Em determinadas fases da vida de uma sanzala, bwala, região ou país, as dificuldades levam os seus líderes a recorrer à sapiência dos adágios e provérbios, para contornarem as intempéries e não apontarem culpas da fraca produção e fome ao passado. “Proteger limpa a água do rio é sinal de preservação da vida”, provérbio indígena, angolano, que atesta a responsabilidade do Mwene (soba-chefe tradicional; chefe da comunidade), na protecção da comunidade, animais e florestas.
Por William Tonet
Nas quezílias que Angola está a viver, principalmente entre o antigo e o actual líder do MPLA, envolvendo os filhos, instituições do Estado, prisões selectivas e outros quejandos, não podemos deixar de rememorar alguns provérbios: “Alimente um cão por três dias e ele será grato por três anos. Alimente um gato por três anos e ele se esquecerá disso em três dias”, este provérbio japonês discute um dos valores mais importantes na sua cultura: a gratidão. Ele ensina que devemos ser sempre gratos e retribuir cortesias.
– Non omne quod fulget aurum est: Nem tudo que brilha é ouro. Cuidado com as aparências, provérbio latino.
– Aquila non capit muscas: A águia não apanha moscas, significa que uma pessoa de espírito superior não se preocupa com ninharias.
– Arcus nimis intensus rumpitur: O arco muito retesado parte-se, quer dizer que o rigor excessivo conduz a resultados desastrosos.
O MPLA está a viver um momento particular, que o pode conduzir à recriação de correntes de opinião fortes e divergentes com a actual direcção de João Lourenço, como aconteceu, em 1963, com o surgimento da Revolta Activa, Rebelião da Gibóia, convertida em Revolta do Leste, face ao autoritarismo de Agostinho Neto, que nunca conseguiu unir o MPLA, pelo contrário, levou-a paginar na sua história os momentos mais sombrios do maior genocídio selectivo: 80 mil militantes, depois da II Guerra Mundial.
O “Despacho-Sentença”, surge numa altura de forte contestação social em função da fome, desemprego, miséria, alta inflação, medidas duras do FMI, como que pretendendo desviar a atenção geral dessa realidade, apontando de forma certa ou errada, o clã Dos Santos, como sendo o responsável pelo descalabro do país. Os únicos corruptos. Os únicos que delapidaram o erário público. Os únicos que enriqueceram com o dinheiro do petróleo, via SONANGOL e dos diamantes, via ENDIAMA, logo devem ser criminalizados e vulgarizados, publicamente, como se fossem uma espécie a extinguir em Angola.
O apogeu do que os Dos Santos falam em perseguição foi a prisão de José Filomeno dos Santos (ex-presidente do Fundo Soberano), por cerca de seis meses, sem que ao pai fosse dada, enquanto ex-Presidente da República e Presidente Emérito do MPLA, qualquer justificativa, numa clara banalização dos cargos e vulgarização da sua imagem, que passou a ser banida, inclusive dos corredores do partido no poder e, agora da moeda. Seguiu-se, por temor, o exílio forçado da maioria da família.
A tudo isso, respondeu com um silêncio tumular, mas depois da libertação do filho, varão, Eduardo dos Santos viajou em avião de carreira comercial, da TAP, para o Reino de Espanha, em consulta médica, mas criando, antes, um facto político que agitou o país e a tribo partidária, ao prescindir do apoio do Protocolo de Estado, na qualidade de ex-Presidente da República, pese a incursão de João Lourenço, na sua residência, para o dissuadir de tal decisão.
Partiu triste e humilhado, com o rótulo de marimbondo-mor, que no léxico do actual Presidente da República, significa “o grande corrupto”, e amargurado com o silêncio dos camaradas que beneficiaram do regabofe, o veneravam como um deus, na terra, mas agora, se acovardavam, como que cuspindo, no prato de quem, ontem, os fez, ilicitamente, enriquecer.
Foi aí que a família, pensou num eventual agravar do seu estado de saúde, pois havia saído de um AVC, que se poderia agravar.
O Ministério Público ao trazer, no 23.12.19, acusações graves, do comportamento de José Eduardo dos Santos, no exercício de funções, enquanto Presidente da República, arrestar todas as empresas e acções da filha, Isabel dos Santos, já não consegue disfarçar o alvo a abater, nem se importar pelas consequências do cometimento de eventuais desvarios jurídicos, tais como os denunciados por Isabel dos Santos, que no caso actual, pela magnitude das acções e do arresto ter excedido o valor em causa, deveria ter sido notificada, conhecer dos factos, pronunciar-se, para então determinar a decisão.
Hoje por hoje a sociedade está dividida, mesmo a jurídica, porquanto os factos até aqui elencados mostram que o MPLA, pode ser, mais tarde ou mais cedo, banido do cenário, como partido político, uma vez a actuação de muitos dos seus membros e dirigentes, principalmente, chegados ao poder executivo e legislativo, contrariar a Constituição, a Lei dos Partidos Políticos, a Lei da Segurança do Estado e os anseios dos povos de Angola.
Um partido como o MPLA diante da gravidade da situação financeira do país, das acusações contra o seu ex-líder, não pode continuar impávido e sereno, comportando, como se fosse mesmo uma organização criminosa, cujos membros apenas se preocupam com as benesses e mordomias, provenientes dos cofres públicos, concedidas por quem, a um dado momento, detém o poder absoluto do Estado, mantém a desconfiguração dos órgãos de soberania, em benefício da consolidação de uma ditadura, disfarçada com laivos de democracia.
O MPLA diante da resistência em não mudar a Constituição, tão pouco de permitir que seja revogado o Acórdão inconstitucional e criminoso, que impede o poder legislativo de fiscalizar o executivo, assume a responsabilidade de, tal como ontem, hoje, continuar a apoiar, incondicionalmente, os eventuais desvarios financeiros, do líder máximo, logo, com toda essa podridão institucionalizada, não são merecedores de continuar na liderança do país.
Outrossim, se durante o seu consulado, Dos Santos favoreceu a filha e o genro, como diz o “Despacho-Sentença”, estamos diante de um delito criminal, punível, exigindo, agora, coragem para não só o impedir de concorrer a um segundo mandato presidencial e, depois, com base no favorecimento, ser condenado por suborno, que segundo o direito pátrio é um acto ilícito, tipificado, também, como crime de corrupção.
No caso vertente, segundo a PGR, a compra e oferecimento da joalharia, pagamento com dinheiro público da SONANGOL, para a filha constituir empresas ou ainda a promessa de com outros valores recuperar empresas privadas falidas, constitui suborno, tipificado no art.º127.º da CRA, uma vez praticado por autoridade pública, em troca de favores feitos por estes para favorecer de modo particular o corruptor. Ora, sendo uma prática nociva ele contribui para a desestabilização do país, no âmbito económico, financeiro, educativo, cultural, empresarial, etc., devendo levar ao banco dos réus toda a direcção do MPLA.
Entretanto, tendo noção de apenas estar a ser usada, como carne para canhão, quando o alvo a atingir é o pai, Isabel dos Santos traz dados novos na equação, desmentindo os alegados caminhos sinuosos do Ministério Público.
Sobre o contrato entre a SONANGOL EP, EXEM ÁFRICA, ESPERAZA, a empresária considera que “o investimento para aquisição da participação na GALP ocorreu em Setembro de 2005, no mesmo ano em que se concretizou a parceria do Banco BIC, Isabel dos Santos e Américo Amorim.
O diálogo para a oportunidade de investimento cruzado em Angola e Portugal, surgiu entre os parceiros, com assessoria do Banco Santander como consultor financeiro e da sociedade de advogados Linklaters como consultor jurídico. A SONANGOL não fez parte da fase inicial do processo, tendo sido abordada mais tarde.
A compra da GALP foi concluída em Dezembro de 2005, tendo os sócios da Amorim Energia concordado que o investimento seria tripartido, ou seja, Grupo Amorim, Exem e SONANGOL.
As acções da GALP foram compradas partindo de uma avaliação da GALP em 5.050 milhões de Euros, correspondendo, assim, uma participação de 33,34% a cerca de 1.7 mil milhões de Euros.
A Esperaza (Joint Venture entre Exem e Sonangol) ficou com uma participação na Galp avaliada em cerca de 715 milhões de Euros, tendo a Esperaza investido cerca de 195 milhões de Euros e o remanescente financiado através de um empréstimo bancário contratado pelos parceiros no montante de 520 milhões. Em suma, 85% do investimento da Esperaza foi financiado por um conjunto de linhas de crédito bancário, sem garantias da Sonangol, nem garantias de petróleo, apenas com as acções como garantia.
Ao contrário do que é referido no despacho-sentença, a Exem executou pagamentos à Sonangol num total equivalente a 75 milhões de Euros, dos quais 11,5 milhões de Euros em 2006 e 63,5 milhões de Euros (montante equivalente em Kwanzas) pagos em Outubro de 2017.
Aliás, nos termos da documentação contratual inicial (MoU Esperaza (Sonangol – Exem África) e Contrato de Compra de Ações (Esperaza-Sonangol-Exem Energy), a Sonangol deveria receber 15% do valor no momento do investimento e o restante em Dezembro de 2017”.
Ora, como se pode verificar, não existem fundadas razões para o Ministério Público impor, agora, o pagamento em moeda externa, quando, inclusive, o art.º 550.º (Princípio nominalista) CC (Código Civil) diz: “O cumprimento das obrigações pecuniárias faz-se em moeda que tenha curso legal no país à data em que foi efectuada e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo, estipulação em contrário”.
Mais adiante, ela afirma “que em Julho de 2017, a SONANGOL se encontrava numa situação financeira crítica e o PCE da Sonangol Eng.º Paulino Jerónimo solicitou à EXEM o pagamento antecipado do contrato, aceitando e indicando Kwanzas como moeda para pagamento uma vez a SONANGOL ter necessidade urgente de Kwanzas para as cash calls em dívida a empresas petrolíferas estrangeiras (…) A EXEM e a SONANGOL haviam assim chegado a um acordo em meados de 2017 que permitiu que a SONANGOL recebesse antecipadamente e a EXEM pagasse em Kwanzas, em Outubro de 2017. (…) Em Janeiro 2018, o então PCA da SONANGOL, Carlos Saturnino, deu ordens para que se procedesse à devolução dos valores pagos pela Exem, depois de decorridos já 4 meses desde a sua transferência”. Iniciou-se, por via disso, “um litígio entre a Exem e a SONANGOL na Holanda, no âmbito do qual os advogados da SONANGOL (…) reconheceram que o pagamento havia sido feito pela Exem”.
Ademais a medida do Banco Nacional de Angola, cunhada pelo Titular do Poder Executivo, institucionalizou a kwanzalização dos pagamentos, no país, incluindo os das empresas e associadas petrolíferas.
Poderia então Isabel dos Santos ter estatuto para violar essa determinação monetária?
À acusação de prejuízos do MP, a empresária desmente, alegando que em 2005, a participação da Sonangol estava avaliada em cerca de 429 milhões de Euros, actualmente cifra-se em cerca de 960 milhões de Euros. A Esperaza recebeu até esta data mais de 217 milhões de Euros em dividendos e, tendo como referência o preço actual das acções da Galp Energia em bolsa e após o reembolso do passivo existente, o valor líquido da Esperaza ascende actualmente em cerca de 1,6 mil milhões de Euros.
É por isso falsa, afirma, a informação de o investimento na GALP ser lesivo ao Estado angolano, porquanto, defende, é o investimento mais rentável na história da Sonangol.
Isabel dos Santos considera-se caluniada ao ser apontada como sócia ou beneficiária das empresas DE GRISOGONO ou VITORIA e de nunca ter estabelecido nenhuma parceria com a SODIAM, “sendo qualquer prova em sentido contrário que possa ter sido apresentada ao tribunal falsa e forjada”, acrescentando ainda ser falsa a afirmação do Ministério Público do ex-Presidente José Eduardo dos Santos ter orientado a Sodiam para a venda de diamantes a preços inferiores aos praticados no mercado, assim como, na sua opinião “é falsa e forjada a afirmação de que as empresas Iaxhon, Relactant, Odissey, Nemesis vendiam diamantes no exterior do País, sem que o Estado angolano tivesse qualquer visibilidade”.
Quanto à UNITEL, Isabel desmente ter alguma vez tentado vender participação na Unitel a um suposto cidadão árabe. Desafia por isso a PGR, a apresentar o nome e nacionalidade desse investidor.
Uma fonte bem informada não descarta a inclusão da UNITEL neste processo, como forma de viabilizar a introdução, na área técnica, dos aparelhos tecnológicos de escuta e captação das mensagens e diálogos nas redes sociais, por parte da Segurança de Estado.
A empresária desmente também contactos para investimentos no Japão, desafiando mesmo a PGR a apresentar datas e locais, tal como a transferência para a Rússia de 10 milhões de euros de uma conta do General Leopoldino do Nascimento, junto do Banco Millenium, assim como é falsa a intervenção da Polícia Judiciária portuguesa, numa operação em que a mesma é alheia.
Em suma, Isabel dos Santos considera falsa a acusação de estar a ocultar património obtido à custa do Estado, transferindo-o para outras entidades, valores avaliados em 1.136.966.825,56, lesando desta forma o país.
E, em remate final, a filha do ex-Presidente da República considera o “Despacho-Sentença” ser resultado de uma providência cautelar, que decorreu sem conhecimento das partes, de forma aparentemente arbitrária e politicamente motivado.
Verdade ou mentira, tudo incrimina, mas, nesta sarrabulhada financeira, de desvios, roubos, corrupção, etc. e tal, o MPLA não sai bem na fita e os eleitores cada vez mais atentos saberão tirar as ilações devidas e julgar em consciência, nas futuras eleições, como única forma de tirar o país do precipício, proclamando então, nesse dia, a verdadeira independência do país, que renascerá, fruto de um poder constituinte originário, que aprovará uma Constituição, verdadeiramente democrática, onde o Presidente da República não terá super-poderes, como Luís XIV da França que dizia: “O Estado sou eu”, como infelizmente, o fazem, ou fizeram, voluntária ou involuntariamente, todos os presidentes, que estiveram no poder em Angola.