Em vez de ser aos poucos, morramos de uma só vez

O presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Sebastião Pai Querido Gaspar Martins, disse hoje, em Luanda, que está concluído o trabalho técnico para a retirada de subsídios aos combustíveis, cabendo agora a decisão final ao governo. O aumentou do preço dos combustíveis vai ajudar à implosão da vida dos angolanos.

Os subsídios custam à petrolífera do Estado cerca de 1,6 milhões de euros anuais e sua estrondosa actualização é uma questão na ordem do dia há alguns anos.

“Todo o trabalho técnico está feito e agora cabe a concertação final, a ser feita entre os órgãos de decisão”, disse Sebastião Gaspar Martins em declarações à Rádio Nacional de Angola, reiterando que cabe “a todos os órgãos que interferem na decisão, no momento próprio para isto ocorrer, dizerem quando é que esta alteração poderá ser feita”.

O responsável disse acreditar que o processo poderá ser feito de forma paulatina, frisando que o peso desta subvenção é “muito elevado”.

“Temos tido efeitos que chegam a 1,5 mil milhões de dólares (1,2 mil milhões de euros) ou 2 mil milhões de dólares (1,6 mil milhões de euros)”, disse o PCA da Sonangol.

Em Março deste ano, a ministra das Finanças, Vera Daves, garantiu que a retirada dos subsídios aos preços dos combustíveis será feita, mas com a devida cautela face ao seu impacto.

“Por isso estamos a reflectir até agora, queremos evitar que o impacto seja muito forte, queremos assegurar que o impacto seja o menor possível”, disse na altura a ministra explicando que é por este motivo que a decisão ainda não foi tomada.

“Não queremos chegar a um cenário em que uma família chegue ao meio do mês sem dinheiro para pagar o transporte, para poder ir trabalhar ”, exemplificou.

Por causa disso, estão a reflectir profundamente sobre os impactos e a cadência. Se será faseado e a quantidade de fases. Quando começa e o que deve ser feito para que, no final do dia, as famílias sintam menos o impacto negativo a curto prazo.

Internamente, a discussão continua e já decorreram várias outras a nível da equipa económica, aguardando agora pela outra “derradeira”, para se tomar uma decisão.

Sem avançar o período, disse terem consciência sobre a importância da remoção, devido a um conjunto de factores, entre os quais, o facto de a Sonangol pedir compensação fiscal às Finanças por esta estar a absorver o custo da subvenção no seu balanço.

O Ministério das Finanças ao conceder tal compensação deixa de executar um conjunto de bens e serviços, como no domínio social, que acabam por não serem efectuados devido ao imposto que a Sonangol não paga fruto da compensação.

“Estamos a deixar de realizar despesas importantes por causa deste subsídio”, afirmou a titular as Finanças

Outra questão que se levanta para a remoção do subsídios é a diferença dos preços que promove a especulação.

De acordo com a governante, existe um diferencial entre o preço que é praticado nos países vizinhos e o de Angola, e quantidades consideráveis de combustíveis a serem comprados, que são pagos pelos contribuintes angolanos para depois serem vendidos a países vizinhos.

“Temos todos de saber se queremos continuar a subvencionar os países vizinhos”, questionou a titular. Pesquisas feitas dão conta o Estado gasta mais de 3,5 mil milhões de dólares, anualmente, com a subvenção aos preços dos combustíveis.

Em Junho de2018, o FMI estimou que os preços da gasolina e do gasóleo precisariam ser ajustados em 100%, para eliminar os subsídios que são actualmente absorvidos pela Sonangol.

Tal como no período entre 2014 e 2016, em que o Governo já reduziu os subsídios aos preços, este ajustamento, segundo a missão do FMI, “poderá ser implementado gradualmente ao longo dos próximos oito meses” (estávamos, recorde-se, em Junho de 2018), de forma a “suavizar o impacto na inflação” que estava acima dos 20%.

Ao abrigo desta estratégia, os restantes subsídios ao combustível em 2018 “seriam parcialmente absorvidos pela Sonangol”, através de margens de lucro e comercialização mais baixas e em parte pelo Orçamento Geral do Estado (OGE), que alocou 0,75% do Produto Interno Bruto para gastos com estes subsídios a preços, recorda o FMI.

No OGE para 2018, o Governo inscreveu uma verba de 187.273 milhões de kwanzas (670 milhões de euros), apenas para a rubrica de “subsídios a preços”, essencialmente combustíveis.

Para o FMI, ajustar o valor de venda dos combustíveis serviria para “reflectir as mudanças nos preços internacionais” e na taxa de câmbio, introduzindo “um mecanismo automático de ajuste de preços”.

Apesar de ser um dos maiores produtores de petróleo em África, Angola importa cerca de 80% dos combustíveis que consome, devido à reduzida capacidade de refinação interna. Esta realidade aliada à inexistente diversificação da economia, apregoada pelo MPLA há dezenas de anos mas que, na verdade, continua a ser uma miragem.

Recorde-se que o ex-presidente da Sonangol, Carlos Saturnino, admitiu a 13 de Junho de 2018 que o Governo estava a avaliar a possibilidade de aumento do preço dos combustíveis, para responder à variação do câmbio ditada pelo mercado internacional.

O responsável avançou que a actualização dos preços dos produtos refinados seria realizada numa acção conjunta entre diferentes entidades, nomeadamente a parte empresarial e de gestão governativa, tomando-se em consideração muitas variáveis, sobre as componentes do preço de cada um dos produtos.

“Neste momento, podemos informar que existem faz algum tempo, embora não tenha sido noticiado, equipas de trabalho entre as entidades empresariais do grupo Sonangol e o Governo liderado pelo Ministério das Finanças, estão a trabalhar há várias semanas senão meses, porque o assunto é complexo”, referiu.

Carlos Saturnino Reforçou que o assunto envolve “aspectos de índole empresarial, em termos de custos”, havendo ainda os de cariz macroeconómicos, “como a inflação, ambiente empresarial, custo de vida da população, nível de rendimento salariais”.

Sobre se haveria e quando aumento do preço dos combustíveis, Carlos Saturnino remeteu o assunto para o Ministério das Finanças.

“Não sei se os preços vão subir, seria muito prematuro a Sonangol fazer uma afirmação desse género”, disse, acrescentando que, “isto é assunto que o Ministério das Finanças em algum tempo poderá pronunciar-se”.

O gasóleo deixou de ser comparticipado pelo Estado em 1 de Janeiro de 2016, passando ao regime de preço livre, tal como acontecia desde Abril de 2015 com a gasolina.

Estas alterações – quarto aumento de preços em menos de dois anos – foram então implementadas pela Sonangol, com o litro de gasóleo a passar a custar 135 kwanzas, face aos anteriores 90 kwanzas. Em simultâneo, o preço do litro de gasolina – que já estava em regime de preço livre – passou a custar 160 kwanzas, contra os anteriores 115 kwanzas.

Angola gastou mais de 1.200 milhões de euros para manter os preços dos combustíveis artificialmente baixos em todo o ano de 2015, segundo dados do Governo.

De acordo com a Conta Geral do Estado de 2015, publicada em Março de 2018 pela Assembleia Nacional, em causa estiveram subvenções públicas atribuídas aos diferentes combustíveis derivados do petróleo através da Sonangol. Ascenderam em todo o ano de 2015 a 185.470 milhões de kwanzas (1.248 milhões de euros).

Estas subvenções envolveram, além da concessionária angolana Sonangol, também a venda de combustíveis nas empresas privadas Sonangalp (parceria da Sonangol com a portuguesa Galp) e Pumangol.

Só em 2013, antes do início da crise petrolífera que ainda afecta as finanças do país, Angola gastou 710 mil milhões de kwanzas com estes subsídios, o equivalente à taxa de câmbio de então, a cerca de 6.000 milhões de euros, mas o Governo, conforme sugerido pelo FMI, iniciou um programa de reforma das subvenções aos combustíveis.

O aumentou do preço dos combustíveis vai ajudar à implosão da vida dos angolanos num momento particularmente difícil para a vida de todos, principalmente dos que se consideravam da classe média.

“Esta actualização reflecte a compromisso do Governo em continuar a melhorar a despesa e eliminar, de forma gradual, os subsídios que incidem sobre os preços fixados de venda ao público”, sublinhará o Ministério das Finanças, indiferente ao impacto brutal que esse aumento terá na vida dos angolanos.

Recorde-se que o aumento dos preços dos combustíveis em 2014 surgiu precisamente três dias depois de uma missão do FMI ter iniciado uma visita de trabalho a Angola, para – como agora, como sempre – prestar assistência técnica ao Governo na reforma do programa de subsídios aos combustíveis.

De acordo com informação do Ministério das Finanças, de 24 de Setembro de 2014, esta missão pretendia “avaliar” a estrutura e a incidência de subsídios angolanos à energia, os efeitos sobre competitividade e “propor uma estratégia que permite uma redução” nesses apoios “que compense o custo social e económico” da sua remoção.

Recorde-se que durante a visita que promoveu a Angola entre 14 e 16 de Setembro de 2014, o director-geral adjunto do FMI, Naoyuki Shinohara, assumiu a disponibilidade da instituição no apoio técnico ao executivo angolano, defendendo uma revisão da política de subsídio aos combustíveis, para “racionalizar” os recursos financeiros públicos e alargar os apoios sociais, recordando que estes custavam 4% PIB.

Uma “racionalização” destes subsídios, disse Naoyuki Shinohara, permitiria, por exemplo, “libertar recursos” para expandir a rede social angolana ou fortalecer o sector petrolífero a médio prazo.

Do ponto de vista interno, continuando o MPLA firmemente colocado e colado ao Poder, a ordem superior volta a ser a de o Governo trabalhar para os poucos que têm milhões, mandando os milhões que têm pouco… ou nada para as lavras procurar mandioca. Não cumpre as promessas e nem se preocupa.

Se os angolanos catalogassem as promessas feitas e não cumpridas não fariam, certamente, outra coisa.

E com a subida dos combustíveis os aumentos dos restantes produtos vão acontecer em cadeia. Num país onde a energia normal é o gerador, tudo, absolutamente tudo, vai aumentar de custo para a maioria dos autóctones, com realce para os mais pobres que, apesar de poucos (os tais 20 milhões), merecem respeito.

Quando as contas dão zebra pelos enormes desvios praticados pela legião de corruptos alojados no poder ou vivendo da babugem inerente, logo vem a solução miraculosa de tirar a quem pouco tem para dar a quem tudo tem. Era assim nas monarquias absolutistas, é assim nas ditaduras monárquicas como a nossa.

Em Angola quem sente o aumento é a maioria que tem um gerador porque, importa não esquecer, é a única forma de contornar a incompetência do regime em fornecer energia eléctrica. É claro que o problema não se coloca aos dirigentes políticos e militares que recebem senhas, tendo alguns um plafond ilimitado. Não é raro ver que nos quartéis, por exemplo, os altos dirigentes atestam sempre que querem as viaturas da mulher, dos filhos, dos irmãos, dos primos, dos tios, das amantes etc..

E nesse inevitável aumento em cadeia, lá vão subir os preços das propinas, do pão, porque 99,9 % das padarias funcionam com gerador. Os produtos agrícolas, o peixe, a fuba, tudo vai mesmo ficar pela hora da morte. Mas só fica para a esmagadora maioria. Os outros, os que mandam, nem dão conta disso.

É claro que o regime está a escancarar as portas e as janelas para o início das grandes e ininterruptas manifestações populares em busca da sua soberania.

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