As medidas de higienização são prioritárias no combate à Covid-19, mas em Angola (país que desde há 45 anos é governado ininterruptamente pelo mesmo partido, o MPLA) só três em cada 10 cidadãos têm água canalizada na residência, enquanto metade não tem acesso a ligação eléctrica da rede pública, segundo revelou o Afrobarómetro.
Realizado pela Afrobarómetro, uma rede de pesquisa pan-africana e não partidária que fornece dados quantitativos sobre a vivência e avaliação dos africanos da democracia, da governação e da qualidade de vida, o inquérito indicou que as dificuldades no acesso à água canalizada estão a preocupar muitos angolanos por causa da pandemia de Covid-19. Sim. Não fosse a pandemia e poderiam, como sempre, viver sem água potável, à luz de um candeeiro (apagado) e aprendendo a sobreviver sem… comer.
Segundo o estudo, apenas três em cada 10 angolanos têm água canalizada no interior das suas residências ou no quintal, enquanto quatro em cada 10 precisam de sair das suas residências para terem acesso a uma casa de banho ou latrina. Nada mau. O MPLA ainda não teve tempo para dar aos autóctones esses luxos, pelo que o balanço só deve ser feito daqui a 55 anos, quando comemorar 100 anos de Poder.
O primeiro inquérito do Afrobarómetro em Angola observa ainda que cerca de metade dos angolanos não tem acesso à ligação eléctrica da rede pública. Também não se percebe a necessidade de ter esse luxo quando, de forma mais barata, podem recorrer a lenha…
As principais conclusões do estudo também indicam que 13% dos angolanos obtém água para o consumo doméstico do chafariz ou poço com tubo ou manivela.
“Os residentes das zonas urbanas têm quatro vezes mais chance de usufruírem de água canalizada no interior das suas residências ou quintais do que os residentes das zonas rurais”, lê-se no texto que acompanha as principais conclusões do inquérito.
Outra constatação é de que, em Luanda, menos de metade (44%) dos residentes dispõe de água canalizada no interior das suas residências ou quintais. A situação é mais crítica nas regiões do Leste (21%), do Norte (17%) e do Centro Norte (16%).
A investigação refere que 34% dos angolanos ficaram sem água potável suficiente para o uso doméstico “muitas vezes” ou “sempre” em 2018 e 35% “apenas uma ou duas vezes” ou “algumas vezes”. Apenas 29% dos angolanos usufruiu de um fornecimento de água canalizada de forma regular.
Por seu lado, seis em cada 10 angolanos (59%) disseram possuir casa de banho ou latrina no interior das suas residências ou no quintal, enquanto 20% tem acesso fora do quintal ou complexo habitacional e outros 20% não dispõem de nenhuma casa de banho ou latrina. A alternativa é o mato, o saco de plástico. Parafraseando Kundi Paihama (que dizia que se os porcos comem farelo e não morrem, também os angolanos podem comer), é caso para afirmar que se há centenas de anos os nossos antepassados não tinham casa de banho e sobreviveram…
O mesmo estudo apurou que cerca de quatro em cada 10 angolanos (44%) vive em residências sem ligação à rede pública de electricidade, sendo que “os residentes de Luanda têm mais do que o dobro de chances de dispor de ligação eléctrica da rede pública nas suas residências, comparativamente aos residentes das regiões Leste (37%), Sul (38%) e Centro (38%)”.
Para este inquérito, a equipa do Afrobarómetro, liderada pela Ovilongwa – Estudos de Opinião Pública, entrevistou 2.400 angolanos adultos, entre 27 de Novembro e 27 de Dezembro 2019.
Mas há mais para gáudio daqueles (o MPLA) que apenas trabalham para os poucos que têm milhões e não para os milhões que têm pouco ou… nada. Mais de um terço dos angolanos (Angola tem mais de 30 milhões de habitantes) ficaram privados de comida, água potável e assistência médica e medicamentosa, no ano passado, segundo o Afrobarómetro.
Recapitulemos. Nada de novo. Há 45 anos que os autóctones se habituaram a viver sem comer, sem ter assistência médica. Como nem todos têm acesso aos caixotes de lixo dos donos do país (o MPLA), muitos morreram.
No estudo, os autores sublinham que os dados deixam “a descoberto vulnerabilidades socioeconómicas profundas, que têm tornado extremamente penoso o cumprimento das medidas restritivas do estado de emergência, no âmbito das medidas de combate à Covid-19”.
Será caso, então, para agradecer à Covid-19 que veio mostrar o que muitos (o Folha 8 diz isso há 25 anos) afirmam há décadas, sem que ninguém resolva a problema. Ou, melhor, resolvem a questão matando o mensageiro e varrendo a mensagem para debaixo dos luxuosos e importados tapete dos gabinetes do Presidente do MPLA, do Presidente da República e do Titular do Poder Executivo.
De acordo com os dados recolhidos, mais de um terço de uma população total de 30 milhões sofreu situações de extrema pobreza, nos 12 meses anteriores ao estudo, ficando “muitas vezes” ou “sempre” privados de bens essenciais, incluindo salários ou outras formas de rendimentos.
Em bom rigor, salvo alguns curtos períodos, o estado de emergência (que afecta sobretudo os nossos 20 milhões de pobres) não dura desde o final de Março. Já cá anda desde 11 de Novembro de 1975.
“Mais de um terço (35%) dos angolanos viveu em situação de “extrema pobreza” durante o ano anterior à pesquisa, o que significa que eles sofreram frequentemente com a escassez de alimentos, água potável, assistência médica e medicamentosa, combustível para cozinhar e de salário ou outros rendimentos”, aponta o estudo.
Reconheça-se, contudo, que para resolver esta catástrofe o Governo tem apostado em investimentos estratégicos que irão resolver a crise alimentar, a falta de estruturas de saúde, a falta de água etc.. Um bom exemplo é a construção de satélites!
Os dados apontam que aproximadamente a mesma proporção (34%) experimentou a “pobreza moderada” e apenas 7% relataram não ter vivido situações de escassez de bens essenciais, sendo as situações de “pobreza extrema” relatadas com maior frequência nas zonas rurais (46%, contra 30% nas áreas urbanas) e nas regiões leste (51%) e sul (41%).
No período em referência, indica o inquérito, mais de um terço dos angolanos (36%) ficou sem salários ou outros rendimentos “muitas vezes” ou “sempre” durante o ano anterior à pesquisa, além dos 32% que viveram esta situação “apenas uma ou duas vezes” ou “várias vezes”.
“Apenas um em cada quatro (26%) tiveram regularmente salários ou outros rendimentos”, refere o estudo, acrescentando que esta situação é mais comum nas áreas rurais (44%) do que nas cidades (38%) e é mais marcante na região centro (44%).
No que se refere à questão sobre alimentação, os dados apontam que dois terços (67%) dos angolanos ficaram sem comida suficiente pelo menos uma vez durante o ano de 2018, incluindo um em cada cinco (21%), que ficaram “muitas vezes” ou “sempre”, principalmente nas regiões leste (77%) e centro norte (70%).
Relativamente à assistência médica e medicamentosa, em 2018, cerca de oito (75%) em cada dez angolanos não beneficiaram dela, incluindo um terço (32%) que não tiveram atendimento médico “muitas vezes” ou “sempre”, destacando-se a região leste, com quase metade (45%) dos moradores sem esse direito a essa necessidade básica.
Por tudo o que se passa em Angola estamos, sinceramente, de acordo com as teses do antigo ministro da Defesa, figura de destaque na história do MPLA, empresário de sucesso em áreas que foram da banca ao imobiliário, hotelaria, jogos, diamantes etc., ex-governador do Huambo, de seu nome Kundi Paihama.
Se todos os angolanos que não são do MPLA levassem em conta as suas palavras antológicas evitavam ter de comer peixe podre, fuba podre, e ter direito a 50 angolares e a porrada se refilarem.
Num dos seus (foram tantos) célebres e antológicos discursos, Kundi Paihama disse: “Não percam tempo a escutar as mensagens de promessas de certos políticos”, acrescentando: “Trabalhem para serem ricos”.
Esta frase fez com que muitos passassem a venerar Kundi Paihama. A tal ponto foi essa veneração que até se advoga a tese de que as verdades “paihamistas” deveriam, no mínimo, fazer parte das enciclopédias políticas das universidades angolanas e, porque não?, de todo o mundo civilizado.
Se tal tivesse acontecido evitava-se que o mundo continue a pensar que em Angola há pobres. “Durmo bem, como bem e o que restar no meu prato dou aos meus cães e não aos pobres”, afirmou há uns tempos o então ministro da Defesa do MPLA. Não, não há engano. Reflectindo a filosofia basilar do MPLA, Kundi Paihama disse exactamente isso: o que sobra não vai para os pobres, vai para os coitados dos cães.
Ora aí está. E por que não vai para os pobres?, perguntam os milhões que todos os dias passam fome. Não vai porque não há pobres em Angola. Simples. E se não há pobres, mas há cães…
“Eu semanalmente mando um avião para as minhas fazendas buscar duas cabeças de gado; uma para mim e filhos e outra para os cães”, explicou Kundi Paihama.
É claro que, embora reconhecendo a legitimidade que os cães de Kundi Paihama (bem como de todos os outros donos do país) têm para reivindicar uma boa alimentação, pensamos que os angolanos que são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome, não devem transformar-se em cães só para ter um prato de comida.
Embora tenham regressado pela mão do MPLA ao tempo do peixe podre, fuba podre, 50 angolares e porrada se refilarem, devem continuar a lutar pelo direito a, pelo menos, comer como os cães de Kundi Paihama… ou de João Lourenço.
Folha 8 com Lusa