MPLA inventa os problemas
e está a vender as soluções

O processo contra Isabel dos Santos pode ser “fait-divers” para esconder a miséria em que sobrevivem os angolanos? Há quem diga que pode. Nós dizemos que é. Pode ser para esconder o estrondoso falhanço da economia angolana? Há quem diga que pode. Nós dizemos que é. Pode ser para vender gato por lebre aos investidores estrangeiros? Há quem diga que pode. Nós dizemos que é.

“Ninguém ainda conseguiu dizer o valor dos bens que saiu do país ou que foi retirado ilegalmente ao Estado, nem o Banco Nacional de Angola, nem o próprio Governo”, afirma o economista e director do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Luanda, Manuel Alves da Rocha.

Manuel Alves da Rocha considera que o processo de arresto de bens da empresária Isabel dos Santos pode ser uma distracção, face à “situação de miséria” que Angola está a atravessar. Ele diz que pode. Nós dizemos que é.

“Não sei até que ponto é que este processo de arresto dos bens de Isabel dos Santos não teve a intenção de, de certa maneira, ser um ‘fait-divers’ relativamente à grande crise económica e social que Angola vive”, disse o director do Centro de Estudos e Investigação Científica, da Universidade Católica de Luanda.

Questionado sobre o que está em causa no arresto de bens da empresária, do marido e de um seu colaborador português, no valor de 1,1 mil milhões de dólares, Alves da Rocha disse: “Ninguém ainda conseguiu dizer o valor dos bens que saiu do país ou que foi retirado ilegalmente ao Estado, nem o Banco Nacional de Angola, nem o próprio Governo”.

Ao falar-se de 1.100 milhões de dólares (987 milhões de euros), “que foi o valor que foi atribuído sem se perceber como, evidentemente que isso é uma gota de água nas necessidades de financiamento da economia angolana e nas necessidades de investimento na diversificação”, defendeu o professor universitário.

“O arresto de bens na luta contra a corrupção é uma maneira relativamente enviesada, já me perguntei se haverá outras razões que levem o Presidente João Lourenço a focalizar-se na família, parental e política de José Eduardo dos Santos”, afirmou o economista.

Há, com certeza, outras, muitas outras razões. É que enquanto se fala do arresto e sucedâneos ninguém pergunta, ou recorda, que João Lourenço deveria prestar contas do seu património, deveria explicar em quanto milhões a Sonangol sempre financiou as campanhas eleitorais do MPLA, incluindo aquela em que o próprio João Lourenço foi “eleito”.

Instado a aprofundar a ideia, Alves da Rocha acrescentou: “Há razões políticas, ele pretende posicionar-se dentro do partido com força e já há análises feitas que dão conta de discrepância sobre o poder que João Lourenço tem no Governo e o poder que tem no MPLA, que são poderes desequilibrados, mas haverá seguramente outras razões, não estritamente políticas, mas pessoais, sobre situações que aconteceram entre os dois”.

Pelos vistos existem dois cidadãos com o mesmo nome: João Manuel Gonçalves Lourenço. Um sempre foi um homem do sistema, do regime: Secretário do Comité Provincial do MPLA e Governador Provincial do Moxico; 1º Secretário do Comité Provincial do MPLA e Governador Provincial de Benguela; Deputado na Assembleia do Povo; Chefe da Direcção Política Nacional das FAPLA; Secretário da Informação do MPLA; Presidente do Grupo Parlamentar do MPLA; Secretário-geral do MPLA; Presidente da Comissão Constitucional; Membro da Comissão Permanente; Presidente da Bancada Parlamentar; Vice-presidente da Assembleia Nacional; Vice-presidente do MPLA; Ministro da Defesa.

O outro é o actual Presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo e Presidente da República, que chegou a Angola há pouco mais de dois anos com a nobre, emblemática e divina missão de nos levar para o paraíso…

Comentando a actual situação política em Angola, Alves da Rocha defendeu que “o Presidente João Lourenço, de alguma maneira, tem vindo a perder algum apoio popular porque representou a mudança, uma nova organização da economia e da sociedade, só que os resultados não estão a aparecer”.

“As vozes de alguns ministros que dizem que as coisas não acontecem da noite para o dia, e que as reformas precisam de tempo, é verdade, mas será que as reformas vão no sentido correcto?”, questionou o académico.

Para Alves da Rocha, “o acordo com o Fundo Monetário Internacional não é o acordo de que Angola necessita para resolver os problemas económicos, promover a diversificação, atrair investimento estrangeiro e simultaneamente aliviar as tremendas carências sociais na saúde, na educação, nos rendimentos, no emprego, que a população tem”.

Angola, lembrou, está em recessão desde 2015, “e isso tem reflexos profundos sobre a situação social do país e não vemos, para os próximos tempos, a possibilidade de se alterar este percurso decrescente da economia nacional, não só pela evolução do petróleo, mas sobretudo pela falta de reformas que Angola devia ter encetado com dinamismo e persistência” ainda durante a governação de José Eduardo dos Santos.

O anterior Presidente, acusou, “promoveu o facilitismo, promoveu a acumulação de riqueza e agora estamos aflitos sobre a maneira de reverter isto, e não é com o FMI que Angola reencontra o caminho de crescimento económico sustentável”.

Além de Isabel do Santos, que foi alvo de um arresto provisório, também José Filomeno ‘Zenu’ dos Santos está a braços com a justiça, respondendo em tribunal por uma alegada transferência irregular de 500 milhões de dólares enquanto era presidente do Fundo Soberano de Angola.

Isabel dos Santos tem-se de queixado nas últimas semanas de estar a ser alvo de perseguição, uma queixa partilhada com outra das filhas do antigo presidente, ‘Tchizé’ dos Santos, que viu recentemente o MPLA suspender o seu mandato de deputada, uma decisão que foi entretanto impugnada junto do Tribunal Constitucional.

Acresce que os angolanos gostariam de conhecer a declaração de rendimentos do “primeiro” João Lourenço, bem como do seu património, incluindo rendimentos brutos, descrição dos elementos do seu activo patrimonial, existentes no país ou no estrangeiro, designadamente do património imobiliário, de quotas, acções ou outras partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, carteiras de títulos, contas bancárias a prazo, aplicações financeiras equivalentes.

Gostariam de conhecer a descrição do seu passivo, designadamente em relação ao Estado, a instituições de crédito e a quaisquer empresas, públicas ou privadas, no país ou no estrangeiro.

Gostariam de conhecer a declaração de cargos sociais que exerce ou tenha exercido no país ou no estrangeiro, em empresas, fundações ou associações de direito público.

Isto é o essencial do ponto de vista político, moral e ético. O acessório é tudo o resto. E até agora, tanto quanto é público, João Lourenço (o “primeiro”) só deu a conhecer o… resto. Esperamos, por isso, que o outro João Lourenço ordene que seja tornada pública a declaração de rendimentos do seu homónimo, evitando assim que os angolanos (nós incluídos) sejam tentados a confundir – neste caso – o Diabo com o… Diabo.

Folha 8 com Lusa

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