O presidente da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, criticou hoje a “justiça direccionada” e a guerra entre “marimbondos” no seio do partido do poder desde 1975, o MPLA, que “não está a ajudar” Angola. O mês passado já tinha dito que a responsabilidade dos problemas de Angola não pertence só ao ex-presidente José Eduardo dos Santos, devendo ser partilhada com outros dirigentes do MPLA como o actual presidente João Lourenço.
Adalberto da Costa Júnior, que discursava após uma marcha de militantes e simpatizantes da UNITA que culminou com a inauguração das instalações do secretariado provincial do partido em Luanda, salientou que “todos devem devolver os dinheiros desviados ao Estado”, sublinhando que “há nomes de quem já ninguém fala”, numa intervenção aplaudida com entusiasmo pelos seus partidários.
O dirigente mostrou-se também surpreendido pela época escolhida pela Procuradoria-Geral da República para fazer o arresto de bens da empresária Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.
“Não é estranho o período que escolheram para o arresto?”, coincidindo com o fim do ano e com as férias judiciais, questionou o líder da UNITA perante alguns milhares de apoiantes que encheram uma rua da zona da Ingombota, no centro de Luanda.
“Não queremos uma justiça direccionada, não é bom perseguir os cidadãos”, vincou, destacando que a lei tem de ser aplicada por igual a todos os cidadãos e apelando: “deixem de nos enganar”
Criticou ainda os poderes excessivos concentrados na figura de João Lourenço, o Presidente angolano e sucessor de José Eduardo dos Santos (que é também Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo), alertando para que um dia quando perder o poder lhe pode acontecer o mesmo que acontece com José Eduardo dos Santos, o que prejudica Angola.
“Esta guerra do MPLA é boa para o país? Esta guerra está a ajudar-nos? A guerra dos marimbondos contra outros marimbondos ajuda o nosso país?”, perguntou o líder da UNITA, recebendo “nãos” uníssonos em resposta da multidão.
Além de Isabel do Santos, que foi alvo de um arresto provisório também José Filomeno “Zenu” dos Santos está a braços com a justiça, respondendo em tribunal por uma alegada transferência irregular de 500 milhões de dólares.
Isabel dos Santos tem-se de queixado nas últimas semanas de estar a ser alvo de perseguição, uma queixa partilhada com outra das filhas do antigo presidente, Tchizé dos Santos, que viu recentemente o MPLA suspender o seu mandato de deputada, uma decisão que foi entretanto impugnada junto do Tribunal Constitucional.
O discurso de hoje marcou a abertura do ano político da UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite, em 2020.
“Os conflitos que existem hoje entre a liderança actual do país e a anterior têm consequências para nós todos, mas não penso que não há responsabilidades partilhadas”, declarou Adalberto da Costa Júnior em entrevista em Dezembro de 2019.
“A postura hoje é de que os problemas que existem são todos do ex-presidente José Eduardo dos Santos e sua família. Isso não é verdade, quem governa hoje tinha grandes responsabilidades ontem, não foram responsabilidades de curto prazo, foram responsabilidades de 30 e 40 anos na estrutura de governação e em lugares estratégicos”, criticou.
Adalberto da Costa Júnior deu como exemplo o Presidente da República, que foi vice-presidente da Assembleia Nacional, ministro da Defesa, secretário-geral do MPLA, secretário da Informação e membro permanente do Bureau Político, a estrutura de topo da tomada de decisões estratégicas
“Não é possível um desvinculo de responsabilidade de uma pessoa que ocupou sempre um cargo de chefia estratégica”, referiu, acrescentando que “a equipa que governa, é a mesma equipa que governou com dos Santos”.
E questionou: “Estão mal, não fazem parte dos milionários que beneficiaram desta gestão de Dos Santos? Pergunto-me se abdicaram das acumulações extraordinárias de capitais”.
O líder da UNITA referiu que “nenhum angolano tem dúvidas de que o combate à corrupção é direccionado” e adiantou que “quanto mais perto da família dos Santos se está mais risco há-de ir parar aos tribunais”, uma prática que “não abona em temos de credibilidade do regime e não traz ganhos na luta contra a corrupção” que não tem trazido os devidos retornos para o erário público.
A título ilustrativo, apontou os casos de Augusto Tomás, ex-ministro dos Transportes, “cuja prisão não resultou em benefícios para o Estado”, bem como o do Fundo Soberano (gerido pelo empresário Jean-Claude Bastos de Morais e pelo filho do antigo presidente, Zenu dos Santos, que aguarda ainda julgamento), cujo valor seria de 5,7 mil milhões de dólares, sendo a quantia assumida pelo Estado de apenas metade.
“E o resto?”, perguntou Adalberto da Costa Júnior, dizendo que este dinheiro não deve ser confundido com o repatriamento de capitais, já que estava depositado em bancos de vários países.
“Não há um kwanza, um dólar, que tenha vindo para o Orçamento Geral do Estado resultante de investimentos e de lucros do Fundo Soberano”, denunciou o dirigente do Galo Negro, questionando como é que o Estado, “sem qualquer benefício, perdoa determinado gestor e o deixa ficar com lucros extremamente elevados”, numa alusão ao processo de Jean-Claude Bastos de Morais.
O empresário suíço-angolano, presidente e fundador da Quantum Global, empresa que geria os activos do Fundo Soberano de Angola, do qual foi presidente José Filomeno (‘Zenu’) dos Santos, que estava acusado de vários crimes, nomeadamente o de associação criminosa, de recebimento indevido de vantagem, corrupção e participação económica em negócios, foi colocado em liberdade depois de chegar a um acordo com as autoridades angolanas.