Não é justiça, é humilhação

Mais um (são tantos que já se perdeu a conta) acto de parcialidade, desrespeito pelas leis, partidocracia e algum, provavelmente muito, boçalismo raivoso, foi dado ao país (e ao mundo) pela Procuradoria-Geral da República, no dia 29 de Fevereiro, aquando da prisão de um oficial general na reforma, sob um argumento (sejamos benevolentes) falacioso e mentiroso. O Ministério Público MENTIU!

PRIMEIRA MENTIRA: Não havia sido constituído arguido Bento dos Santos Kangamba, até ao dia 28 de Fevereiro, altura em que o magistrado-instrutor, Belchior José dos Santos, envia uma nota de notificação, caricatamente ordenada pelo director nacional do DNIAP (Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal), comunicando ao visado e mandatários judiciais que este deveria apresentar-se na DNIAP, no “dia 5 de Março de 2020, pelas 9h00, a fim de tomar conhecimento da sua constituição em arguido e ser interrogado nesta qualidade”.

Por si só, para lá das calinadas genéticas, temos que antes mesmo de ser interrogado, sobre ele já pendia a presunção de culpa, pois já era arguido, quando manda o direito, no seu caminho de abstracção e imparcialidade, ser o agente ouvido e depois desta é que emerge outra configuração, como declarante, testemunha, arguido ou assistente.

SEGUNDA MENTIRA: No dia 29 de Fevereiro o próprio director nacional do DNIAP emite um Mandado de Detenção “e manda qualquer autoridade judiciária, judicial, policial e administrativa bem como ao público em geral, que ao ver este assinado e em cumprimento das disposições conjugadas dos artigos 8.º, n.º 2 e 109.º ambos da Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro – Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, que se proceda a DETENÇÃO do arguido abaixo designado, pela prática do crime de burla por defraudação, p e p, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 451.º números 1, 2 e 3 e 4219, n.º 5 ambos do Código Penal”.

Para além do sério (e pelos vistos insanável) conflito com a língua portuguesa, temos a designação mentirosa de um agente como arguido, quando essa qualidade, segundo o próprio director nacional, Vanderley Bento Mateus, só seria configurada no interrogatório do “dia 5 de Março de 2020” e em respeito ao parágrafo 3.º do art.º 250.º CPP (Código do Processo Penal): “O interrogatório do arguido só poderá ser feito numa fase da instrução preparatória posterior à indicada no corpo do artigo, quando se entenda, em despacho fundamentado, que a sua realização nesta fase é susceptível de prejudicar gravemente a instrução”.

Outrossim, a alusão aos artigos acima justificativos do mandado são uma demonstração grosseira de má interpretação do objecto das leis recorridas, pelo magistrado, por enfermarem de vício de forma por obscuridade da fundamentação.

Mais. Sem fundamentação balizada na notificação, o Ministério Público tomou “sentença adesão”, violando o art.º 158.º do Código de Processo Civil, num crime entre particulares, que obrigou, nesta intervenção forçada, o dever de fundamentar.

Mas o acolhimento parcial da acusação e a forma do interrogatório podem conduzir à nulidade, ao abrigo do art.º 268.º: “(…) É nula a acusação que não tenha sio precedida de interrogatório do arguido, nos casos em que este é obrigatório”.

Não sabe isso o magistrado, ou percorreu os carreiros do comité de especialidade dos procuradores do MPLA?

Se sim, é vergonhoso! Se não, é triste, por termos gente míope na alta estrutura da magistratura do Ministério Público descredibilizada por não conseguir traduzir, sequer o que é uma medida excessiva quando o arguido confessa os factos e sobre eles esteja em cumprimento (ainda que apresentando circunstância de atrasos) com os pagamentos monetários, tendo segundo, a outra parte já pago, mais de 80%, ou seja, 12 dos 15 milhões do total da dívida. Nestes casos a blindagem académica e jurídica do magistrado respeitaria a última linha do art.º 263.º CPP: “(…) o arguido seja colocado em liberdade, sem prejuízo da continuação da instrução”.

Era o higienicamente aceitável, mas o reino da magistratura está numa podridão indescritível, que prende, faz show-off na comunicação social, suja o bom nome das pessoas em cumprimento de orientações do poder executivo, não faz justiça, apenas humilha.

Também, ao deixar nas entrelinhas a tese de o agente estar em fuga do país, transportando valores exorbitantes, como depois correu na imprensa, quando nem se aproximou de um posto fronteiriço, como acusou e denunciou o director provincial do SIC do Cunene, ao confirmar ter efectuado a detenção por volta das 13h20, na cidade de Ondjiva, desmentindo categoricamente a PGR, uma vez a capital provincial distar de Santa Clara, posto fronteiriço, cerca de 40 Km, e nunca Bento Kangamba se ter aproximado de nenhum posto fronteiriço indiciando atravessá-lo.

Esta geografia (e respectivas distâncias) é legitimada pelo conhecimento científico do território, mas não é validada pelas autoridades que, recorde-se, alegam que uma fronteira localiza-se sempre onde o Governo entender…

A tese mentirosa do magistrado deveria ter consequências legais, por ter mentido ao país, aos cidadãos e à comunidade internacional com dados falsos, denotando clara e grosseira parcialidade, raiva e boçalidade, quando em causa está um litígio entre particulares e, por isso, o Ministério Público só poderia, em nome da competência jurídica e honestidade intelectual, intervir em fase judicial.

Quando um servidor judicial, na magistratura das suas funções viola o art.º 29.º da CRA (Constituição da República de Angola), nos seus números 4: “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”, e 5: “Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.

Ora, a precipitação e mentira dolosa viola princípios constitucionais, principalmente quando o cidadão não estava nem próximo de atravessar a fronteira e está a cumprir com o ressarcimento da divida contraída com antigos parceiros, restando apenas um remanescente. Atentar contra a responsabilidade civil de um cidadão, emitindo nota oficial, baseada em boatos é visar o bom nome de outrem, quando ainda não há uma decisão judicial e a PGR não pode, como tem sido hábito agir como assistente, sem curar de ouvir a outra parte, em casos de querela. Nestas situações assume responsabilidade por factos ilícitos, art.º 483.º CC (Código Civil):

“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Em adiantado, o PGR ofendeu, também, o crédito, que estava a ser integralmente, cumprido com atrasos justificados pelo devedor, que deveria merecer a protecção de dados pessoais em respeito pelo art.º 484.º CC: “Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados”.

Num país sério, quem deveria ter uma medida cautelar, no mínimo de Termo de Identidade e Residência, neste caso, seria o procurador Vanderlei Bento Mateus, por ter agido nos marcos do analfabetismo jurídico.

Ademais, na presunção de culpa, num caso como o que está em tela incumbe, segundo o art.º 799.º CC “ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.

2. A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil”.

Bento Kangamba esgrimiu em sua defesa a critica situação económica que o país atravessa, mas ainda assim disse em sede do Ministério Público, ter “já pago 12 milhões de dólares, restando apenas três milhões que estou a fazer esforço para liquidar este ano e a outra parte tem sido por mim, informado”, esclareceu.

Mas ainda que não fosse esse o quadro, só por manifesta má-fé e politização clara da PGR, fundamentalmente da DNIAP, que adora a pirotecnia dos holofotes mediáticos, se emitiria um mandado de detenção, uma vez, as próprias autoridades do Ministério Público, terem à cautela arrestado, no dia 1 de Novembro de 2019, bens imóveis e móveis, para uma eventual indemnização, num possível incumprimento, nomeadamente: prédios rústicos designados por lotes G13 e G14, com 674 metros quadrados na Chicala à Nova Marginal da Praia do Bispo; o prédio n.º 255, localizado na Ingombota; dois Mercedes Benz, um Nissan Patrol e um Jeep Hyundai Santa Fé.

Pese esse quadro, a sede em humilhar adversários está a cegar os dirigentes não só do MPLA, nesse ajuste de contas público, como a macular a imagem de uma instituição, que não inspira confiança, pelos métodos truculentos que afugentam investidores estrangeiros, que, seguramente, não investem num país, quando a escória toma de assalto o poder judicial e judiciário. Não podemos afirmar que seja o caso de Angola, mas que existem algumas semelhanças, lá isso é verdade.

Por isso, quando o general, na reserva, das Forças Armadas de Angola foi publicamente banalizado por “civilitos” do SIC e PGR, no acto de prisão, ao ser algemado (era desnecessário), devido o Mandado de Detenção apócrifo, que mandou bugiar o princípio da presunção da inocência, não ofenderam só Bento Kangamba mas vulgarizaram uma das instituições mais coesas, como as Forças Armadas.

Os demais generais no activo, reserva e reforma, sabem agora, que qualquer “pitbull” da PGR ou SIC os pode algemar, humilhar e caluniar, com ou sem culpa formada.

É a bandalheira total no Ministério Público, que parece convertido em órgão talhado em subverter a Constituição e a lei, face à politização e à cega submissão ao Titular do Poder Executivo, muitas vezes enganado, como, eventualmente, neste caso, em que é o pior na fotografia, não conseguindo convencer, até os mais cépticos de que o seu projecto de governação, assenta na selectiva e cega perseguição a José Eduardo dos Santos, filhos, familiares e próximos.

Falta agora esperar, para quando as ordens superiores ordenarão a elaboração de mais um guião cinematográfico onde os actores principais serão: Higino Carneiro, preso no WC, Manuel Rabelais, no quarto, Hélder Vieira Dias, na cozinha, Leopoldino do Nascimento, na sala de jantar, Pitra Neto, na Casa de Música, Isabel dos Santos, raptada do hospital, em Londres, Welwitsha dos Santos, algemada no ginásio, em Tottenham, para gáudio do projecto raivoso, cujo mérito tem sido o aumento desenfreado do desemprego, inflação, paralisação da economia e miséria extrema.

Legenda: Fotos da detenção do general Bento Kangamba

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