos últimos três anos, da sã justiça.
Fica cada vez mais evidente, em Angola (governada pelo MPLA) ser normal, um acusado ou condenado, contar com rigor, imparcialidade, cientificidade e escravidão dos magistrados e tribunais, quando em causa está uma vontade condenatória de quem detém o poder.
Daí ser confrangedor assistir-se ao espezinhamento da norma jurídica, pela maioria dos juízes, desgraçadamente, filiados nos comités de especialidade do MPLA, no cumprimento das ordens do líder “Ordens Superiores”, tanto que a maioria dos acórdãos dos tribunais, destacando-se os superiores: Tribunal Supremo e Tribunal Constitucional, são uma autêntica desgraça jurídica, no esteio das orientações políticas de sarjeta, conflituarem com a ciência do Direito.
A decisão do juiz Pitra, pelos frágeis argumentos, coloca-nos perante um caso de não interpretação do direito, acto capaz de colocar em risco o processo de construção do Estado democrático e de Direito em Angola, ao indiciar, claramente, a submissão da justiça a política, com o Ministério Público a acusar os arguidos Valter Filipe Duarte da Silva e António Samalia Bule Manuel na prática de, o primeiro, um crime de Associação criminosa, um crime de peculato e um crime de branqueamento de capitais e, o segundo, um crime associação criminosa e um crime de peculato, mas, estranhamente, durante a leitura do acórdão, no 14.08, o juiz não teve em conta que, na fase de recurso do Despacho de Pronúncia ficou afastado o Crime de Associação Criminosa, para os 4 arguidos e durante o julgamento (descartada na decisão de primeira instância) o crime de Branqueamento de Capitais, ficando apenas o crime de peculato.
Assim, uma pergunta, como jornalista comprometido com o Direito se impõe: como explicar e compreender a condenação pelo crime de Burla por Defraudação aos dois arguidos do BNA (ex-governador e administrador), se nunca foram acusado por este crimes?
Durante a leitura não se vislumbrou quaisquer argumentos de facto e de direito que sustente a convolação e muito menos os juízes fazem referência a esta figura jurídica, muito menos ao preceito legal que a consagra para justificar tal alteração, como se a falta de massa cinzenta, de quem deve garantir a liberdade de um cidadão, casmurramente, o mande ou mantém atrás das grades, seja premiada.
Ademais, o artigo 351.º do CPP (Código do Processo Penal) é claro: ao existir discordância entre o juiz e o Ministério Público quanto aos factos, que devem constar da acusação e a sua qualificação de que resulte uma alteração substancial da acusação, o juiz, em despacho fundamentado, declara e ordena que o processo volte com vista ao Ministério Público para deduzir acusação.
No caso concreto, sem necessidade de defesa dos arguidos, o compromisso com o direito impele, qualquer jurista ao reconhecimento de se estar perante uma alteração substancial da acusação devido a introdução de um novo crime, sem que os juízes respeitassem a norma atrás citada, o que leva a anular parcialmente a decisão em sede de recurso, por violação da lei e do princípio do acusatório que, hoje, tem dignidade constitucional no n.º 2 do art.º 174.º CRA (Constituição da República de Angola), com uma das consequências ser a da acusação fixar e delimitar o objecto do processo, não podendo o juiz e tribunal condenar os arguidos por crimes que não constam da acusação.
A decisão negou aos arguidos o direito de ver as suas armas de defesa equiparadas às da acusação, com a agravante do juiz ter banalizado a Constituição, parecendo ter rancor contra um homem, que não podendo ser directamente responsabilizado está a sê-lo através dos filhos e terceiros próximos como se pudesse haver uma “transfusão jurídica” de responsabilidade.
Neste combate contra a corrupção, mais uma vez, este julgamento veio provar estar a justiça sob a bota presidencial, detentora de uma coragem descomunal contra os fracos, como agora, José Eduardo dos Santos, sem nenhum poder (nem mesmo de intervenção nos órgãos do MPLA, onde é mera figura decorativo como presidente emérito), humilhado, como marimbondo, filhos e Cª, não é coragem, mas pura covardia.
A justeza deveria, também, levar a ser arrolada no processo a empresa financiadora e receptora do dinheiro, quer directamente, como através de carta-rogatória, para se aferir, na barra dos tribunais, se houve tentativa de apropriação de dinheiro, pelos funcionários ou agentes públicos, acusados pelo crime de peculato, sem uma clarificação sobre qual das três modalidades foi recorrida:
“PECULATO-APROPRIAÇÃO, ocorre quando o funcionário público se apropria do dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular de que tem a posse em razão do cargo;
PECULATO-DESVIO, o funcionário público aplica ao objecto material destino diverso que lhe foi determinado, em benefício próprio ou de outrem;
PECULATO-FURTO, o funcionário público não tem a posse do objecto material e o subtrai, ou concorre para que outro o subtraia, em proveito próprio ou alheio, por causa da facilidade proporcionada em razão do cargo”.
A pena para o crime de peculato segundo o art.º 313.º CP (Código Penal), varia entre dois a 12 anos de prisão, e multa.
Finalmente outra relevância, na visão da higiene intelectual e jurídica de qualquer jurista imparcial, reside na não valoração da carta do antigo Presidente da República, situação que só se verifica hoje porque José Eduardo dos Santos já não manda mais em Angola, porquanto os actuais “rambos justiceiros”, os novos paladinos da magistratura judicial e do Ministério Público, são as mesmas pessoas, que ontem bajulavam até dizer chega, Dos Santos, que os nomeava, com ou sem competência, mas hoje, tratam-lhe como o maior bandido, corrupto sem igual e nepotista, face ao mote dado pelo Presidente João Lourenço, de marimbondo.
Se o Procurador-Geral da República e a maioria dos juízes fosse coerente, tivesse higiene intelectual e coerência jurídica, deveriam demitir-se, ao terem solicitado clarificação à José Eduardo dos Santos, quando sabem, ser hoje, a mesma prática do regime, logo questionar a letra e assinatura de Dos Santos é de uma vergonha descomunal dos magistrados.
Eu, que combati as práticas de Dos Santos quando ele tinha todo poder, teria, quem sabe, mais legitimidade para fazer estas barbaridades, mas como não sou caracol, a higiene jurídica, impulsiona a coluna vertebral a não andar em sentido contrário ao da justiça e imparcialidade.
Ninguém se esqueça, ter aposto a minha assinatura, contra a nomeação de Zenu dos Santos, para o Fundo Soberano e de Isabel dos Santos, para a SONANGOL, quando muitos destes magistrados se posicionaram como assassinos do Direito, ao validarem estas nomeações e, no caso de Isabel dos Santos existe acórdão do Tribunal Constitucional, alegando a sua estratosférica competência e ofendendo os advogados e juristas, que interpuseram um processo contra o que consideravam nepotismo.
Definitivamente, com muitos destes senhores, nunca teremos em Angola, um verdadeiro Estado de direito e ademais, não têm pergaminhos para me apontar o dedo, uma vez o meu único compromisso é ser escravo da ciência do direito e desertor permanente do exército da bajulação.