Os administradores municipais (do MPLA) vão agora autorizar despesas até 1,750 mil milhões de kwanzas (2,6 milhões de euros), contra o anterior limite de mil milhões de kwanzas (1,4 milhões de euros), informou hoje o Ministério das Finanças de Angola. Como as eleições autárquicas terão lugar apenas quando o MPLA tiver a máquina da vitória absoluta e total afinada, os seus “eleitos” locais (todos) vão começar a mostrar obra…
Segundo uma nota do Ministério das Finanças, este aumento dos limites de competência para autorização da despesa pelos administradores municipais, correspondente a 75%, enquadra-se nas Novas Regras de Execução do Orçamento Geral do Estado 2020, aprovado no Decreto Presidencial nº 141/20 de 21 de Maio.
Com esta alteração, sublinha o Ministério das Finanças, pretende o Governo atribuir cada vez mais autonomia aos administradores municipais (não eleitos e tendo como o horizonte a campanha para eventuais eleições autárquicas) na formação dos contratos públicos ao nível da administração local do Estado e, consequentemente, tornar mais eficiente e menos burocrático o processo aquisitivo ao nível dos municípios.
“Portanto, com a introdução dos limites de competência para autorização da despesa nas regras de execução do OGE 2020, fica revogado o Decreto Presidencial nº 282/18, de 28 de Novembro, que em 2018 actualizou os limites de competência para autorização da despesa, que eram, até à data, definidos pela Lei dos Contratos Públicos”, adianta ainda a nota.
O documento destaca também que o limite de pagamento inicial dos contratos de aquisição de bens e serviços passa de 15% para 50%, mantendo-se a mesma percentagem de 15% para os contratos de empreitadas de obras públicas.
Com o decreto fica também criada uma regra genérica, que define a percentagem de receita a consignar às Unidades Orçamentais (UO), fixando-se em 60% a reverter para as UO e 40% a favor da Conta Única do Tesouro (CUT), quando nada estiver fixado nos respectivos estatutos ou diplomas de fixação das taxas.
O Ministério das Finanças deverá também anular, ao invés de cativar, as dotações orçamentais de todos os projectos de investimento público, cujos vistos aos contratos sejam recusados pelo Tribunal de Contas.
Nas novas regras, todas as facturas ou documentos equivalentes que sejam enviados fora do prazo para pagamento das despesas pela UO, deverão ser remetidas para a Inspecção-Geral da Administração do Estado, para os devidos efeitos legais.
As UO e os seus órgãos dependentes, que não submetam o relatório de prestação de contas, em obediência ao princípio da transparência, vão ter condicionadas a afectação de recursos financeiros para o mês seguinte, de acordo com as novas regras.
O Ministério das Finanças realça igualmente a criação de uma regra genérica sobre a necessidade de se dar seguimento ao processo de regularização dos atrasados, mediante celebração de acordos de regularização com os credores.
O MPLA não brinca em serviço
O gradualismo eleitoral divide o MPLA, no poder desde 1975, e o principal partido da oposição que o regime (ainda) permite que vá dando, sob estrito controlo, alguns palpites, a UNITA, que defende que as eleições decorram ao mesmo tempo em todos os municípios.
O Executivo defende a realização da votação, numa primeira fase, em apenas alguns municípios, que ainda não explicitou. A UNITA defende a realização simultânea das autárquicas em todos os 164 municípios do país.
Isso mesmo foi reafirmado pelo líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, que considerou a divergência como a “maior separação” que o partido tem face ao Governo, que defende a realização gradual das eleições, com uma primeira fase que era para ser 2020, a segunda em 2025 e a terceira em 2030.
O MPLA, pela voz do Américo Kuononoka, diz que o partido tem em conta o cumprimento da Constituição (que para o caso dá jeito referir), que prevê o gradualismo nas autárquicas, argumentando que o facto de Angola ter passado por longos anos de guerra atrasou o desenvolvimento e a presença do Estado em muitas regiões angolanas.
Para Américo Kuononoka, o “mais sensato é fazer uma experiência piloto”. Lembrou que as autarquias devem estar capazes para ter uma gestão, arrecadação de recursos de sobrevivência e recursos humanos, o que não se verifica ainda.
“O partido Estado continua a distrair as pessoas com conceitos, visões e terminologias que subvertem a democracia”, afirmou no dia 16 de Julho de 2018 Isaías Samakuva quando discursava na abertura de um seminário sobre autarquias locais, que contou com convidados de Moçambique e Cabo Verde.
“Ora dizem-nos não haver condições para realizar eleições autárquicas nos mesmos municípios onde já se realizam eleições gerais. Ora dizem-nos não haver infra-estruturas nos mesmos municípios onde já funcionam administrações municipais com gestores públicos que não representam as populações nem prosseguem os interesses públicos locais. Ora dizem-nos não haver recursos nos mesmos municípios onde produz riqueza nacional”, criticou Isaías Samakuva.
Para o então líder da UNITA, “o tempo dos bairros sem saneamento básico, que se tornaram viveiros da malária e da cólera, acabou”, bem como o da falta de escolas “só porque os governantes desviam o dinheiro da educação”.
“O tempo das casas sem água potável canalizada e sem energia para iluminação acabou. O tempo dos administradores de um só partido, não eleitos pelo povo, acabou. O tempo dos roubos institucionalizados e do lixo a céu aberto, à vista de todos, sem pudor nem controlo, acabou”, afirmou (com uma grande dose de ingenuidade política) Isaías Samakuva.
Na sua intervenção, Isaías Samakuva disse que era “prioridade número um” do seu partido “assegurar a institucionalização efectiva das autarquias obrigatórias, as autarquias municipais, em todo o país, em 2020, como anunciou o Presidente da República e combater a subversão do gradualismo que tem sido pregado dentro e fora do país”.
“Os angolanos todos, de Cabinda ao Cunene, devem ser informados e mobilizados para rejeitar as autarquias do MPLA (o único partido que governou o país desde a independência) e o seu gradualismo distorcido. Queremos as autarquias do povo, sem gradualismo distorcido”, disse.
O que quer (e assim será) o MPLA
Os presidentes de Câmara e restantes órgãos autárquicos em Angola vão ser eleitos para mandatos de cinco anos, mas só nas quartas eleições, previsivelmente em 2035, é que o processo deverá estar concluído em todo o país. Gradualismo, diz o MPLA.
O presidente da Câmara Municipal, bem como os secretários da câmara, os secretários comunais e de distrito urbano, designados pelo líder eleito do município, “exercerão as suas funções em regime de exclusividade”, contrariamente aos eleitos à Assembleia Municipal, que ficam em regime de voluntariado, com direito a senhas de presença por reunião.
À Câmara Municipal cabe o poder executivo, enquanto a fiscalização é assegurada pelo plenário da Assembleia Municipal.
Actualmente, o poder local em Angola é garantido por administradores municipais designados pelos 18 governadores provinciais, por sua vez nomeados e exonerados pelo Presidente da República. Democracia “made in MPLA” em toda a sua plenitude.
A legislação proposta pelo MPLA refere que “após a institucionalização de cada autarquia local”, com a eleição dos respectivos órgãos, “observa-se um período de transição de três meses” entre a Administração Municipal, central, e a nova administração autárquica.
“Durante o período de transição a Administração Municipal procede à passagem das pastas e do património e presta toda a colaboração necessária com vista um melhor enquadramento por parte da administração autárquica”, lê-se ainda.
De acordo com a proposta de Lei Sobre a Institucionalização das Autarquias Locais, está prevista uma “experiência inicial”, com a criação de autarquias, entre os actuais mais de 170 municípios do país, com base em alguns critérios.
“O processo de implementação das autarquias locais passa pelo reforço da desconcentração administrativa”, acção que o Executivo se propôs começar a realizar em 2018. A desconcentração começaria pela transferência de competências e recursos humanos e financeiros para os municípios, pela aprovação dos planos de desenvolvimento municipal.
No modelo proposto pelo Governo (o único com “força” de lei) e contestado pelos partidos da oposição, que reclamam eleições em simultâneo em todo o país, serão escolhidos para integrarem as primeiras eleições “alguns municípios” que “apresentem níveis de desenvolvimento sócio-económico e de infra-estruturas expressivos no quadro da respectiva província”.
Serão também escolhidos alguns municípios rurais, com pelo menos 500.000 habitantes, desenvolvimento sócio-económico e um historial de capacidade de arrecadação de receita de pelo menos 15% face à média da despesa pública orçamental nos últimos três anos.
E ainda alguns municípios com menos de 50.000 habitantes, que apresentem segmentos de economia local específicos, e estruturados, além de, igualmente, um historial de arrecadação de receita de pelo menos 5% face à média da despesa pública orçamental nos últimos três anos.
Serão igualmente escolhidos “alguns municípios com fraca capacidade de arrecadação de receita”, que possuam um mínimo de 250.000 habitantes, outros “com grande expressão e particularidades culturais, tendencialmente do interior do país” e outros que apresentem “dinâmicas de desenvolvimento local assentes na agricultura e pecuária”.
O que tem dito a UNITA
“D efendemos que todas as autarquias obrigatórias, as autarquias municipais, devem ser criadas ao mesmo tempo, junto com as autarquias supra municipais, que poderão assumir a forma de Regiões administrativas. Luanda e Cabinda são sérios candidatos para este novo Estatuto de autonomia local, nos marcos da Constituição. Os primeiros órgãos destes dois tipos de autarquia deverão ser eleitos em 2020. O desempenho das autarquias municipais e das suas relações institucionais é que ditarão a oportunidade para a criação das autarquias inframunicipais”, afirmava o Presidente da UNITA.
Ainda enquanto Presidente da UNITA, Isaías Samakuva referia que: “Defendemos o universalismo geográfico e o gradualismo funcional: As autarquias introduzem-se simultaneamente em todo o país, o que significa fazer eleições locais em que todos os angolanos possam votar, tanto os filhos dos indígenas como os filhos dos portugueses e de outros ascendentes dos angolanos. Ninguém deve ser excluído do exercício do direito fundamental de sufrágio, consagrado pelo artigo 54.º da Constituição”.
De acordo com o então líder da UNITA, “certas competências, como por exemplo o embelezamento de espaços públicos, recolha de resíduos sólidos, bibliotecas, construção de escolas primárias, podem certamente ser transferidas imediatamente para todos os Executivos Autárquicos”.
“Outras competências, tipicamente de responsabilidade local – como a canalização de água, pavimentação de vias principais, iluminação pública, policiamento local – estão possivelmente fora do alcance de muitas autarquias rurais, mas dentro da capacidade de gestão dos governos locais das cidades maiores”, afirmou.
Isaías Samakuva exprimiu também a convicção de que as autarquias locais em Angola são autoridades autónomas que promovem o desenvolvimento económico e social das famílias e atraem o investimento para garantir o crescimento económico a nível local e regional.
Além de emprego a gerar com a implantação das autarquias, um número muito significativo de serviços públicos será prestado às comunidades, significando que que consideráveis investimentos públicos em equipamentos colectivos, sistemas de abastecimento público e redes de logística, transportes, água, luz e comunicações reforçarão a importância socioeconómica da administração autárquica.
“Defendemos que a nova administração autárquica tenha sob sua jurisdição dezenas de serviços municipalizados de interesse local que tenham por objecto explorar, sob forma industrial, algumas das actividades seguintes: captação, condução, e distribuição de água potável; produção, transporte e distribuição de gás de iluminação; aproveitamento, depuração e transformação de esgotos, lixos e detritos; construção e funcionamento de mercados, frigoríficos, balneários, estabelecimentos de águas mineromedicinais, lavadouros públicos, transporte, distribuição e venda de carnes verdes e transportes colectivos de pessoas e mercadorias”, dizia Samakuva.
Estes serviços, segundo o na altura Presidente da UNITA, “são criados pela Assembleia Municipal e poderão ser geridos por um Conselho de Administração. São verdadeiras empresas públicas municipais que, não tendo personalidade jurídica, estão integrados na pessoa colectiva autárquica”.
A UNITA considerava ainda que as autarquias devem ter “um quadro de pessoal técnico e administrativo permanente à sua disposição, que, em alguns casos, por economia ou escassez de recursos, pode estar vinculado a outras autarquias ou ao poder central. É importante manter uma capacidade técnica que sustente a autarquia e os seus serviços, enquanto a direcção geral é dos políticos”.
Entretanto, a UNITA defendia também que “tudo deve ser feito para se evitar a politização ou partidarização das autarquias. Elas são instituições territoriais públicas, prestadoras de serviços para todos os residentes, e não “pertencem”, de nenhuma forma, ao partido que estiver a governar. Pelo contrário, a autarquia é permanente, enquanto o seu Presidente e a sua Assembleia exercem mandatos temporários por escolha dos cidadãos”.
Folha 8 com Lusa