O Governo francês anunciou hoje uma mudança estratégica na assistência ao desenvolvimento dos países africanos, em resposta ao aumento da influência política e económica da China neste continente, na qual privilegia as questões ambientais e sociais.
“É inconcebível dar rédea solta aos novos actores que vemos empenhados no campo da ajuda ao desenvolvimento”, assumiu o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jean-Yves Le Drian, numa conferência de imprensa onde esteve também o seu homólogo da Economia, Bruno Le Maire, realizada em Paris no final do primeiro conselho presidencial dedicado especificamente à ajuda ao desenvolvimento.
Os novos actores, que incluem a China, a Turquia e a Rússia, têm visto a sua influência no continente africano crescer, nuns casos devido ao enorme volume de empréstimos e financiamentos que têm feito, como no caso da China, o maior credor de países como Angola, e noutros devido à influência política que manifestam nas relações, como no caso da Turquia e da Rússia.
“Têm métodos e intenções que implicam que estejamos presentes para propor aos nossos parceiros um novo caminho” de ajuda ao desenvolvimento, salientou o chefe da diplomacia francesa, que lembrou os quase 11 mil milhões de euros disponibilizados no ano passado e que será aumentado de forma a que o montante passe de 0,44% do Produto Interno Bruto para 0,55% até 2022.
As declarações dos governantes surgem um dia depois de ter sido apresentado um projecto de lei para “dar um novo impulso” à nova política de desenvolvimento, que é “o culminar de três anos de trabalho” e que marcará uma “mudança de velocidade” que se traduz “não apenas por fazer mais, mas também fazer melhor”.
De acordo com a agência de notícias francesa, a AFP, este novo modelo de ajuda ao desenvolvimento, que surge num momento particularmente difícil para os países africanos, em plena crise económica agravada pela pandemia de Covid-19, vai centrar a ajuda nas doações.
Para além de privilegiar as doações, a França vai redefinir as prioridades temáticas, apostando em temas como a saúde, o clima, a preservação da biodiversidade, a educação e a igualdade de género, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, anunciando também um fundo para apoiar a inovação para o desenvolvimento, que será presidido pela economista Esther Duflo.
“A recessão está a agravar a dívida pública destes países muito para além das suas capacidades económicas e de pagamento”, disse o ministro da Economia, lembrando que a dívida pública média em função do PIB triplicou na última década e que o continente deve enfrentar uma recessão inédita de 3% este ano.
A França é um dos países impulsionadores da Iniciativa da Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI), que permitiu um adiamento dos pagamentos de dívida para mais de 40 países dos 73 elegíveis.
O ministro da Economia lembrou a decisão recente do G20 de alargar a moratória até Junho do próximo ano e a definição de um enquadramento comum para tratar a questão da dívida, na qual participam a China e os credores privados, bem como a realização em Maio de uma cimeira, em Paris, sobre a dívida pública africana, que envolverá todos os países do G20 e os restantes atores envolvidos no tema.
“Queremos desenvolver uma reflexão a longo prazo sobre o financiamento das economias africanas”, disse Bruno Le Maire, defendendo que a cimeira tem de “encontrar soluções muito eficazes, rápidas e oportunas”.
A Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA) e a Agência Francesa de Desenvolvimento assinaram uma parceria para prestar apoio aos governos africanos que aderiram à DSSI.
De acordo com um comunicado da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), “através desta parceria a UNECA prestará apoio técnico especializado para apoiar os governos africanos na avaliação das suas necessidades ao abrigo da DSSI”, criada em Abril deste ano pelo G20 e pelo Clube de Paris no seguimento da crise económica desencadeada pela pandemia de Covid-19.
“A assistência vai focar-se na construção de capacitação em várias áreas, como a análise e mitigação de riscos, identificação dos princípios da sustentabilidade da dívida, políticas de financiamento da economia real, e regulação e agências de ‘rating'”, lê-se no comunicado, que aponta ainda que a parceria vai “promover uma maior coordenação entre os credores privados e públicos”.
Até agora, 43 países estão a beneficiar de uma moratória de cerca de 5 mil milhões de dólares (4,1 mil milhões de euros) em pagamentos de dívida que foram diferidos, o que representa mais de 75% do serviço da dívida bilateral oficial ao abrigo da DSSI este ano, acrescenta-se na nota.
“A prioridade tem de ser claramente a libertação de mais recursos para os governos africanos poderem responder mais eficazmente à pandemia de Covid-19 e, em particular, aos desafios da protecção social e do emprego”, comentou o embaixador francês na Etiópia e na União Africana, Rémi Maréchaux.
Para a subsecretária-geral das Nações Unidas e secretária executiva da UNECA, Vera Songwe, “a recuperação económica em África vai precisar de ser acompanhada por reformas que não sejam demasiado restritivas do ponto de vista orçamental e que favoreçam a entrada do sector privado”.
Vera Songwe disse ainda, citada no comunicado, que as necessidades financeiras dos países africanos para recuperarem da pandemia e atingirem um caminho sustentável de desenvolvimento está nos 345 mil milhões de dólares, cerca de 283 mil milhões de euros.
Folha 8 com Lusa