Jovens angolanos manifestaram-se hoje preocupados pela forma como o Governo angolano está a gerir a Covid-19, admitindo a existência do que consideram de “casos ocultos e que os números apresentados estejam aquém da realidade”. Também O Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (SINMEA) defendeu, em Luanda, que os investimentos para a Covid-19 sejam os mesmos do que para a malária, doença que mais mata no país. E a procissão ainda não chegou ao adro…
A preocupação dos jovens foi apresentada hoje em conferência de imprensa conjunta promovida em Luanda pelas organizações juvenis de partidos políticos na oposição com assento no Parlamento e o Movimento dos Estudantes Angolanos (MEA).
No documento apresentado pelo secretário-geral da Juventude Unida e Revolucionária de Angola (JURA), braço juvenil da UNITA, Joaquim Kamuango, a juventude angolana diz, no entanto, “valorizar todo o esforço empreendido até agora pelo Governo para evitar a propagação da pandemia”.
Segundo o líder da juventude da UNITA, o maior partido na oposição que o MPLA ainda permite que exista, a “entrada no país de cidadãos cuja quarentena foi observada apenas após terem infectado outros abre a possibilidade da existência de casos ocultos”.
“Há, por isso, toda a necessidade de se efectuar testes comunitários para se aferir a real situação epidemiológica do nosso país”, pedem, considerando, por outro lado, que a capacidade de testagem em Angola “é muito baixa”.
Além da JURA e do MEA, a Juventude Patriótica de Angola (JPA), a Juventude do Partido de Renovação Social (JURS) e a Juventude da Frente Nacional de Libertação de Angola (JFNLA) foram os outros promotores desta conferência de imprensa.
Os líderes juvenis apelaram igualmente ao Governo que, “não obstante a Covid-19, seja dada maior atenção às doenças tropicais, que mais mortes provocam no nosso país, sobretudo a malária e a tuberculose”. “Assistimos todos os dias à morte de dezenas de angolanos, muitos deles jovens e crianças”, sustentam.
Para os jovens angolanos, o alegado silêncio das autoridades angolanas “parece um sinal de algum desinteresse” quando, realçam, “se canalizam milhões de kwanzas apenas para o combate da Covid-19, esquecendo-se de outras doenças”.
Na ocasião, os jovens, afectos aos partidos políticos na oposição e ao MEA, manifestam também preocupação com “os excessos da polícia nacional” perante civis: “Há mais mortes de cidadãos indefesos e na sua maioria jovens, abatidos pela polícia, do que mortes pela Covid-19”.
Os jovens admitiram “partir para actos de protesto, como forma de exigir o respeito pela vida” e apelaram ainda à polícia a actuar dentro dos limites estabelecidos pela Constituição.
Angola, que desde 26 de Maio vive situação de calamidade pública, conta actualmente com 142 casos positivos da covid-19, sendo 72 activos, seis óbitos e 64 recuperados.
A nível global, segundo um balanço da AFP, a pandemia de Covid-19 já provocou mais de 434 mil mortos e infectou quase oito milhões de pessoas em 193 países e territórios.
Noutra frente do (mesmo) combate, o Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (SINMEA) defendeu, em Luanda, que os investimentos para a Covid-19 sejam os mesmos do que para a malária, doença que mais mata no país.
Segunda-feira, como o Folha 8 noticiou, em conferência de imprensa para reclamar as injustiças contra a classe médica (angolana), o presidente do SINMEA, Adriano Manuel, questionou o comprometimento que as autoridades angolanas têm com o país, tendo em conta “o dinheiro que se gastou para resolver, até recentemente, no caso do novo coronavírus”.
“Morrem mais pessoas de malária no país, de doenças do foro respiratório, de tuberculose, por causa do HIV, actualmente temos cada vez mais pobres no nosso país, e por isso há má nutrição crónica, cada vez mais”, lembrou o médico.
Angola registou no primeiro trimestre deste ano, segundo dados do Programa Nacional de Luta contra a Malária, 2.548 mortes, de um total de 2.065.673 casos.
Para o sindicalista, a aposta governamental deveria ser para a medicina preventiva, mas, ao contrário, os investimentos são para a medicina curativa.
“Os governantes angolanos costumam vangloriar-se com os altos hospitais que estão a construir, os altos equipamentos, mas o que mata neste país são doenças preveníveis, 95% das patologias no nosso país são preveníveis”, frisou.
Segundo Adriano Manuel, nunca se investiu tanto na saúde durante a actual governação como se faz agora.
“Nunca se criou uma comissão interministerial para se resolver o problema da malária, que é o que mata mais, da má nutrição, que é o que está a matar mais, mas temos uma comissão multiministerial que está a investir milhões e milhões de dólares”, referiu o sindicalista, lembrando que um doente de Covid-19, segundo informações da ministra da Saúde, custa em média 16 milhões de kwanzas (cerca de 23.500 euros), enquanto que o doente da malária nem metade custaria.
“E este doente que está em quarentena está assintomático, mas gasta-se 16 milhões de kwanzas, isto é uma aberração, e temos pessoas a morrer nos nossos hospitais”, vincou.
O presidente do SINMEA sublinhou que não descura a gravidade da pandemia, contudo, é preciso que se dê atenção ao mesmo tempo às doenças que mais matam no país.
“Vale referir que a Europa tem comorbidades que nós não temos, por isso é que eles estão a morrer mais do que nós, as doenças da Europa são diferentes das nossas”, salientou, reiterando que “é muito dinheiro que se está a gastar com a Covid-19, deixando de fora a malária, a má nutrição crónica, as doenças respiratórias agudas”.
De acordo com o médico, diariamente a pediatria de Luanda regista uma média de cinco a seis mortes e nos outros hospitais o número é maior.
“Vão para os cemitérios e vão ver as entradas, quantos cadáveres entram nos cemitérios, nenhum deles é de coronavírus”, realçou.
Covid-19, malária… MPLA
No dia 7 de Abril, o Folha 8 perguntava: “Será que a Covid-19 deu xeque-mate à malária?” É que, nesse dia, o Governo avançou com a requisição civil de todos os médicos e enfermeiros reformados dos sectores público e privado, de acordo com um despacho assinado pela ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta.
A requisição civil enquadrou-se nas medidas de excepção e temporárias para a prevenção e controlo da pandemia de Covid-19, segundo o despacho.
Os profissionais requisitados apresentaram-se nos locais e dias definidos pelos gabinetes provinciais de Saúde da sua área de residência, e estes, após avaliação, distribuíram-nos pelos centros de quarentena ou unidades de referência de tratamento de doentes com Covid-19.
O Ministério da Saúde irá pagar salários e subsídios de acordo com a categoria de saída de cada profissional. Os gabinetes provinciais irão definir as modalidades do regime de trabalho e terão de reportar ao Ministério da Saúde a implementação do despacho.
A malária, doença que tem ceifado a vida de milhares de pessoas e que constitui uma emblemática demonstração da incompetência governativa do MPLA nos últimos 45 anos, pode ser eliminada em Angola até 2030, admitiu em Luanda o coordenador nacional do Programa de Luta Contra a Malária, José Martins, numa mesa-redonda inserida nas Primeiras Jornadas Multidisciplinares do Hospital Geral de Luanda. Recorde-se que no dia 25 de Abril de… 2012 o Jornal de Angola dizia em manchete: “Malária em Angola em vias de extinção”.
A malária é a principal causa de morte em Angola e é igualmente a responsável pela maior taxa de absentismo escolar e profissional. A doença representa cerca de 35% da demanda de cuidados curativos, 20% de internamentos hospitalares, 40% das mortes perinatais e 25% de mortalidade materna.
O quadro epidemiológico de Angola é caracterizado por doenças transmissíveis e parasitárias, com destaque para as grandes endemias como a malária, o HIV/SIDA e a tuberculose, juntando-se as doenças tropicais negligenciadas, como tripanossomose humana africana. O norte do país continua a ser mais afectado devido às suas características geográficas, sendo as regiões mais endémicas as províncias de Cabinda, Zaire, Uíge, Cuanza Norte e Sul, Malange, e as Lundas Norte e Sul.
Os principais desafios da malária em Angola que descreveremos a seguir têm como base os dados do Plano Nacional de Desenvolvimento Sanitário 2012-2025, aprovado pelo Executivo, e a Declaração de Abuja (2000) da qual Angola é subscritora.
– Redução da mortalidade infantil resultante da doença. Em cada mil crianças que completam o primeiro ano de vida, 25 morrem entre o primeiro e o quinto aniversário. Numa comparação com cinco países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) – Namíbia, Zâmbia, República Democrática do Congo, Lesoto e Moçambique -, o inquérito revela que Angola está atrás apenas da Namíbia.
– Pulverização intra e extra domiciliar direccionadas para os municípios tidos como de alto risco, distribuição de redes mosquiteiros e campanha de consciencialização da população sobre os métodos de prevenção à malária.
– Adopção de instrumentos legislativos no Sistema Nacional de Saúde para implementar as medidas de prevenção e controlo das emergências de saúde pública de importância nacional e internacional.
– Assegurar a formação contínua pós-graduada e a sustentabilidade de recursos humanos e de serviços de saúde de qualidade.
Actualmente, cerca de 36% da população angolana vive abaixo da linha de pobreza e com dificuldade de acesso aos serviços públicos básicos (água, saneamento, energia, saúde, educação e habitação).
O governo de Angola aderiu à iniciativa Roll Back Malária/Fazer Recuar o Paludismo (RBM), lançada por algumas Agências das Nações Unidas, como a OMS, UNICEF, PNUD e Banco Mundial em 1998, e desde então foram definidas politicas e estratégias para estar em sintonia com as componentes técnicas da declaração de Amsterdão e das metas da Declaração de Abuja sobre o combate a malária e revitalização do sistema nacional de saúde.
É importante destacar que o governo cessante liderado por José Eduardo dos Santos tomou a Iniciativa Presidencial contra a Malária em reforço ao Plano Estratégico do Programa Nacional de Controlo da Malária 2011-2015 do ministério da Saúde.
Questão de fundo: Quando é que o Executivo angolano pretende alcançar os objectivos assinados no Plano Roll Back, na Declaração de Abuja (2000) e Plano Nacional de Desenvolvimento Sanitário em relação a Malária?
Folha 8 com Lusa