A Amnistia Internacional (AI) afirma que a liberdade de expressão em Angola continua a ser colocada em causa, apesar dos “sinais iniciais de progresso”, e que as disputas de terrenos por privados são uma ameaça à sobrevivência das populações. Afinal o que é que mudou, para além da propaganda e das constantes mudanças das moscas, com a governação de João Lourenço?
O relatório de 2019 sobre o estado dos direitos humanos em África, hoje divulgado pela Amnistia Internacional, refere, sobre Angola, que as forças policiais e de segurança continuaram a fazer “prisões e detenções arbitrárias”. Na verdade, em 2020, a situação alterou-se. Às “prisões e detenções arbitrárias”, o governo juntou a velha estratégia de matar primeiro e interrogar depois.
Acrescenta a AI que “muitos dos casos de prisão arbitrária, detenção, tortura e outros maus-tratos foram realizados contra manifestantes pacíficos”. Convenhamos que é tudo uma questão de interpretação. Para o regime do MPLA, manifestantes pacíficos são só os que enaltecem e bajulam João Lourenço, tal como antes faziam com José Eduardo dos Santos.
“A liberdade de expressão e a reunião pacífica continuaram ameaçadas, apesar dos sinais iniciais de progresso”, sustenta o relatório da Amnistia Internacional, numa referência à transição no poder em Angola, com a ascensão de João Lourenço a Presidente da República, sucedendo (sem ser nominalmente eleito) no final de 2017 a 38 anos de liderança de José Eduardo dos Santos, de quem foi ministro e vice-presidente no MPLA.
“O início da presidência de João Lourenço foi impulsionado por uma atitude palpável de esperança e optimismo sobre as perspectivas de protecção dos direitos humanos no país. Sob o seu governo, Angola viu alguns desenvolvimentos positivos, incluindo vários protestos pacíficos realizados sem repressão, a absolvição de dois jornalistas acusados de difamar uma figura pública e a reversão, no Supremo Tribunal, de sentenças injustificadas por um tribunal provincial. No entanto, os desafios permaneceram”, reconhece o relatório.
Recorde-se que o Folha 8 foi dos poucos que, mais uma vez, teve razão antes do tempo e denunciou desde o início que tudo não passava de uma miragem, de cortinas de fumo, afirmando mesmo que era impossível um jacaré ser vegetariano.
A Amnistia Internacional assume que “os direitos à liberdade de expressão e reunião pacífica continuavam ameaçados” em Angola em 2019. Pois é. E onde estão, hoje, os condecorados Luaty Beirão, Rafael Marques, Bonga e tantos outros que criticaram o nosso cepticismo e louvaram a jacaré vegetariano?
Angola, um dos 35 países do continente africano analisados pelo relatório daquela organização não-governamental, continuou em 2019 a apresentar problemas para as populações face às “disputas de terras devido à aquisição em larga escala para uso privado”: “Colocando em risco os meios de subsistência e o direito à alimentação nas comunidades rurais”.
O alerta do relatório vai ainda para “assassinatos extrajudiciais” que continuaram a acontecer em terrenos e minas de diamantes das províncias da Lunda Norte e Lunda Sul, leste de Angola. “Continuaram com impunidade”, afirma a Amnistia Internacional, denunciando o envolvimento de forças de segurança pública e privada nesses crimes.
É ainda reconhecido no relatório que “apesar das melhorias legislativas”, introduzidas com o novo Código Penal aprovado em 2019 – que despenaliza a homossexualidade -, “na prática as pessoas em relações consensuais entre pessoas do mesmo sexo continuam a enfrentar discriminação” em Angola.
Como exemplo, o relatório refere o “ataque”, ocorrido em 10 de Junho de 2018, contra um abrigo da associação de defesa da comunidade LGBT “No Cúbico”, em Luanda, então invadido por três homens munidos com facas e armas de fogo, quando cinco mulheres estavam a dormir e que se conseguiram barricar no interior.
“Depois de uma hora e meia, os homens decidiram fugir, temendo que a polícia estivesse a chegar. Em vez de investigar o caso para identificar os agressores, os polícias questionaram as mulheres e usaram termos depreciativos para descrever o abrigo, que apelidaram de ‘casa de prostituição’, porque acolher mulheres solteiras”, recorda o relatório da Amnistia Internacional.
Entre o preço e o Valor
João Lourenço condecorou no dia 7 de Novembro de 2019 mais de 70 personalidades e instituições que – segundo a sua análise – se destacaram nos ramos das artes, cultura, ciência, empreendedorismo, desporto e activismo social.
No seu discurso, João Lourenço destacou a figura do jornalista e activista Rafael Marques como “alguém que desde muito cedo teve a coragem de se bater contra a corrupção crescente que acabou por se enraizar na nossa sociedade”.
Rafael Marques, que se manifestou agradecido pala distinção presidencial, assegurou que iria continuar a dar o seu melhor na luta contra a corrupção: “Continuaremos com este estímulo presidencial a ser mais acutilantes e a fazer melhor o nosso trabalho”.
João Lourenço reconheceu, no entanto, que “este reconhecimento tem leituras e reacções díspares a julgar pelos estereótipos criados ao longo do tempo quando a corrupção era encarada como algo normal em função de quem a praticava”. Entretanto, disse sentir-se confortado ao “saber que encontrará da grande maioria da opinião pública nacional e internacional muita e melhor aceitação”.
Outra personalidade distinguida foi o jornalista e escritor Sousa Jamba, uma figura ligada à UNITA e que se manifestou “surpreso com a condecoração”. O músico Eduardo Paim também fez parte da distinção presidencial, feita para assinalar mais um aniversário da Independência de Angola.
Entre outros condecorados estavam a bióloga Adjany da Silva Freitas Costa, hoje Ministra da Cultura, Turismo e Ambiente, e que venceu o prémio da ONU Jovens Campeões da Terra, os vencedores das medalhas de ouro de vela em África, a campeã africana de xadrez, Luzia Pires, os empresários Víctor Alves e Carlos Cunha e as cantoras Clara Monteiro e Lourdes Van-Dúnem, esta última a título póstumo.
Esta foi a segunda vez que João Lourenço condecorava “distintas” personalidades, entre civis e militares, a título póstumo e em vida, num gesto descrito como sendo de reconhecimento pelo seu contributo na conquista e preservação da independência nacional e da paz e democracia.
Na cerimónia de condecoração, o Chefe de Estado sublinhou que na luta contra a corrupção a garantia da vitória reside na unidade de acção entre as diferentes forças vivas da Nação.
No acto, que decorreu no Palácio Presidencial, João Lourenço afirmou que nenhuma instituição é suficientemente forte para sozinha vencer essa batalha, “nem o Executivo, nem os órgãos de investigação criminal, nem o Ministério Público, nem os órgãos da Justiça, se não tiverem o concurso da sociedade civil”.
Sublinhou também que, depois de difíceis anos do conflito armado e de reconhecimento a políticos e militares (do MPLA) que se distinguiam nas frentes de batalha, se homenageia um grupo de cidadãos que constitui exemplo aos que enveredam para o empreendedorismo, contribuindo para o aumento da produção nacional de bens e de serviços, assim como de empregos.
“Bravos são aqueles que ao invés de se lamentarem internamente das dificuldades existentes fazem delas oportunidades para vencer na vida, arregaçam as mangas e vão à luta pelo pão para as suas famílias sem dependerem necessariamente de um patrão”, salientou.
Para o Chefe de Estado, Angola está a mudar para melhor em muitos domínios, como o do respeito pelos direitos e liberdades fundamentais do cidadão, combate ao nepotismo, à impunidade e à corrupção.
Enalteceu o papel de quem “desde muito cedo teve a coragem de se bater contra a corrupção crescente, que acabou por se enraizar na nossa sociedade porque a super-estrutura dava mau exemplo e, por isso, não tinha moral para combater o monstro que ela própria criou e do qual se alimentava”.
O Presidente João Lourenço admitiu a possibilidade deste reconhecimento vir a ter “leitura e reacções díspares, a julgar pelos estereótipos criados ao longo do tempo, quando a corrupção era encarada como algo normal” para quem a praticava e, acrescente-se, para quem lhe dava cobertura, como foi o caso do vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa, de seu nome João Lourenço.
Alguém disse que “nós somos filhos e agentes de uma civilização milenária que tem vindo a elevar e converter os povos à concepção superior da própria vida, a fazer homens pelo domínio do espírito sobre a matéria, pelos domínios da razão sobre os instintos”.
Com a chegada (por escolha pessoal de José Eduardo dos Santos) de João Lourenço ao Poder, é razoável pensar que são cada vez mais os instintos e cada vez menos as razões. De um lado e do outro residem argumentos válidos, tão válidos quanto se sabe (é da História) que para os senhores do poder (hoje terroristas, amanhã heróis – ou ao contrário) o importante é a sociedade que tem de ser destruída e não aquela que tem de ser criada.
Com João Lourenço hoje, tal como com José Eduardo dos Santos ontem, estão uma série de personalidades (ou personagens), nem todos de forma sincera. Muitos, com medo do cão raivoso, aceitaram (mesmo que contrariados) a ajuda do leão. Quando se aperceberem (alguns já se aperceberam), o leão derrotou o cão e prepara-se para os comer a eles. Aliás, os homens de João Lourenço são especialistas em criar leões onde mais lhes convém.
O mesmo se aplica em relação aos chamados de marimbondos. Mas, como os instintos ultrapassam a razão, ambos estão convencidos que são donos e senhores da verdade absoluta. O confronto foi, é e será, por isso, inevitável.
Por inabilidade de João Lourenço, os agora marimbondos poderão não ter, hoje, a mesma capacidade “bélica” de outrora. Estão a ser humilhados. São as leis da razão? Não. São as leis dos instintos. Instintos que vão muito além das leis da sobrevivência. Entram claramente na lei da selva em que o mais forte é, durante algum tempo mas nunca durante todo o tempo, o grande vencedor.
É claro que, transitoriamente, alguns admitiram aliar-se a João Lourenço. Inclusive aceitam a corda fornecida pelo actual detentor do Poder mas, na melhor oportunidade, vão enforcar os seus “amigos” de agora, vão cuspir no prato que os alimenta. Foi, aliás, isso mesmo que fez João Lourenço.
Então? Então é preciso ir em frente. Sem medo. Olho por olho, dente por dente. No fim, o último a sair – cego e desdentado – que feche a porta e apague a luz…
Folha 8 com Lusa