Paguemos a ceita para a seita ficar feliz

A economia de Angola registou um crescimento negativo de 8,8% no segundo trimestre deste ano face ao período homólogo, anunciou hoje o Instituto Nacional de Estatística, atribuindo esta “desaceleração acentuada” à pandemia de Covid-19. Em bom rigor a crise deve-se a uma pandemia que, contudo, tem outro nome. Chama-se MPLA-45.

“A desaceleração acentuada da actividade económica reflectiu o impacto da pandemia da Covid-19, que se fez sentir no referido trimestre”, lê-se no comunicado sobre as contas de Abril a Junho, que salienta que “a variação negativa é atribuída, fundamentalmente, às actividades de Pesca (-27,8%), Petróleo (-8,2%), Extracção de Diamantes (-15,6%), Construção (-41,0%), Comércio (-0,1%), Transporte (-78,9%), Governo (-7,1%), Imobiliária (-17,6%), Impostos (-53,6%), Outros serviços (-2,1%), Indústria Transformadora (-4,0%) e Subsídios (-71,7%)”.

A divulgação das estatísticas relativamente ao segundo trimestre, feita durante uma conferência de imprensa esta manhã, surge depois da demissão do presidente do INE, Camilo Ceita, provocada por ele ter apresentado uma versão preliminar do documento, no qual a queda do Produto Interno Bruto no segundo trimestre era de 12,7%, valor que desagradou a quem sabe da matéria, o Governo, tal como terá também acontecido em Janeiro relativamente aos números da inflação.

Num email de despedida aos trabalhadores, o agora ex-presidente do INE salientou que “a autonomia é um dos pilares dos INE e o INE de Angola, nossa casa grande de equilíbrio da Democracia, não deve nunca descorar dela”.

A Lusa questionou a Direcção do INE sobre esta alegada diferença entre o relatório inicial e o que foi publicado, durante a conferência de imprensa que decorreu com transmissão no Facebook, mas não houve resposta para esta pergunta.

No encontro com os jornalistas, a nova directora-geral lembrou que a queda do PIB no segundo trimestre face ao período homólogo resulta dos “problemas estruturais que estão na nossa economia, e que foram agravados pelo impacto da pandemia de Covid-19”. Acresce que quem percebe de estatísticas não é o Instituto Nacional de Estatística mas o dono da verdade, no caso o Titular do Poder Executivo.

Channey Rosa John alertou ainda que “a pandemia não vai terminar agora” e concluiu que “estão a ser tomadas medidas para ver o que se consegue fazer para termos uma economia saudável e restaurada”.

Durante a conferência de imprensa, a Direcção do INE foi também questionada sobre o impacto de uma queda de 8,8% no segundo trimestre, que se junta à variação negativa de 0,5% nos primeiros três meses deste ano, que por sua vez surge na sequência de quatro anos de crescimento anual negativo.

“O mundo em geral está a passar por um momento muito difícil, o Fundo Monetário Internacional (FMI) aponta para uma quebra acima de 4%, e Angola não é um país isolado, essas questões afectam significativamente o país, sendo que Angola não foi só afectada pela pandemia, já vinha experimentando recessões ao longo dos últimos quatro anos, que foram agravadas com a situação da pandemia”, disse a directora adjunta do departamento económico.

De seguida, acrescentou: “O INE faz inferência estatística, não define a política macroeconómica, apresenta a fotografia do ponto de vista da caracterização, para ajudar os decisores de política macroeconómica a tomarem decisões coerentes, consistentes e que certamente vão impactar a vida de todos nós; o que o INE deve fazer para ajudar a tomar essas decisões é entregar e colocar à disposição dados estatísticos fiáveis e credíveis que vão permitir a tomada de decisões de política macroeconómica”.

Em 2019, Angola registou o quarto ano consecutivo de recessão, depois de ter alcançado quebras desde 2016, e assim continua apesar dos malabarismo dialécticos do Governo. Será que a pandemia da Covid-19 tem, como quer a propaganda do MPLA, efeitos retroactivos?

De facto, a economia de Angola registou em 2019 o quarto ano seguido de contracção, registando uma recessão de 0,9% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com os dados preliminares do Instituto Nacional de Estatística (INE).

“O PIB do quarto trimestre de 2019, em termos homólogos, variou/recuou 0,8% em relação ao mesmo trimestre de 2018, e o PIB anual preliminar, resultante dos quatro trimestres de 2019, variou/recuou 0,9 em relação ao ano de 2018”, lê-se na nota então disponível no site do INE.

Nos dados então apresentados, o INE revia também em baixa o crescimento negativo de 2018, que passava a ser de -2% em vez dos -1,2% que estimava anteriormente, o que faz com que entre 2015 e 2019 o PIB de Angola tenha caído 5,5%.

“O desempenho das actividades económicas no quarto trimestre de 2019 em relação ao quatro trimestre de 2018, em termos de variação negativa, é atribuído fundamentalmente às actividades de Pesca (-24,9%), Petróleo (-6,6%), Extracção de Diamantes (-11,3%) e Telecomunicações (-1,1%)”, acrescentava-se na nota. Entre as actividades que mais pesaram na queda do PIB estiveram a produção petrolífera, o comércio e a construção.

“As actividades que mais contribuíram, em termos de participação, e constituíram factores importantes para o desempenho das actividades no PIB do quarto trimestre de 2019 foram a extracção e refinação do petróleo bruto e gás natural com 29,4%, seguida do Comércio com 12,8%, Construção com 14,1% e Administração Pública com 8,6%”, conclui o INE.

Outra fonte, a mesma realidade

No dia 17 de Abril, o gabinete de estudos do Standard Bank reviu em baixa as previsões de crescimento económico, antecipando uma recessão de 2,8% e uma nova contracção da economia de 0,8% no próximo ano.

Recorde-se que, para responder às sucessivas previsões de queda e baseado na excelsa capacidade dos seus peritos, João Lourenço tem apostado forte naquela estratégia infalível que dá pelo nome de… exonerações. Camilo Ceita que o diga.

“A previsão do Governo aponta para uma queda de 1,2% do PIB este ano, estendendo a recessão pelo quinto ano consecutivo, mas nós antevemos uma recessão mais profunda em desenvolvimento, e actualizámos a nossa previsão para mostrar uma queda do Produto Interno Bruto de 2,8% este ano e de 0,8% em 2021″, lê-se na análise mensal das economias africanas.

No documento, os analistas do banco sul-africano Standard Bank lembram que “o forte declínio nos preços do petróleo forçou o Governo a propor uma revisão para o Orçamento deste ano, assumindo uma queda no preço de 55 para 35 dólares com o PIB petrolífero a cair 0,17%, com uma produção de 1,36 milhões de barris diários”.

Para os analistas, o registo positivo de Angola na execução do programa de financiamento do FMI “é uma vantagem para o país”, mas não é de excluir que algumas das métricas sejam revistas “devido aos desafios actuais de endividamento, quer interno quer externo, que vai inevitavelmente subir”.

Já em Janeiro, o presidente executivo do Standard Bank Angola mostrava-se preocupado com o crescimento “manifestamente baixo” esperado da economia do país em 2020, na ordem do 1% do PIB estimado pela instituição. Foi mais uma razão para João Lourenço continuar a lançar cortinas de fumo no formato Dos Santos, agora coadjuvado pela Covid-19.

Angola terá, em 2020, “um crescimento do PIB relativamente pequeno. Nós estimamos ligeiramente acima de 1%, que é manifestamente baixo para uma economia emergente como a angolana, que deveria estar a crescer pelo menos acima do nível da população”, afirmou o português Luís Teles.

A população angolana “cresce entre 3 a 3,5% por ano, o que representa praticamente um milhão de pessoas, ou ligeiramente menos, a entrar para o mercado de trabalho” e é preciso criar postos de emprego, adiantou o gestor que – acrescentamos nós – se esqueceu que o crescimento “será” muitíssimo maior devido ao arresto anárquico de bens de alguns emblemáticos marimbondos.

Para Luís Teles, a situação económica de Angola tem tido “uma evolução difícil, algo turbulenta”. Porque “está em recessão há vários anos seguidos e não consegue arrancar o crescimento económico, sobretudo pela via da dependência que tem do petróleo”, referiu.

É claro, refira-se, a dependência do petróleo é mais ou menos recente. Só tem 45 anos, tantos quantos o MPLA leva de governação. E, como todos sabemos, a diversificação e o crescimento económico vai ainda demorar uns… 55 anos.

“Temos visto o preço do petróleo baixo. E Angola sofreu também uma retracção do investimento no sector petrolífero, desde 2015, por efeito da queda do petróleo, o que fez com que, agora, o nível de produção seja mais baixo”, sublinhou o gestor do Standard Bank Angola.

Este “duplo efeito fez exponenciar a dependência do petróleo, na medida em que não tem havido investimentos nos últimos anos suficientes para diversificar a economia”, adiantou.

Desta forma, Luís Teles considerava que todas as medidas que estavam a ser tomadas pelo Governo angolano, embora sendo “meritórias” deverão “levar alguns anos a surtir efeito”. No seio do núcleo duro do MPLA de João Lourenço corre a tese de que, de facto, a meta só será alcançada quando o partido chegar aos 100 anos de governo. E já só faltam 55.

Para o CEO (presidente da comissão executiva) do Standard Bank Angola, “é difícil esperar que a diversificação de uma economia de 100 biliões de dólares [90 mil milhões de euros] se faça em dois anos”.

“É uma coisa que não vai acontecer, porque exige, não só confiança dos investidores do sector privado, exige conhecimento técnico, exige disponibilidade financeira, não só dos accionistas, mas também dos bancos, liquidez para que possam apoiar esses projectos, que têm que ser implementados”, apontou.

E continuou: “É necessário recrutar pessoas, pôr fábricas a funcionar, e tudo isso vai levar cinco a dez anos até começarmos a ver alguns resultados”. Assim, na opinião do gestor, “Angola ainda tem pela frente alguns anos muito difíceis”.

Mas, é claro, toda essa nova era só começará a acontecer quando João Lourenço conseguir acertar todas as contas com a família e amigos (aos quais também pertenceu) do seu ex-patrão e patrono, José Eduardo dos Santos. Isto porque, tanto quanto é a versão oficial do MPLA, os investidores estrangeiros fazem fila para rumar a Angola mas põem como condição “sine qua non” que o Presidente confisque tudo o que seja da família Dos Santos, sendo que alguns acrescentam que também seria bom para fazer o milho crescer que os elementos do clã do anterior presidente fossem presos, no mínimo.

O Standard Bank Angola defende que “é necessário gerar emprego” e que haja mais investimento, tanto privado como público. Pois é. Não fossem os marimbondos e João Lourenço já teria criado muito mais do que os 500 mil empregos prometidos para esta legislatura.

“Sabemos que o Estado está numa fase de elevado endividamento público e com um conjunto de restrições, devido ao programa do FMI, que não permite o Estado continuar a endividar-se”, disse Luís Teles.

Quanto à possibilidade de mais empresas poderem deixar o mercado angolano, tendo em conta as dificuldades, o gestor admitiu que muitas já “reduziram as suas estruturas, para fazer face à situação actual do mercado”.

Para o gestor, o que é necessário haver agora é “um sinal positivo para as empresas, para que possam recomeçar o crescimento. Penso que esse sinal tem sido dado da parte do governo, mas ainda não se sente no mercado que tenha havido uma inversão da curva.”

Por isso “continuamos a aguardar pelo início do crescimento económico”, sublinhou, alertando que “é muito importante que haja uma descida das taxas de juro, (…) que haja um controle de preços”.

No contexto actual da economia angolana, o gestor português do Standard Bank Angola defendeu que as empresas portuguesas “têm uma responsabilidade acrescida”, porque conhecem melhor o país do que a maior parte das suas congéneres de outras origens.

“Portanto, o movimento de entrar e sair de Angola, como às vezes as pessoas falam, é a pior coisa que pode acontecer, porque não gera confiança no mercado. É necessário manter a presença sempre, e, depois, vai-se ajustando a estrutura à dimensão do mercado”, sugeriu.

Já para empresas que, neste momento, querem investir, o gestor recordou que Luanda “está a fazer um esforço enorme de atrair novo investimento”. Assim, “é preciso tomar decisões corajosas, por vezes, e entrar antes do mercado mudar”.

“Não pode ser depois do crescimento económico acontecer que as empresas vêm”, defendeu.

Luís Teles lembrou que têm sido anunciados investimentos públicos “relevantes” nos sectores mineiro, da energia e outros que “poderão dar a entender que há oportunidades em Angola para as empresas poderem trabalhar”.

Em paralelo, no sector privado também há “boas oportunidades em Angola”, concluiu.

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