Críticas da oposição,
servilismo do MPLA

O grupo parlamentar da UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite que existe em Angola, deu hoje “cartão vermelho” ao discurso do estado da Nação proferido pelo Presidente, João Lourenço, na Assembleia Nacional, considerando “uma mão cheia de nada”, afirmação assertiva e coincidente com a análise feita pelo Folha 8.

O protesto foi realizado no final da cerimónia de abertura do novo ano legislativo, na qual o chefe de Estado angolano (não nominalmente eleito e também Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo) profere, por imperativo constitucional, um discurso sobre o estado da Nação.

Em declarações à imprensa, o segundo vice-presidente do grupo parlamentar da UNITA, Maurílio Luyele, considerou o discurso “um retrato pouco fiel daquela que é a situação real do país”.

“O Presidente apresentou uma economia dinâmica, que, no entanto, não traz pão para as nossas mesas, as dificuldades todas são conhecidas e por essa razão a nossa apreciação é negativa, manifestada por este cartão vermelho”, referiu.

Maurílio Luyele criticou igualmente o facto de o Presidente não se ter comprometido quanto ao processo eleitoral autárquico, dizendo apenas que “seria uma irresponsabilidade realizar as autarquias antes do fim do ano”.

João Lourenço disse no seu discurso que as eleições autárquicas previstas para este ano, “não foram adiadas, porque nunca foram convocadas”, salientando que seria “irrealista e irresponsável” realizar o sufrágio este ano. Aliás, apesar de independente há 45 anos, 18 dos quais em paz total, o MPLA sempre considerou “irrealista e irresponsável” realizar o sufrágio, descobrindo sempre razões para justificar a manutenção do “statu quo” de quem não abdica do Poder.

“Claro, convocadas nunca foram mas havia um compromisso de realizá-las este ano de 2020. A convocação é o acto oficial que seria realizado, mas havia um compromisso assumido de realizá-las este ano”, referiu Maurílio Luyele.

O deputado afirmou que “condições criam-se”, salientando que “o momento no sentido do adiamento de eleições autárquicas é anterior à pandemia” de Covid-19. Em boa verdade, importa recordar à UNITA que antes da Covid-19 tínhamos (e temos) um outro vírus igualmente mortal e resistente, o agora chamado MPLA-45.

“Nós sentimos isso e já em Janeiro nós referimos isto, antes que se tivesse instalado com toda a pujança a pandemia da covid-19”, frisou.

O chefe de Estado abordou a realização das eleições autárquicas este ano, como tinha sido recomendado pelo Conselho da República em 2018 e “acatado” pelo executivo, mas salientou não haver condições por não estar concluído o pacote legislativo necessário.

“Não parece justo e correcto dizer que as eleições foram adiadas. Não se adiam eleições que nunca foram convocadas e não se convocam eleições sem que assentem numa base legal sob pena de não serem consideradas válidas”, afirmou João Lourenço, numa alusão às críticas da oposição, que acusa o Governo do MPLA de quebrar a promessa sobre as autarquias.

João Lourenço garantiu que “todos” estão interessados na realização dessas eleições, que vão acontecer pela primeira vez em Angola e que farão “emergir um novo tipo de poder, que com certeza vai aliviar, em muito, o peso da responsabilidade que hoje recai sobre o Estado na resolução dos problemas quotidianos que afligem o cidadão”.

Mas destacou, por outro lado, que “todos”, desde o executivo, ao parlamento, partidos políticos, a Comissão Nacional Eleitoral e sociedade civil, são responsáveis pela criação das condições necessárias “para garantir o sucesso deste processo”, que afirma estar mais próximo de se concretizar do que em 2018. João Lourenço, se não fosse tão modesto, poderia mesmo dizer que as eleições estão mais próximas do que em 2017, 2002, 1992, 1977, 1975…

“Acredito que todas as instituições aqui citadas são idóneas a ponto de não defenderem a realização das eleições antes do fim do corrente ano, porque seria irrealista e de uma grande irresponsabilidade”, apontou.

Em declarações à imprensa, o deputado da CASA-CE, Manuel Fernandes, sublinhou que o seu grupo parlamentar não ficou satisfeito com o discurso do Presidente, porque queria dados concretos sobre as autárquicas.

“O Presidente da República pura e simplesmente justificou, e defendeu-se, que a sua não concretização não é da responsabilidade dele, mas acha que deve haver uma envoltura mais abrangente”, disse.

Relativamente ao relato sobre o Estado da Nação, Manuel Fernandes considerou que o discurso foi generalista, que devia ter sido muito mais incisivo nas questões apresentadas, sobretudo no que diz respeito à questão das autárquicas.

“O ideal seria ver o Presidente apontar um cronograma que visasse a realização das eleições autárquicas pelo menos no próximo ano”, referiu.

Sobre o combate à corrupção, o deputado da CASA-CE frisou que João Lourenço deixou esperanças e garantias de que à medida que se vai combatendo e descobrindo o desfalque feito serão anunciados os resultados, acrescentando que o importante é que “se consiga devolver ao Estado aquilo que foi surripiado”.

Também o deputado da UNITA, Raul Danda, disse que o chefe de Estado angolano passou igualmente muito a leste de questões ligadas à pobreza, juventude, desemprego, “que é terrível, galopante”, sobretudo no que diz respeito às soluções.

O parlamentar considerou “muito fraquinhos” os argumentos sobre o combate à corrupção e à impunidade, por não haver informações sobre o valor real e o estado em que se encontram as empresas que estão a ser entregues ao Estado, como aconteceu na quarta-feira com os generais Hélder Vieira Dias “Kopelipa” e Leopoldino “Dino” do Nascimento.

Por seu turno, o deputado do MPLA (no poder há 45 anos) João Pinto considerou o que já se sabia que ia considerar mesmo que João Lourenço não tivesse discursado. Ou seja, foi um discurso “realista e com muito suco”, felicitando o Presidente pela intervenção “substantiva” e “serena”.

Sobre a insatisfação dos seus colegas da oposição por não haver ainda um horizonte temporal para se realizar as primeiras eleições autárquicas, João Pinto realçou que “faz parte do jogo democrático”, apelando a que mantenham esperança, porque o momento é de dificuldades.

Quanto ao combate à corrupção, João Pinto afirmou que os dados apresentados mostram seriedade, pois havia dúvidas sobre se era possível recuperar bens de figuras que tinham “uma ligação com o partido no poder ou com o poder, de forma muito consolidada”.

O líder da bancada parlamentar do Partido de Renovação Social (PRS), Benedito Daniel, disse que a sua expectativa era que o Presidente avançasse uma data para as eleições autárquicas, “porque isso ia ajudar os partidos políticos a fazerem o seu calendário e a prepararem-se”.

Por sua vez, Lucas Ngonda, da representação da FNLA, lamentou que João Lourenço não tenha referido se as eleições autárquicas se vão realizar “amanhã ou depois”, rebatendo a falta de condições para a realização do sufrágio.

“O Presidente da República devia dar um horizonte, dizer que este ano não, mas talvez não tenha querido mais assumir esse risco, porque já o tinha assumido, portanto, é compreensível”, disse Lucas Ngonda, para quem o resto do discurso foi de balanço.

Folha 8 com Lusa

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