A UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite que exista em Angola, considera que a situação das populações “está a deteriorar-se a passos rápidos”, devido às medidas de combate à Covid-19, apelando ao Governo para um equilíbrio na sua aplicação. Isto, é claro, partindo do princípio (ainda não confirmado) de que são angolanos que constituem as… populações.
A situação foi descrita pelo vice-presidente do grupo parlamentar da UNITA, Maurílio Luiele, no balanço preliminar das jornadas municipais, na província de Luanda e em outras 12 regiões do país, nas quais o partido tem deputados.
As jornadas têm como objectivo fornecer elementos que vão sustentar as posições da UNITA nos debates das diferentes matérias, a serem discutidas na próxima sessão legislativa, informou o deputado.
Maurílio Luiele disse que no final será elaborado um memorando com as dificuldades constatadas para ser submetido à governadora da província de Luanda, Joana Lina, que divulgará na altura que vai analisar aturadamente o documento. E, assim, os deputados da UNITA poderão seguir a sua vida na santa paz do representante de Deus em Angola, João Lourenço.
Hoje, a visita foi realizada em oito municípios de Luanda, em Saurimo, capital da província da Lunda Sul, e Cuito, capital do Bié, estando as restantes previstas entre 31 de Agosto a 5 de Setembro.
Segundo Maurílio Luiele, o trabalho de hoje resumiu-se a visitas a mercados, contacto com condutores de mototáxis e populares. “E podemos dizer que a situação das populações, por aquilo que constatamos, é de uma gravidade tremenda”, definiu.
O deputado enumerou áreas do município de Belas, que visitou, salientando que “estão completamente abandonadas à sua sorte” e que “a exclusão social é um facto”. Fica, contudo, uma dúvida. Será que nos últimos 45… anos, alguma vez o Povo deixou de estar “abandonado à sua sorte”? Será que a “exclusão social” alguma vez deixou de ser um facto?
“As populações fizeram um esforço tremendo para construírem as suas casas, embora precárias, mas é um esforço que elas conseguiram, mas o Estado tarda em levar para lá serviços básicos – água, electricidade – as vias de acesso são muito precárias, aquelas populações estão excluídas do rendimento nacional, não contam”, frisou.
De acordo com o vice-presidente do grupo parlamentar da UNITA, as áreas visitadas são o retrato de outras zonas de Luanda, “que está mais próxima do poder”. E se mesmo estando no quintal do Poder é assim, o que dizer dos milhões de angolanos que sobrevivem nos mais recônditos pontos do país profundo?
A visita estendeu-se igualmente a algumas unidades hospitalares, nas quais foi constatado que a pandemia de Covid-19 retirou parte significativa dos meios que deveriam ser dirigidos para a assistência de outras doenças. Certo é, igualmente, que mesmo antes da Covid-19 esses mesmos meios já tinham zarpado para parte incerta. Mas isso é algo normal…
“No Hospital da Somague, no Cazenga, o abastecimento de medicamentos foi reduzido a 50%, isto é um exemplo do que podemos apontar. Os nossos colegas estiveram também no Hospital dos Mulenvos e encontraram uma situação nada abonatória”, disse.
E então? Bom. Mais uma vez a UNITA reage mas não age. Vai dizer (e é verdade) que visitou, viu e até fez um relatório. Quanto ao essencial, que é dar o peito às balas, isso não. Não vá o MPLA chatear-se e mandar os deputados da UNITA para prisão domiciliar na região de Lopitanga.
Relativamente à situação da mobilidade das populações, Maurílio Luiele explicou que para muitos locais da cidade a única alternativa de transporte são os mototáxis, já que “os meios convencionais de transporte se limitam ao asfalto”.
“Depois para penetrar nos bairros são praticamente os mototáxis que servem de alternativa e estes são constantemente perturbados nas suas actividades, encontramos queixas recorrentes de acções da polícia, que impede a actividade destes cidadãos, que têm neste meio a forma de sobrevivência”, referiu.
Para o deputado da UNITA, as medidas de prevenção da Covid-19 “se, por um lado, são absolutamente necessárias, por outro lado, têm efeitos nefastos à vida da população”. Quem diria? Provavelmente La Palice não seria mais eloquente e preciso.
“Temos que encontrar posições equilibradas e penso que essas soluções são possíveis, mas têm que resultar de um diálogo permanente com os destinatários destas medidas, com o debate, com a sociedade, porque há outros saberes para além daqueles que ditam as medidas, que devem ser tidos em conta para se tecerem as medidas adequadas para enfrentar a pandemia da Covid-19”, defendeu.
Noutro contexto, importa recordar que o MPLA valeu-se do facto de ser dono da Assembleia Nacional para, mais uma vez e sempre que for conveniente (para o partido), ordenar a aprovação da Lei sobre o Repatriamento de Recursos Financeiros Domiciliados no Exterior do País.
Na impossibilidade de usar – como o MPLA – a razão da força, a UNITA tentou jogar a cartada da força da razão, com o seu projecto de Lei do Regime Extraordinário de Regularização Patrimonial (RERP). Não resultou. A ser aprovado este projecto da UNITA poderia mexer no bolso, pelo menos no bolso, dos altos dignitários do regime e isso o MPLA nunca permitirá.
“A aprovação da proposta e do projecto em sede da generalidade ocorrida na 2ª reunião plenária extraordinária que teve lugar no dia 22/02/2018 admitiu ambos para discussão na especialidade e a reunião tacitamente recomendou a fusão de ambos e retirou o carácter de urgência requerido pela UNITA para possibilitar uma ampla consulta da sociedade sobre o assunto. Neste período assistiram-se a movimentos de franjas da sociedade apelando por uma Lei de Repatriamento que não favorecesse a impunidade e que fosse de facto uma ferramenta potente no combate à corrupção”, escreveu o deputado da UNITA, Maurílio Luiele, em artigo publicado no Jornal de Angola no dia 19 de Maio de 2018.
“A forma como a maioria parlamentar conduziu a discussão na especialidade da proposta e do projecto de lei denunciava já a falta de vontade política do MPLA em ver aprovada uma Lei que fosse efectivamente contra a impunidade e as razões não são difíceis de adivinhar”, afirmou Maurílio Luiele, acrescentando “que a maioria não permitiu uma discussão a favor da fusão da proposta e do projecto, apesar dos reiterados apelos neste sentido, vindos da oposição, as Comissões especializadas acabaram por remeter para a plenária ambas propostas que como é óbvio, por tratarem da mesma matéria não poderiam ser as duas aprovadas”.
Quais as fragilidades da Lei sobre o Repatriamento de Recursos Financeiros Domiciliados no Exterior, segundo Maurílio Luiele?
– A Lei limita o seu âmbito a activos financeiros o que significa que com a publicidade que se fez da Lei alguém que eventualmente tenha ilicitamente domiciliado dinheiro no exterior se tiver convertido este dinheiro em património imobiliário, por exemplo, não terá nada para repatriar. Daqui a três anos fará a operação inversa e não terá obrigação de repatriar coisa alguma.
– O Governo declarou durante a discussão na especialidade que não sabe quanto dinheiro prevê repatriar ao abrigo desta Lei nem sabe sequer quem são os sujeitos que devem fazê-lo, ou seja, O Governo está na verdade a dar um tiro no escuro a ver se caça alguma coisa. Nada mais falso e irresponsável. A ser verdade, todo o exercício no sentido da aprovação da Lei terá sido fútil e absolutamente desnecessário.
– Os sujeitos candidatos a repatriar capital não são obrigados a fazer qualquer declaração estando toda a operação de repatriamento submetida à regra do sigilo bancário. Os valores repatriados ainda que obtidos e domiciliados no exterior de forma ilícita pertencem integralmente a pessoa que cometeu tais ilícitos, abrindo o Estado mão de qualquer ressarcimento. Isto, de qualquer ângulo que se analise é indiscutivelmente uma acção de branqueamento de capitais.
– A Lei promete, enfim o repatriamento coercivo se ao cabo de 180 dias as pessoas sem nome e sem rosto não procederem ao repatriamento dos seus activos financeiros domiciliados no exterior. Nada mais falacioso!”
Por outras palavras, “esta Lei é uma verdadeira oração à impunidade e, portanto, frontalmente contrária ao combate à corrupção. Não há de resto, combate à corrupção que resista à impunidade”.