A Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) louvou (como não poderia deixar de ser e é uma tradição há décadas) os esforços das autoridades angolanas para acudir “às graves necessidades do momento”, evidenciadas pela Covid-19, e que representam também as fragilidades do sistema de governação do país. E, afinal, quem são os pais das fragilidades? O pai é o MPLA e a mãe é o… MPLA.
Numa nota pastoral, os bispos da CEAST referiram que o estado de emergência que o país cumpre há cerca de dois meses, devido à pandemia provocada pelo novo coronavírus, que provocou já em Angola três mortes, de um total de 60 casos positivos e 18 recuperados, está a revelar as fragilidades do sistema de governação angolano. Mais do que fragilidades são criminosas acções de incompetência e nepotismo, mas…
“Carências enormes no acesso à água potável e à energia eléctrica pela população em geral, falta de saneamento básico e estruturas eficazes de saúde, pobreza nos meios da sustentabilidade alimentar, com a vida de grande parte da população a depender de uma agricultura de subsistência e do instável comércio informal de pequeno vulto”, lê-se na nota que em termos de diagnóstico arrasa a incompetência criminosa de quem nos desgoverna há 45 anos.
Os bispos sublinharam que é necessário tirar, no futuro, lições do momento actual, nomeadamente as deficiências que hoje se notam no sistema de saúde, a falta de água para todos e outras, que “deverão figurar entre as prioridades, numa espécie de ‘estado de emergência’ permanente, embora sem confinamento social”.
A CEAST manifestou preocupação com a falta de colaboração com as autoridades sanitárias no que diz respeito às medidas de prevenção por parte dos vários cidadãos que desobedecem às normas estabelecidas, uma situação de desespero por causa da miséria, que força muitos a sair de casa para procurar alimentos e água potável para a sua subsistência. Ou seja, para não morrerem à fome correm o sério risco de morrerem da doença ou, também, pelas balas das autoridades que têm como estratégia matar primeiro e interrogar depois.
A violação da cerca sanitária mesmo perante a inquietante existência de doentes assintomáticos da Covid-19, a entrada em época de cacimbo, propícia a várias gripes, o uso e abuso desproporcional da força por parte de alguns agentes de defesa, protecção e segurança, que em algumas ocasiões, também são agredidos, compreendem o leque de preocupações dos bispos.
“Perante este quadro cheio de sombras, mas também com alguns sinais de esperança, caso se respeitem as medidas contidas nos decretos presidenciais, apelamos para um compromisso mais público da igreja para com os mais necessitados, tornando ainda mais forte o nosso sistema de solidariedade”, exortou a CEAST.
Para a igreja, que reconheceu o estado de emergência como “necessário, imprescindível e urgente”, duas das mais graves consequências do isolamento social são a suspensão das celebrações dos sacramentos em geral, com destaque para a celebração da eucaristia, com a presença física dos fiéis e a suspensão da catequese e de outras actividades pastorais vitais dos vários grupos de apostolado laical.
Aos médicos, enfermeiros, agentes de saúde, forças de segurança e voluntários, na vanguarda neste período de emergência, a igreja endereçou uma mensagem de encorajamento, através de orações para a sua protecção.
Outras pregações mas a mesma criminosa realidade
No dia 14 de Março de… 2018, os bispos da CEAST manifestaram-se indignados com o “quadro deplorável de degradação” da saúde no país, lamentando a “escandalosa e gritante” falta de medicamentos e a “desumanidade endémica” nos hospitais.
Pelos vistos, provavelmente graças à interferência de Jorge Mário Bergoglio que terá metido uma cunha ao Papa Francisco, os bispos voltaram a ter a capacidade de pensar pela própria cabeça e, dessa forma, darem voz a quem a não tem. Milagre? Talvez.
Esta declaração dos bispos católicos foi feita pelo vice-presidente da CEAST, José Manuel Imbamba, numa conferência de imprensa de balanço da primeira assembleia plenária anual, que decorreu de 8 a 14 de Março, na província do Namibe.
Para a CEAST, que ainda assim (perante o espectro de uma compulsiva “exoneração”) saudou o anúncio do Governo sobre o recrutamento de novos médicos, enfermeiros e outro pessoal para o sector da saúde, o actual quadro sanitário do país abre espaço para “muitos charlatães extorquirem e explorarem os pobres”. Isto foi dito há mais de dois anos.
Provavelmente a CEAST não reparou que “muitos charlatães que extorquem e exploram os pobres” integram os mais altos cargos públicos do país, gozando de uma abjecta impunidade e de uma não menos abjecta imunidade.
“Lamentamos ainda a facilidade com que produtos impróprios para o consumo humano entram no país e recomendamos para o efeito maior rapidez na correcção desses males, assim como renovamos o compromisso de manter viva a cooperação através da Cáritas”, disse José Manuel Imbamba.
No comunicado de imprensa então divulgado (Abril de 2018) e apresentado pelo também porta-voz da CEAST, os bispos angolanos congratularam-se com o levantamento da proibição da extensão do sinal da Rádio Ecclesia, emissora católica de Angola, em todo o país, feito pelo Presidente João Lourenço.
“E pelos novos anúncios referentes à reforma do projecto de construção da basílica da Muxima e das negociações para o Acordo-quadro entre a República de Angola e a Santa Sé”, adiantou.
Os bispos angolanos encorajam igualmente João Lourenço a “prosseguir no caminho da reforma do Estado”, para que todos os angolanos primem pela dignidade, honra e nobreza de espírito, fazendo com que as assimetrias regionais desapareçam, a cultura da justiça se fazendo se afirme e os bens de todos a todos beneficiem”.
Durante e assembleia plenária anual de 2018, que também serviu para a abertura do jubileu dos 50 anos da CEAST, os bispos católicos procederam ainda à plantação de árvores no deserto do Namibe, com vista a travar a desflorestação naquela localidade.
“E para que a busca desenfreada e egoísta do dinheiro e do lucro fácil não matem a natureza e a biodiversidade. Daí que recomendamos maior vigilância na luta contra os malfeitores do meio ambiente”, argumentou.
Na ocasião, o arcebispo de Saurimo condenou ainda o surgimento estranho pelo país de “ceitas cristãs e anticatólicas” que no seu entender transportam mensagens que constituem em “autênticas e graves ameaças à unidade, harmonia e integridade das famílias”.
“Pelo que, os bispos solicitam e a apelam aos órgãos competentes para que assumam as suas responsabilidades legais a fim de porem cobro nesta situação”, alertou.
Que a voz do Povo seja a voz de Deus
“M uitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”. Esta foi e é, por muito que nos custe, a realidade do nosso país.
Alguém da CEAST, do Governo, da Assembleia Nacional etc. se recorda, por exemplo, o que D. José de Queirós Alves, arcebispo do Huambo, afirmou em Julho de 2012 na comuna de Chilata, município do Longonjo, a propósito das eleições?
O prelado referiu que o povo angolano tinha muitas soluções para construir uma sociedade feliz e criar um ambiente de liberdade onde cada um devia escolher quem entender.
“Temos de humanizar este tempo das eleições, onde cada um apresenta as suas ideias. Temos de mostrar que somos um povo rico, com muitas soluções para a construção de uma sociedade feliz, criar um ambiente de liberdade. É tempo de riqueza e não de luta ou de murros”, frisou.
”Em Angola, a administração da justiça é muito lenta e os mais pobres continuam a ser os que menos acesso têm aos tribunais”, afirmou em 2009 (nada de substancial mudou até agora), no mais elementar cumprimento do seu dever, D. José de Queirós Alves, em conversa com o então Procurador-Geral da República, general João Maria Moreira de Sousa.
D. José de Queirós Alves admitia também (tudo continua na mesma) que ainda subsiste no país uma mentalidade em que o poder económico se sobrepõe à justiça.
O arcebispo pediu maior esforço dos órgãos de justiça no sentido das pessoas se sentirem cada vez mais defendidas e seguras: “O vosso trabalho é difícil, precisam ter atenção muito grande na solução dos vários problemas de pessoas sem força, mas com razão”.
Importa ainda recordar, a bem dos que não têm força mas têm razão, que numa entrevista ao jornal português “O Diabo”, em 21 de Março de 2006 (14 anos depois tudo continua na mesma), D. José de Queirós Alves disse que “o povo vive miseravelmente enquanto o grupo ligado ao poder vive muito, muito bem”.
Nessa mesma entrevista ao Jornalista João Naia, o arcebispo do Huambo considerou a má distribuição das receitas públicas como uma das causas da “situação social muito vulnerável” que se vive Angola.
D. Queirós Alves disse então que, “falta transparência aos políticos na gestão dos fundos” e denunciou que “os que têm contacto com o poder e com os grandes negócios vivem bem”, enquanto a grande massa populacional faz parte da “classe dos miseráveis”.
Folha 8 com Lusa