Dezenas de jovens que ao contrários das ordens superiores, em vigor há 45 anos, não têm o cérebro nos intestinos e coluna vertebral amovível, juntaram-se esta manhã em Luanda para apelar ao fim da violência policial do MPLA na sequência das várias mortes associadas à actuação da polícia (supostamente angolana) desde o início da pandemia de Covid-19.
Um grupo mobilizado pelo rapper Brigadeiro 10 Pacotes sob o lema “Todos pelos Direitos Humanos. Não Toca no Meu Irmão”, juntou-se cerca das 10:00 na Igreja da Sagrada Família pedindo a demissão do ministro do Interior, Eugénio Laborinho, e reformas na polícia, para que os cidadãos “em vez de terem medo, vejam a polícia como protector”.
Gritando palavras de ordem e distribuindo panfletos denunciando “actos bárbaros” contra o activista Jorge Kisseque, alvejado pela polícia, e o médico Sílvio Dala, morto no início de Setembro numa esquadra da polícia, o protesto, um dos quatro que acontecem hoje em Luanda, juntou mais forças policiais do que manifestantes, com elementos da polícia antimotim, cavalaria e brigada canina atentos aos jovens. Tal como acontecia na gestão de José Eduardo dos Santos.
Em declarações à Lusa, o Brigadeiro Dez Pacotes, cujo nome verdadeiro é Bruno Santos, apelou à demissão do ministro da tutela (o que já teria acontecido se Angola fosse o que não é – um Estado de Direito) e pediu escolas para formação da polícia, a fim de melhorar a cultura jurídica e pedagógica quando abordam os cidadãos.
“A polícia é um órgão que deve garantir a confiança do cidadão, hoje vivemos numa insegurança grave em que todos os cidadãos ao depararem com a polícia têm medo, em vez de encararem a polícia como um protector”, afirmou o activista, pedindo “reformas” para que “a polícia seja amiga do cidadão”.
“A polícia não pode ser instrumentalizada para a manutenção do poder do MPLA e reprimir o povo” e “semear o medo”, criticou o rapper, que anunciou no início do ano a intenção de lançar um novo partido político.
Brigadeiro 10 Pacotes sublinhou que Angola ratificou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e que se está perante “um atentado” a esse tratado. “Não vamos admitir um Estado que mata os seus cidadãos, que viola sistematicamente os Direitos Humanos, um Estado que ameaça, um Estado que aterroriza ao invés de proteger”, desafiou.
“As vidas angolanas importam”, lia-se num cartaz empunhado por um manifestante num outro protesto (“Não à brutalidade policial”) que começou pelas 12:00 junto do Clube 1º de Agosto, numa alusão ao movimento activista internacional que teve origem na comunidade negra dos EUA.
Cerca de 50 jovens, muitos vestidos de negro, concentraram-se neste local, exibindo cartazes caseiros onde pediam “Parem de nos matar” e “Basta de mortes! São pagos para proteger não são pagos para matar”, enquanto outro exigia “Laborinho [ministro do Interior] fora”.
Em Luanda decorreram hoje quatro manifestações: uma de carácter político, de apoiantes do PRA-JA Servir Angola, projecto partidário de Abel Chivukuvuku, que estão contra a actuação da sucursal do MPLA que dá pelo pomposo nome de Tribunal Constitucional. As outras três contra a violência policial, incluindo uma convocada pelo Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (Sinmea) depois da morte do pediatra Sílvio Dala.
No dia 1 de Setembro, o médico foi conduzido a uma esquadra policial por não usar máscara facial no carro e morreu em circunstâncias esclarecidas pela polícia mas nas quais ninguém acredita.
Recorde-se que o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, confirmou a instauração do inquérito e de um processo-crime que corre trâmites na Procurador-Geral da República para aferir o que terá ocorrido na esquadra.
Também a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, defendeu, em nota de condolências, que deve ser instaurado um processo-crime com vista a esclarecer as circunstâncias reais em que ocorreu a morte do médico, para responsabilização dos eventuais prevaricadores.
Por sua vez, Paulo de Almeida, garante que “não foi morto ninguém nas celas da polícia, não foi morto nenhum médico, foi uma morte patológica que aconteceu, infelizmente coincidiu estar sobre alçada da polícia, mas não foi a principal causa da morte,” disse o comandante à Rádio Nacional do MPLA.
Paulo de Almeida rejeitou também as acusações de abusos de poder por parte dos agentes da polícia envolvidos na aplicação das medidas de prevenção do coronavírus, actuação essa que já mereceu a condenação da Amnistia Internacional.
“É preciso ficar bem claro, não sei quando é que há excesso de zelo, quando o governo publica um diploma em que chama atenção como o cidadão deve andar na via pública está na lei, quando as autoridades competentes do governo anunciam que todo cidadão, quando estiver na via pública deve usar máscara e se não usar está sujeito a penalizações, portanto, actuamos,” disse. “O médico é um cidadão, não é diferente de qualquer outra pessoa”, acrescentou. Diferentes são apenas os dirigentes do MPLA e seus familiares directos.
Segundo o Ministério do Interior, Sílvio Dala foi interpelado por um efectivo da Polícia Nacional, por não uso de máscara na sua viatura, e levado à esquadra. A medida do efectivo da PN baseou-se no Decreto Presidencial sobre a Situação de Calamidade Pública (já revogado), que impunha o uso obrigatório de máscara na via pública e no interior das viaturas, mesmo as viaturas pessoais.
O porta-voz do Ministério do Interior, Waldemar José, afirmou há dias, que o médico teria sido encaminhado para uma esquadra policial mais próxima, onde foram cumpridas todas as formalidades da elaboração do auto de notícia e a respectiva notificação de transgressão.
Pelo facto de a esquadra não possuir mecanismo para o pagamento da multa de cinco mil kwanzas, disse, o médico terá ligado para alguém próximo para efectuar o respectivo pagamento e levar o comprovativo à esquadra.
Foi nesse período de espera, de acordo com o oficial comissário do MPLA, que o cidadão teria começado a sentir-se mal tendo desmaiado embatendo com a cabeça no chão.
O mesmo, afirmou, foi prontamente posto numa viatura das forças de defesa e segurança que a levou para o Hospital do Prenda, no mesmo distrito, onde veio a falecer durante o trajecto.
Em comunicado de imprensa, o Ministério referiu que após dirigir-se à esquadra dos Catotes, no Rocha Pinto, foram explicados ao médico os moldes de pagamento da coima e não tendo um terminal de multibanco nos arredores, telefonou a um familiar próximo para proceder ao pagamento.
A nota adianta que “minutos depois, apresentou sinais de fadiga e começou a desfalecer, tendo tido uma queda aparatosa, o que provocou ferimentos ligeiros na região da cabeça”.
“Devido ao seu estado grave, foi levado para o Hospital do Prenda e no trajecto acabou por perecer”, sublinha-se no documento, acrescentando-se que o Serviço de Investigação Criminal interveio, levando a vítima para a morgue do Hospital Josina Machel. De acordo com as autoridades, a família do falecido terá confirmado que o médico padecia de hipertensão.
O Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (que comparado com a Polícia nada percebe da questão) contraria a versão da polícia, dizendo que depois da queda o médico foi mantido na cela e horas depois foi encontrado morto.
“Só assim é que entenderam levar na viatura da polícia o malogrado para o Hospital do Prenda, onde apenas foi confirmada a sua paragem cardiorrespiratória irreversível”, refere o sindicato.
Um grupo de colegas do Hospital Pediátrico David Bernardino, onde trabalhava o falecido, depois de tomar conhecimento da morte deslocou-se à referida morgue e ficou surpreendido porque a gaveta onde se encontrava o corpo estava cheia de sangue.
“O colega apresenta uma ferida incisiva, tipo corte na região occipital o que presumimos ter sido submetido a pancadaria e duros golpes que resultou naquela ferida e abundante sangramento”, realça o sindicato.
O malogrado médico deveria saber, e o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, fartou-se de avisar, que a polícia iria reagir de forma adequada ao comportamento dos cidadãos, mas não ia “distribuir chocolates e rebuçados” perante os actos de desobediência.
Ora, não andar com máscara como é (era) obrigatório pode causar, sobretudo dentro das esquadras, “quedas aparatosas” que podem “provocar ferimentos ligeiros na região da cabeça…” que, contudo, originam um “estado grave” e a morte.
Mas quando um cidadão não usa máscara tem de ser levado para a esquadra, o único lugar adequado para resolver tão candente problema, e aí há sempre a possibilidade de quedas, de ferimentos ligeiros que evoluem para grave e que terminam na morgue.
Está, portanto, esclarecido que o médico Sílvio Dala foi (como é timbre da Polícia) levado com toda a cortesia e urbanidade para uma esquadra, tendo ficado irritado com os agentes por estes se terem (e bem) recusado a – como mandou o chefe – dar-lhe chocolates e rebuçados e a servir-lhe um “whisky” (com duas pedras de gelo).
Pensando em denegrir a impoluta imagem da Polícia Nacional, o médico Sílvio Dala terá começado a agredir as grades da cela, atirando-se pelas escadas abaixo numa tentativa de suicídio que se concretizou mau grado o enorme esforço dos agentes para tentarem evitar o falecimento…
Desde o início da pandemia, mais de uma dezena de pessoas perderam a vida na sequência de intervenções policiais para obrigar ao cumprimento dos decretos presidenciais com as medidas que vigoraram no estado de emergência e agora na situação de calamidade pública, nomeadamente o uso de máscara facial.
Folha 8 com Lusa
É impressionante como o jornalismo democrático das televisões portuguesas não têm tempo para informar sobre estes assassinatos e sobre a justa revolta do povo angolano. Nos tempos que correm os “jornalistas” só têm autorização para falar do covid…
Assim vai o mundo…