Para fazer parecer, nada mais do que isso, que Angola é um Democracia e um Estado de Direito, o MPLA copiou algumas coisas de outros países, entre elas a Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA). Foi, como acontece com outras “coisas” similares, uma cópia foleira.
Por Orlando Castro
Já em Junho de 2018 a ERCA assinalou «com preocupação, a publicação, pelo jornal “Folha 8”, em edições “on line”, de fotomontagens que atentam contra os direitos de personalidade de dignitários do Estado angolano, como o Chefe de Estado, os antigos presidentes da República e outras entidades públicas, expondo-os a situações lesivas à moral e aos bons costumes».
A ERCA referiu que “estas práticas não se compaginam com o princípio segundo o qual os conteúdos difundidos pelos Meios de Comunicação Social devem pautar-se por critérios rigorosos que correspondam à ética e à deontologia profissionais”.
Vejamos se nos entendemos. Não é fácil mas é possível. Assim, não a ERCA mas alguns dos seus elementos, entendam que estamos no tempo de partido único mas não de único partido. E nada como começar por citar Paul Ricoeur: “Aquilo que se pensa ser bom é a ética. Aquilo que se impõe como obrigatório é a moral”.
O Folha 8 existe porque é preciso dar, continuar a dar, voz a quem a não tem. E em Angola são muitos milhões. A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Nós preocupamo-nos com os 20 milhões de angolanos pobres e injustiçados.
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Nós preocupamo-nos com o facto de Angola ser um dos países mais corruptos do mundo.
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Nós preocupamo-nos com o facto de Angola ser um dos países com mais mortalidade infantil.
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Nós preocupamo-nos com o facto de milhões de angolanos serem gerados com fome, nascerem com fome e morrerem pouco depois com… fome.
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Nós preocupamo-nos com um país que, além de ter o mesmo partido a governar desde que se tornou independente, continua a privilegiar os poucos que têm milhões, esquecendo os muitos milhões que têm pouco… ou nada.
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Nós preocupamo-nos com um regime que, por ter maioria parlamentar, aprova leis sem respaldo das demais forças legislativas e da maioria da classe jornalística, banaliza a sua função e viola a própria Constituição, ao chamar a si, competências das associações profissionais dos jornalistas, como atesta o art.º 49.º (Liberdade de associação profissional e empresarial).
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Nós preocupamo-nos com o facto de o Parlamento (do MPLA) impor leis da comunicação social contra a vontade dos jornalistas, assumindo o ónus de um comprometimento ignóbil, de assassínio das liberdades, de imprensa, de informação e de expressão.
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Nós preocupamo-nos com o facto de a ERCA (cópia da ERC portuguesa) esquecer o Artigo 44º da Constituição onde (deixem-nos ser ingénuos) “É garantida a liberdade de imprensa, não podendo esta ser sujeita a qualquer censura prévia, nomeadamente de natureza política, ideológica ou artística”, onde “o Estado assegura o pluralismo de expressão e garante a diferença de propriedade e a diversidade editorial dos meios de comunicação; assegura a existência e o funcionamento independente e qualitativamente competitivo de um serviço público de rádio e de televisão”.
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Nós preocupamo-nos que a ERCA não compreenda que quando a liberdade está em jogo, toda a liberdade; de expressão, de Imprensa, de igualdade, entre outras, os jornalistas que ainda não têm a cabeça na guilhotina e pensam pela própria cabeça devem resistir à tentação da cobardia do silêncio.
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Nós preocupamo-nos em, pondo o poder das ideias acima das ideias de poder, ter forças para lutar pela liberdade de imprensa, enquanto direito fundamental. Essa luta é, aliás, a melhor forma de continuarmos a ser jornalistas.
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Nós preocupamo-nos com o facto de responsáveis do país afirmarem que o Governo quer um jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional o que, aliás, é uma tese adaptada do tempo de partido único.
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Nós preocupamo-nos com a tentativa de os responsáveis políticos do país, a começar pelo próprio Titular do Poder Executivo nos vir dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional”.
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Mas afinal, para além dos leitores, ouvintes e telespectadores, bem como dos eventuais órgãos da classe, quem é que define o que é “jornalismo sério”, quem é que avalia o “patriotismo” dos jornalistas, ou a sua ética e deontologia? Ou, com outros protagonistas e roupagens diferentes, estamos a voltar (se é que já de lá saímos) ao tempo em que patriotismo, ética e deontologia eram sinónimos exclusivos de MPLA?
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Nós preocupamo-nos com afirmações como as feitas por um responsável do então Ministério da Comunicação Social e que dizia que o Governo ia prestar uma atenção especial na formação e qualificação dos jornalistas, para que estes estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo.
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Nós preocupamo-nos com o facto de esta mesma ERCA nada dizer quando um membro do Governo queria qualificar os jornalistas para que eles, atente-se, “estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo”. Ou seja, serem formatados para serem não jornalistas mas meros propagandistas ao serviço do Governo, não defraudando as encomendas e as “ordens superiores” que devem veicular.
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Nós, correndo o risco de nos acontecer o mesmo que a Jan Kuciak, um repórter eslovaco de 27 anos conhecido pelo seu trabalho sobre corrupção e fraude fiscal e que foi, conjuntamente com a namorada, assassinado a tiro, vamos continuar a (tentar) dar voz a quem a não tem.
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Nós preocupamo-nos com as pessoas a quem devemos prestar contas: os leitores. Se calhar não seremos tão “patrióticos” como o Governo deseja, como alguns membros da ERCA querem que sejamos. Para nós, se o Jornalista não procura saber o que se passa é um imbecil. Se sabe o que se passa e se cala é um criminoso. Daí a nossa oposição total aos imbecis e criminosos.
A ERCA preocupa-se com as fotomontagens. Sejamos optimistas. Alguns membros da ERCA sabem que a caricatura, o cartoon, a fotomontagem são meios comummente usados no jornalismo como forma de opinião, crítica e informação, nada tendo a ver com uma deliberada intenção de expor os visados a “situações lesivas à moral e aos bons costumes”, e muito menos atentar “contra os direitos de personalidade de dignitários do Estado angolano, como o Chefe de Estado, os antigos presidentes da República e outras entidades públicas”.
ERCA é a ERC Angola assim como BESA era BES Angola?
Não se passa só com Angola.
A maioria dos países Áfricanos fazem o copy past de suas leis.
Isso não é novidade.