Angola tem progredido no respeito pelos direitos humanos e pela liberdade de expressão, mas a repressão sobre activistas mantém-se no enclave petrolífero de Cabinda e na província diamantífera da Lunda Norte, revelou a Human Rights Watch.
No seu Relatório Mundial 2020, que contém a avaliação relativa aos direitos humanos em todo o mundo, a organização constata a evolução de Angola em 2019 no que diz respeito à liberdade de expressão e de reunião, com o Governo, chefiado por João Lourenço, a permitir várias marchas e protestos em todo o país.
No entanto, o relatório dá nota negativa à repressão sobre manifestantes pacíficos e activistas em Cabinda e na Lunda Norte.
Segundo a Human Rights Watch (HRW) entre 28 de Janeiro e 1 de Fevereiro, a polícia prendeu 63 independentistas que preparavam um protesto para assinalar o aniversário da assinatura do tratado de Simulambuco de 1885 que concedeu a Cabinda um estatuto de protectorado de Portugal.
Muitos dos activistas pertenciam ao Movimento Independentista de Cabinda, um grupo separatista pacífico que pretende a independência ou autonomia da região.
Em Março, denuncia a HRW, a polícia prendeu mais dez independentistas que se concentraram numa praça de Cabinda exigindo a libertação dos seus colegas.
A organização verificou também violação dos direitos dos habitantes e mineiros da Lunda Norte. Em Abril, a polícia disparou balas reais durante um protesto que se seguiu à morte de um mineiro, alegadamente por uma empresa de segurança privada, provocando a morte de um rapaz e ferimentos em mais três pessoas. Em Fevereiro, a polícia matou um líder local durante um protesto contra a concessão de terras a uma empresa de diamantes
Em Março, a principal organização de direitos humanos angolana, a Associação Justiça, Paz e Democracia, e líderes comunitários acusaram as autoridades de limitarem arbitrariamente os movimentos de pessoas nas áreas próximas dos campos de diamantes, forçando os habitantes a abandonarem as suas terras agrícolas.
A HRW realça, por outro lado, alguns avanços no respeito pelos direitos humanos, ainda que persistam situações de intimidação e prisões arbitrárias de activistas por parte da polícia angolana.
Os casos registaram-se no Luena (23 pessoas presas em Setembro), Benguela (sete pessoas, em Julho) e Luanda (uso de gás lacrimogéneo e cães durante uma manifestação, em Agosto e detenção do activista Hitler “Samussuku” Tshikonde por insultar o Presidente, em Maio).
O relatório dá também ênfase à aprovação de uma nova lei que limita o exercício da liberdade religiosa, exigindo que as igrejas tenham pelo menos 100.000 membros para serem oficialmente reconhecidas, levando ao encerramento de milhares de locais de culto.
A HRW aponta nomeadamente o fecho de 39 mesquitas na Lunda Norte, salientando que o Islão não é uma religião autorizada em Angola e que as mesquitas não podem funcionar na maior parte do país.
Também preocupantes, para a HRW, são a violação dos direitos relacionados com a habitação e os acidentes com minas terrestres.
Um dos aspectos positivos focados pelo relatório da HRW foi a descriminalização da homossexualidade, em Janeiro, no seguimento da aprovação de um novo código penal. O Governo angolano proibiu também a discriminação com base na orientação sexual.
Tapar o Sol com uma peneira
Em Outubro de 2019 o porta-voz do Ministério do Interior de Angola, Valdemar José, afirmou que os serviços de inteligência angolanas estavam atentos às manifestações e avisou para as consequências das mesmas, se a lei for violada.
Ainda bem que avisou. Assim se comprova, mais uma vez, que segundo o MPLA a única forma de não violar a lei é não fazer manifestações. Mas, mesmo não as fazendo, podem estar a violar a lei porque, segundo a tese do partido que nos governa há 44 anos, não fazer manifestações pode ser entendido como uma forma de… manifestação.
O subcomissário da Polícia Nacional (do MPLA), que falava no canal público do MPLA, a TPA, denunciou interesses “inconfessos” de criar instabilidade ao país e sublinhou que os angolanos têm o direito de se manifestar, mas devem cumprir a lei, depois dos apelos feitos na altura pelas redes sociais, mobilizando a população angolana para ficar em casa.
No entanto, os apelos ao protesto pacífico contra o governo de João Lourenço não tiveram efeitos visíveis em Luanda, segundo os relatos de alguns meios de comunicação social. Esquecem-se que só o simples facto de o Presidente do MPLA (por sinal também Presidente da República e Titular do Poder Executivo) ter sido impelido a falar da manifestação comprova que a mobilização, mesmo que só simbólica e académia, foi um êxito.
Recorde-se o discurso duro do Presidente da República, na abertura do congresso da JMPLA (órgão juvenil do MPLA), com João Lourenço, a acusar supostos militantes do seu partido (que, como convém, não identifica), o MPLA, de usarem dinheiros públicos desviados para pagar uma campanha contra Angola. Desviados, provavelmente, também quando João Lourenço era vice-presidente do MPLA e até ministro de José Eduardo dos Santos.
Depois, num programa informativo especial na televisão estatal (ou seja, do MPLA), a TPA, sobre o tema “Liberdade de manifestação vs. Estabilidade Social” onde os quatro participantes (um representante do Ministério do Interior, um pastor, em empreendedor e um sociólogo) apresentaram – sem contraditório como é regra em qualquer ditadura que se preze – as suas razões para que os angolanos não se juntassem ao movimento.
No programa, Valdemar José, avisou para as consequências das manifestações (algumas das quais pretendiam chegar aos órgãos de soberania, o que é proibido pela lei angolana) e considerou que alguns destes protestos são “para provocar”. Estranho. Se não for para provocar, alguém protesta? Os sipaios do MPLA lá sabem.
Os cidadãos podem manifestar-se “se respeitarem os pressupostos prévios”, incluindo comunicarem às autoridades, não se aproximarem a menos de 100 metros dos órgãos de soberania e cumprirem os dias e horas definidos, acrescentou, indicando que a Policia (que é do MPLA e não do país) “não pode permitir que os manifestantes destruam bens públicos ou ponham em causa a segurança dos cidadãos”.
O responsável da Polícia disse que alguns instigadores “já estiveram no aparelho de Estado” e têm interesses “inconfessos” de criar “instabilidade ao país”. Será que foram formados por Jonas Savimbi? Provavelmente sim.
Sobre a polémica “manifestação silenciosa”, Valdemar José afirmou que seria “um barómetro” para ver quem iria aderir às próximas manifestações. Não está mal. Portanto, que ninguém fique em silêncio, de modo a que a Polícia saiba que quem fala não faz manifestação…
O Governo considerou que violam a legislação as manifestações que se realizarem durante o dia e durante a semana, já que a lei angolana permite apenas manifestações em dias úteis, a partir das 19:00, e durante o dia, só ao sábado a partir das 13:00.
Em preparação estará legislação por parte do MPLA para que as manifestações só se possam realizar uma vez por mês, mas com várias excepções e com dias estabelecidos. Ou seja: Fevereiro dia 30; Abril dia 31; Junho dia 31; Setembro dia 31 e Novembro dia 31.
“Estas manifestações realizam-se numa segunda e numa terça-feira, querem fazer durante o dia, só para provocar”, insistiu o sipaio Valdemar José, dando assim cumprimento democrático às ordens superiores.
O porta-voz do Ministério do Interior admitiu que “há problemas sociais”, mas salientou que o executivo angolano “está a trabalhar para ultrapassá-los” e questionou “que benefícios” trazem movimentos como o apelo a ficar em casa para o país. Não. Não adiante explicar. Valdemar José teria de se descalçar para conseguir contar até 12 e isso seria inconveniente.
Folha 8 com Lusa