João Lourenço inverte poder de Bobbio

O tempo é um bom conselheiro e, por vezes, o tempo a seu tempo, leva-nos a rememorar, não só princípios como o de “o poder corrompe e o excesso do poder corrompe muito mais”, como a tese de algumas figuras importantes do mundo das ciências e da política mundial, como o italiano Norberto Bobbio, pela ousadia da sua tríade: poder económico, poder ideológico e poder político, em contraste com a tese de Aristóteles e John Locke, defensores do poder paternal; poder despótico; poder político, para o alcance do poder.

Por William Tonet

O jurisconsulto nascido no coração da Itália, considerou, em pleno século XX, que o eixo tradicional do poder, não descurando as teses anteriores, apresenta novas fórmulas para a sua afirmação, ascensão, manutenção e controlo de um país, inspirando um seu conterrâneo, o empresário Sílvio Berlusconi, a chegar ao poder, fundamentalmente, através da construção de um forte e amplo império económico: clube de futebol, AC Milan, cadeias de televisão, rádio e jornal, todas empresas, com forte influência no pensamento decisório do cidadão/eleitor, que o catapultaram, por várias vezes, ao cadeirão de primeiro-ministro.

Ao que parece, este político terá inspirado, a “contrarium sensu”, João Lourenço, na afirmação do seu poder unipessoal, elegendo a lógica de esvaziamento do capital económico, dos seus antigos companheiros de rota, arrestando-lhes ou confiscando o património imóvel, móvel e financeiro, para, reduzidos a zero, afastarem a veleidade de ousar ou atentarem uma concorrência ao seu consulado.

Tendo os tribunais, magistrados judiciais e do Ministério Público do seu lado, a coragem de ser o primeiro no regime (depois da sociedade civil e dos partidos políticos da oposição) a hastear mais alto, o combate aos crimes contra a corrupção, por falta de outra estratégia começa a ser perniciosa, por, na morte económica de um corrupto do MPLA, mil trabalhadores inocentes irem para o desemprego.

Logo, o que poderia ser uma alavanca para a moralização do agente público, distante das vaidades umbilicais, converteu-se, em três anos, numa âncora perniciosa, que se alimenta da desgraça dos povos, na explícita demonstração de ser impossível regenerar um regime, cujas linhas programáticas jamais se afastarão da abjecta lógica de “os fins justificam os meios”, para a manutenção do poder, logo, indiferentes, ao aumento da pobreza e miséria geral.

Hoje, o cenário de 5, 10, 15 ou 50 corruptos na cadeia, despidos de capital económico e bens patrimoniais, confiscados e a definhar, por falta de capacidade de gestão do raivoso executivo é menos importantes, para o cidadão comum, quando na outra margem, se avoluma um exército com mais de 30 mil desempregados.

A incompetência, ao inverter a tese de Norberto Bobbio, não conseguiu separar as águas, quando poderia fazê-lo, racionalmente, por duas vias:

a) Responsabilização criminal do empresário, face ao comprovado cometimento de ilícitos públicos; peculato, nepotismo, branqueamento de capitais, etc.;

b) Separação das empresas, os empregados e a livre circulação do capital.

Com esta visão, estando o povo carente de comida, poderia, eventualmente, repito, eventualmente, sendo a corrupção, também, um “crime de esponja”, converter-se o encarceramento prisional (face os nefastos exemplos de outros países: Itália; Espanha; Argentina; Brasil), resultante de uma pena de 8, 12 ou 16 anos, na obrigatoriedade de:

a) Pagamento mensal de 1 milhão de dólares, ao Tesouro nacional;

b) Construção de um empreendimento comercial, industrial ou agro -industrial, em igual número de províncias (por exemplo, se condenado em 8 anos, um em cada uma das 8 províncias);

c) Criação de emprego e manutenção de 85% da força de trabalho, com contratos por tempo indeterminado;

d) Construção, apetrechamento de uma escola pública, com laboratório e biblioteca, incluindo o pagamento da manutenção mensal e o salário dos professores;

e) Construção de um centro médico, equipado com laboratório de análises clínicas e uma sala de operações, com a obrigatoriedade de remunerar o corpo administrativo e clínico;

f) Agravar em 5% o pagamento do imposto em vigor, no país;

g) Reduzir, depois de 6 a 12 meses, a força de trabalho estrangeira, a uma cota entre 2,5 a 5%.

Isso permitiria, na actual crise económica interna e internacional, agravada pela inesperada pandemia do COVID-19, a estabilidade social, manutenção de empregos, rotação de capitais, aumento de depósitos bancários, recuperação de capitais, imprescindíveis para alavancar as empresas angolanas.

Infelizmente, opções raivosas geram recuperações pífias e resultados obtusos, que agravam a situação das populações, que não comem corrupção mas comida. E, sem comida à mesa, por falta de trabalho dos pais, despedidos das empresas dos eventuais corruptos, refira-se, todos, do partido do Presidente da República, os jovens, legitimamente, no ganho de consciência têm de se manifestar, para que o país não se mantenha no futuro indefinido, refém, exclusivamente, de uma força política.

Falta um pouco de posicionamento mental abrangente de João Lourenço, patamar exigível para quem exerce a função, temporária, de Presidente da República deveria almejar ser considerado como Presidente de todos angolanos, com um coração aberto e plural, para acolher todas as franjas e sensibilidades nacionais.

A sua insensibilidade em relação ao bem maior: a vida dos cidadãos é assustadora, basta rememorar a indiferença, aquando da tentativa de suicídio de uma ministra do seu gabinete, pela forma abjecta como foi demitida; na comunicação social. Durante o período, em que a senhora, esteve internada, não se dignou em visitá-la.

Depois, o mutismo, quanto ao assassinato do jovem médico Sílvio Dala e, mais recentemente (11.11.20), do estudante de engenharia Inocêncio N’landu atemorizam, porque esperava-se um pronunciamento apaziguador do mais alto magistrado do país.

Daí que esperar uma grandeza comportamental na qualidade de Chefe de Estado, pai de todos, independentemente, das desavenças políticas, uma mensagem de condolências a Isabel dos Santos era pedir demais. Não foi bom, demonstrando um certo rancor. Se as desavenças da Isabel dos Santos são com a justiça, o Presidente da República deve colocar-se acima das baixas querelas, para dar lustro à sua governação, como sendo imparcial e, não carimbá-la com raiva e ódio.

BATEU NO FUNDO

A política do Titular do Poder Executivo levou o país a bater no fundo. Inegavelmente! Nada dá certo. Nada deu certo. Dificilmente, na obtusa visão, “entregacionista” da riqueza nacional, ao capital estrangeiro, alguma coisa dará certo.

Não basta uma simples maquilhagem, numa poção venenosa, para se acreditar ter ela perdido propriedades perversas, principalmente, quando estas são a identidade de um sistema laboratorial, comprometido com a intolerância, discriminação, incompetência, má-gestão da coisa pública e corrupção qualificada.

Nenhum clone supera a matriz, ao ponto de desmoronar os caboucos fundantes, por mais que seja apurada a pirotecnia da transição e a beleza do fogo-de-artifício, para iludir a maioria.

E, se dúvidas houvesse, basta rememorar a indignação emotiva e comovente de dois prelados católicos, nomeadamente, o bispo do Bengo, Dom Camuto e Frei Joaquim José Hangalo, veja vídeo (*), expressando o sentir e gemer de milhões de fiéis impotentes face à selvajaria com que a Polícia, no afã de proteger, exclusivamente, o Executivo e não o Estado, arremessa bastões, cães, gás lacrimogénio e balas, contra corpos de indefesos manifestantes.

Oremos, todos, TODOS, enquanto cristãos, a favor destes servos do Senhor, que de forma destemida, dando nome aos bois, entregaram os seus corpos, a sua segurança, as suas vidas, em prol da(s) flor(es), covardemente, arrancada do NOSSO JARDIM!

Se, a maioria, com sensibilidade humana, não se indignar, não continuar a indignar-se, amanhã, eles, os algozes, voltarão, impunemente, em função da colectiva omissão, para destruir as restantes flores e assassinar, com as balas dos arsenais, o que resta do jardim de todos…

Não podemos esperar, por mudanças de quem não muda, em nome da manutenção do sádico poder, por esta razão, a hora é esta, porque a fome, deixou de ser futuro. Ela mata, miseravelmente, no presente, o sonho de milhões, duplicadamente, mil milhões desprotegidos, que um dia, ingenuamente, acreditaram, no senso de justiça de quem levantou o cajado da boa governação.

Debalde!

Por isso, hoje, estamos proibidos de abdicar da fé, da força da moral, que banha os angolanos, cujo compromisso é o cartão de cidadania, com estatuto de EQUIDADE!

Não basta falar, falar, falar, triplamente, fazê-lo para gáudio do FMI e Banco Mundial, de combate aos crimes de corrupção, arremessando, selectivamente, contra antigos camaradas de rota, armas da raiva, do ódio, da exibição afirmativa, para consolidação do poder absoluto de um homem, quando os cidadãos definham a fome, engrossando os exércitos do desemprego, prostituição e delinquência, por inexistência de um projecto – país, um projecto – sociedade.

Um órgão de magistratura do país, comprometido com a cidadania e os Direitos Humanos, não pode, orgulhar-se em partilhar o mesmo pedestal, onde desfilam as corjas de assassinos, homicidas e intolerantes, sob pena de, confundindo-se os papéis, a delinquência ter estatuto institucional.

Senhor Presidente da República, ao refugiar-se nas vestes de presidente do MPLA, para atirar farpas em seara alheia, quando o escrutínio popular o desafia a mostrar competência na gestão do país, da coisa pública e não na manutenção do fracasso, não lhe fica bem. Assumir erros é, também, sinal de grandeza, o inverso é sinal de pequenez.

A UNITA não pode ser o eterno bode expiatório, uma vez, não ter responsabilidade, na manutenção de uma incompetente e complexada equipa económica, que raciocina com as piores normas do Fundo Monetário Internacional, utilizadas em países, cuja liderança não tem sentido e orgulho nacionalista.

As medidas paliativas, entre as quais a absurda, de a miséria, entranhada no dorso dos famintos e miseráveis, pagar impostos, contribuem, apenas e só, para afundar a esperança dos empresários, dos cidadãos e de uma juventude, cada vez mais sedenta de um futuro, cujo alcance acredita, hoje e agora, estar na força da rua.

Nas manifestações. Persistentes, até que a bússola da esperança devolva, não o diálogo desigual, mas a equidade legal.

O que as gentes, os jovens reclamam é a gritante falta de capacidade governativa, cuja (in)competência é avaliada, pelo aumento vertiginoso da fome, miséria e desemprego, sem que a resolução, possa ser alimentada, através da porrada e do assassinato.

A juventude patriótica, está cada vez mais ávida de uma oportunidade, um país plural, uma democracia participativa, com eleições regulares e autárquicas obrigatórias, livres da fraude e batota, capazes de melhorarem, por exemplo, o saneamento básico, o asfalto das ruas, a iluminação pública, o fornecimento de água, o emprego, as escolas, os postos médicos, que o Bairro São Pedro da Barra, cuja degradação é o pico da crónica incompetência de um governo que não se regenera.

E (foi), o centro deste vulcão de pobreza, que inspirou, o jovem, Inocêncio Matos Nlandu, no terceiro ano de engenharia a denunciar, em manifestação constitucional, também, o estado calamitoso do bairro, que o viu nascer, crescer e morrer, assassinado, com um covarde e institucional tiro na testa, no dia 11.11.20, na Av. Brasil, em plena luz do dia.

E, assim, ASSASSINARAM, o sonho de um futuro engenheiro, menino de 26 anos, desarmado, erguendo, apenas o inofensivo esquadro do saber, que atemoriza os ditadores. Por esta razão, sem razão, quais vampiros, destroçaram, o outro sonho, o sonho maior, de um pai e uma mãe, pobres, verem gorado o fruto do seu apertar de cinto, para verem gorada a batalha do juntar das migalhas, para, enfim, num dia, lagrimarem de alegria, com o filho, a hastear o canudo de licenciado em engenharia. Um curso que poderia ajudar a revolucionar a degradação do Bairro São Pedro da Barra, onde inexiste, a raiz “quadrada comida”.

Por isso de nada vale, acreditar, ter sido o seu ASSASSINATO, um acto isolado. Não! Ele é fruto do “modus operandi” do regime: FORÇA E VIOLÊNCIA, contra os pobres, os excluídos, os discriminados.

Não haja, nenhuma dúvida, pois, basta, cada um de nós, interpretar, o deprimente e ditatorial aparato policial, montado na Faculdade de Engenharia, quando alunos e professores queriam, vestidos de roupas pretas (cor de luto), apenas manifestar, ao colega “Nlandu”, abruptamente afastado do convívio dos vivos, sentimentos de pesar.

Quando as faculdades, centros do saber, são selvaticamente, policiadas, para impedir a expressão de solidariedade humana, estamos diante do precipício, comandado por gente, mentalmente, comprometida com o sadismo, quais “vampiros-robotizados”, programados para a gestão única do poder, alimentado com sangue humano.

Assim nada poderá travar a força da revolução social. Uma REVOLUÇÃO SOCIAL, que se augura, sem violência, sem armas e sem movimentos guerrilheiros, em respeito a Constituição atípica e, agora, irreversivelmente, iniciada pela força de uma juventude, cada vez mais comprometida com o futuro do país, das liberdades e da democracia.

Na próxima edição, a história de Abimeleque

(*) https://www.facebook.com/jornalfolha8/posts/2996963130404096

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