O professor de Ciência Política em Oxford, Ricardo Soares de Oliveira, considera que o conflito entre o MPLA de João Lourenço e a empresária Isabel dos Santos é “intensamente político” e ultrapassa o Estado de Direito que, aliás, não existe em Angola.
Em entrevista à Lusa, o investigador português disse que é ainda cedo para se considerar que o Presidente de Angola, do MPLA e Titular do Poder Executivo, João Lourenço, está a fazer uma “limpeza estrutural da corrupção” no país.
“Por enquanto não se pode afirmar que isto seja uma limpeza estrutural da corrupção em Angola; dizê-lo não elimina a possibilidade futura do Presidente Lourenço ir atrás de outros indivíduos com fortunas adquiridas de modo ilícito, mas por ora, o alvo tem sido a família dos Santos e uns poucos mais; o facto de alguns indivíduos se manterem incólumes pode criar um certo cinismo em Angola”, afirmou.
Os argumentos que dizem que “esses indivíduos têm ajudado na luta contra a família Dos Santos, ou de que o Presidente pura e simplesmente não pode ir atrás de toda a gente ao mesmo tempo não mudam a análise de que isto é um conflito intensamente político e não apenas o funcionamento impessoal do Estado de direito”, sustentou o professor catedrático de Ciências Políticas e Relações Internacionais.
Na entrevista, Soares de Oliveira afirmou que “a investigação do Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ) tem um impacto tremendo no estatuto internacional de Isabel dos Santos e, indirectamente, do ex-Presidente José Eduardo dos Santos”, vincando que “já não se trata da sua marginalização em Angola, mas de uma verdadeira ofensiva em todas as frentes com implicações legais consideráveis para Isabel dos Santos e os seus próximos”.
Questionado sobre a ligação entre a Procuradoria-Geral da República do MPLA e a divulgação dos documentos, uma das questões criticadas pela empresária Isabel dos Santos, o professor universitário respondeu: “Não temos informação concreta sobre a fonte deste documentos, mas não há duvida que a fuga foi conveniente para a PGR e para o poder em Luanda, já que avança de forma decisiva o ataque a família dos Santos”.
No entanto, acrescentou: “Há uma diferença entre dizer isto e sugerir que é tudo uma ficção, já que as revelações são bem substanciadas através de uma impressionante documentação e trabalho investigativo, e põem em causa as origens da sua fortuna”.
Sobre o futuro da empresária, o autor do livro “Magnífica e Miserável: Angola desde a Guerra Civil” considerou que isso depende das consequências legais das revelações.
“Há sempre a possibilidade do Dubai, da sua nacionalidade russa, e de contextos em que ela poderá beneficiar de alguma protecção, mas o esforço de se tornar um membro respeitável da elite internacional parece ter sofrido um grande revés”, afirmou, rematando: “Mas nunca se sabe, a vida dá muitas voltas”.
Concretamente sobre as contas e empresas domiciliadas em jurisdições com condições mais vantajosas (‘offshores’), Ricardo Soares de Oliveira lembrou que “toda a gente sabe que as ‘offshores’ são opacas”, mas salientou que “o escândalo não é ‘offshore’, e ‘onshore’, principalmente nas grandes capitais europeias, incluindo Lisboa”.
“Não é só a banca, e toda uma classe de prestadores de serviço de consultoria, contabilidade, advocacia etc.. E os políticos e reguladores que deixaram tudo isto acontecer ao longo de anos, apesar de toda a gente saber o que a casa gasta há muito tempo; houve pouca curiosidade, até por parte da nossa imprensa, com raras excepções”, concluiu.
O ICIJ divulgou no domingo passado mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de Luanda Leaks, que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano, utilizando paraísos fiscais.
De acordo com a leitura deste conjunto de órgãos de comunicação social, entre os quais o Expresso e a SIC, Isabel dos Santos terá montado um esquema de ocultação que lhe permitiu desviar mais de 100 milhões de dólares (90 milhões de euros) para uma empresa sediada no Dubai e que tinha como única accionista declarada a portuguesa Paula Oliveira, amiga de Isabel dos Santos e administradora da operadora NOS.
Os dados divulgados envolvem também o advogado pessoal da empresária, o português Jorge Brito Pereira (sócio da Uría Menéndez, o escritório de Proença de Carvalho), o presidente do conselho de administração da Efacec, Mário Leite da Silva (CEO da Fidequity, empresa com sede em Lisboa detida por Isabel dos Santos e o seu marido), e Sarju Raikundalia (ex-administrador financeiro da Sonangol).
O dossier revela ainda que, em menos de 24 horas, a conta da Sonangol no EuroBic Lisboa, banco de que Isabel dos Santos era a principal accionista, foi esvaziada e ficou com saldo negativo no dia seguinte à demissão da empresária da petrolífera angolana.
O Financial Times explicou n dia 7 de Março de 2015 as razões pelas quais o Folha 8 existe e, também, os motivos desta nossa luta contínua e porque estivemos, estamos, e estaremos na mira das armas de que se julga dono da verdade. Escreveu o jornal britânico que Angola é uma cleptocracia (regime político corrupto) e os seus dirigentes uma elite indiferente ao resto da população.
O texto, com o título ‘Porque o Ocidente adora um cleptocrata’, publicado no jornal britânico, aborda o lançamento do livro “Magnificent and Beggar Land: Angola Since the Civil War”, de Ricardo Soares de Oliveira.
O artigo que desmontava o sistema vigente no nosso país e que, com alguma maquilhagem, se mantém o mesmo no essencial, mais não fazia do que dizer o que aqui que nós dizemos ao longo dos anos. Mas, reconhecemos, todas as ajudas para desmascarar o regime são oportunas.
“Mesmo pelos padrões dos Estados petrolíferos, Angola é quase risivelmente injusta”, dizia o articulista, referindo com todas as letras que “os oligarcas deixam gorjetas de 500 euros nos restaurantes da moda em Lisboa, enquanto cerca de uma em cada seis crianças angolanas morrem antes de terem cinco anos”.
O Financial Times referia que “esta pequena cleptocracia é aceite como uma parte integrante do sistema ocidental” e explicava que são os expatriados que fazem a economia angolana mexer, desde as consultoras que ajudam a definir a política económica até aos bancos que financiavam os negócios do clã Eduardo dos Santos.
“Os oligarcas angolanos habitam a economia do luxo global das escolas públicas britânicas, dos gestores de activos suíços, das lojas Hermès, etc.”, lê-se no jornal, que classifica o livro sobre Angola como “maravilhoso”.
No texto que serviu de lançamento para o livro, era feito um retrato de fortes contrastes entre a elite e o resto da população angolana, por exemplo quando se lê que “a clique dirigente consiste largamente numas poucas famílias de raça mista da capital, Luanda, que considera que os cerca de 21 milhões de angolanos negros no mato ou musseques são imperfeitamente civilizados, e com pouco desejo para os educar”.
A relação entre Portugal e Angola fez também parte da análise do jornalista que assina o texto, que cita o autor do livro dizendo que “por trás de cada magnata angolano há uma equipa de gestão maioritariamente portuguesa”, que não se preocupa com as consequências da sua gestão, “por isso os estrangeiros bombam petróleo, fazem luxuosos vestidos e constroem aeroportos sem sentido no meio do nada”.
Criticando de forma directa as luxuosas viagens à Europa, os passeios entre capitais europeias recorrendo a aviões a jacto, o artigo prossegue argumentando que a crise económica fez com que os governos ocidentais procurassem novos negócios sem olhar ao contexto político desses países, contando com o exemplo da conhecida política de não interferência da China, um dos novos grandes investidores em África na exploração de recursos naturais.
Depois de criticar os governos ocidentais por não fazerem a distinção entre o dinheiro dos governantes e o dinheiro dos Estados, porque afinal “eles empilham-no nos nossos bancos e gastam-no nos nossos quadros, em cirurgias plásticas e em casas de praia, para além de acções das nossas empresas, especialmente em Portugal”, o artigo termina abordando a descida do preço do petróleo.
“A elite fez a festa durante o crescimento do petróleo. O provável impacto no regime do colapso nos preços é pouco, porque se só se está a alimentar uma pequena percentagem do povo, 50 dólares por barril chega e sobra”.
Basta, aliás, ver o perfil do cliente de elite angolano em Portugal, que representa mais de 40% do mercado de luxo português. Trata-se sobretudo de homens, 40 anos, empresários do ramo da construção, ex-militares ou com ligações ao governo. Vestem Hugo Boss ou Ermenegildo Zegna. Compram relógios de ouro Patek Phillipe e Rolex.
Do outro lado, aquele que não interessa aos governantes portugueses, está o perfil do povo angolano, que representa 70% da população, e que é pé descalço, barriga vazia e (sobre)vive nos bairros de lata.