A empresária Isabel dos Santos negou hoje que as autoridades angolanas desconheçam o seu paradeiro ou que não a consigam contactar, afirmando que “está e sempre esteve disponível a colaborar com a justiça e prestar todos os esclarecimentos”. De facto, a Procuradoria-Geral de Angola, ou o Bureau Político do MPLA, ou até mesmo a ERCA ou a Fundação Agostinho Neto poderiam, se tivessem dúvidas, pedir ajuda a… Bruce Lee.
Em comunicado hoje divulgado, Isabel dos Santos (re)afirma que as informações de que esteja em parte incerta “são falsas” referindo que, desde Janeiro de 2020, constituiu advogados mandatados em Angola e Portugal, “com procurações forenses apresentadas e aceites pela justiça” de ambos os países. A empresária esquece-se que a PGR angolana ainda está desde essa altura à espera da tradução do conteúdo dessas procurações de português para… (o seu) português. É claro que se “haver” necessidade, o General Pitta Grós pode fazer valer o “compromíssio” assinado com a sua congénere portuguesa.
A empresária angolana, filha do ex-Presidente Emérito de Angola, José Eduardo dos Santos, sublinha também que “se fez presente em todos os autos e processos de cuja existência teve conhecimento, por diligência” própria, tanto na justiça de Portugal como na de Angola.
O Procurador-Geral da República (PGR) angolano assumiu, na sexta-feira passada, dificuldades em notificar a empresária Isabel dos Santos, em Angola e noutros países, admitindo que a possibilidade de emitir um mandado de captura “está em aberto”.
“Em Luanda já foi notificada nos locais possíveis onde poderia ser contactada e não houve nenhuma resposta”, adiantou o General Hélder Pitta Grós, numa conferência de imprensa hoje em Luanda. “Neste momento não sabemos onde será o seu domicílio, nem profissional, nem onde vive e isso tem dificultado a sua notificação”, frisou.
O PGR disse que foram feitas também tentativas junto das suas empresas e que o mesmo foi solicitado a Portugal, sem sucesso, pelo que a emissão de um mandado “é uma hipótese que está em aberto”. Se, parafraseando o Presidente do MPLA, “haver” necessidade.
Em resposta, Isabel dos Santos disse hoje que os advogados que a representam “encontram-se mandatados conforme manda a lei, têm praticado vários actos sucessivamente nos processos e estão em contacto com a PGR angolana, com o Tribunal de Luanda e com a justiça portuguesa”.
A empresária esqueceu-se de informar os seus advogados que deveriam, igualmente, informar outros órgãos que colegialmente são a dita justiça angolana, casos – entre outros – do Bureau Político do MPLA, da ERCA e da Fundação Agostinho Neto.
“Pelo que desminto a afirmação de que não é conhecido o meu paradeiro ou que eu não esteja contactável. É falsa a afirmação de que a Justiça angolana desconhece o meu paradeiro e que não me possa contactar”, adianta no comunicado.
Para sustentar a sua afirmação, Isabel dos Santos, explica que em 30 de Maio e 6 de Junho de 2020 foi notificada pelo Tribunal de Luanda, recebeu “despachos-sentença, tendo apresentado recursos”.
A empresária angolana, visada, em Angola, em processos criminais e cíveis em que o Estado angolano reclama mais de cinco mil milhões de dólares (4,4 mil milhões de euros), sublinha igualmente que “participa regularmente” em actos societários e em reuniões diversas “como aconteceu recentemente na Assembleia-Geral do Eurobic”.
Segundo Isabel dos Santos, “é um sofisma inaceitável” a afirmação do PGR angolano. É claro, cada vez mais claro, que o General PGR não sabe o que diz (é para isso que ele lá está) mas, reconheça-se, sabe dizer o que lhe mandam dizer.
O seu propósito, sustenta, “é quer desejar criar um quadro artificial de justificação para emissão de um mandado internacional de detenção para ver se agora me calam”. “De facto, a minha liberdade de expressão parece estar a incomodar politicamente e por isso desejam calar-me política e socialmente a todo o custo”, lê-se no comunicado.
O processo-crime partiu de uma denúncia do seu sucessor à frente da petrolífera estatal Sonangol, Carlos Saturnino (que pouco depois passou também de bestial a besta), relativa a transferências monetárias alegadamente irregulares durante a gestão de 18 meses de Isabel dos Santos.
Isabel dos Santos, que reafirma, no comunicado, ser vítima de “injustiça e perseguição política”, adianta que a descoberta e reposição da verdade neste processo é do seu maior interesse. Mas como não é do interesse dos que ontem estavam caninamente solidários com ela e com o seu pai, a corda continua a esticar.
A empresária diz ainda que pretender ver resolvido o “mais rapidamente possível” esses “ataques à sua reputação e bom nome”, como empresária e empreendedora africana. Por isso, “estou disponível, como sempre estive, a colaborar com a justiça e a prestar todos os esclarecimentos necessários para que prevaleça a verdade”, concluiu. Isabel dos Santos comete o erro, muito comum, de pensar que em Angola (e também, embora noutra dimensão, em Portugal) existe separação de poderes e que a PGR não é uma mera sucursal do MPLA.
Além da filha do antigo Presidente, são também arguidos Sarju Raikundalia, ex-administrador financeiro da Sonangol, Mário Leite da Silva, gestor de Isabel dos Santos, e presidente do Conselho de Administração do BFA, Paula Oliveira, amiga de Isabel dos Santos e administradora da NOS, e Nuno Ribeiro da Cunha, gestor de conta de Isabel dos Santos no EuroBic, que morreu em Janeiro.
A empresária viu também as suas contas bancárias e participações sociais serem arrestadas em Portugal e em Angola.
Em Janeiro, com a monumental ajuda do MPLA, o Consórcio Internacional de Jornalismo compilou e divulgou mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de ‘Luanda Leaks’, que detalham alegados esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais.
Embora num outro contexto, o advogado Sérgio Raimundo foi quem melhor definiu tudo isto a quem chamamos país (é mais um local mal frequentado) e a suposta justiça que nele se pratica: “Se o Ministério Público é mesmo sério, então deve requerer a extinção do MPLA”.
Folha 8 com Lusa