Afro-sipaio só é forte
com os seus escravos

O chefe de Estado angolano, igualmente Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, reafirmou o interesse de manter a cooperação com a Rússia, em vários domínios, para impulsionar o desenvolvimento de Angola e aprofundar as conquistas russas. A posição de João Lourenço foi expressa numa mensagem de felicitações ao seu homólogo russo, Vladimir Putin, por ocasião do Dia da Rússia, assinalado hoje.

O Presidente angolano sublinhou que no ano em que se comemoram os 75 anos da Vitória na Grande Guerra Patriótica de 1941-1945, esta data, que relembra “a história e o caminho difícil e heróico percorrido” pela Rússia, “para alcançar os altos níveis de desenvolvimento económico, científico e tecnológico”, assume um significado “particularmente grandioso”.

Segundo João Lourenço, os níveis de desenvolvimento alcançados conferem à Rússia um papel activo e indispensável na comunidade internacional, em prol da independência, soberania e liberdade dos povos.

Em 3 de Abril de 2019, João Lourenço classificou, em Moscovo, como excelentes e privilegiadas as relações político-diplomáticas com a Rússia, defendendo, contudo, o incremento do investimento privado daquele país europeu em Angola.

João Lourenço, que discursava no parlamento russo, no âmbito da primeira visita oficial que realizou à Federação da Rússia, lamentou que “poucas empresas russas estejam a operar no mercado angolano” e que “estejam limitadas apenas à exploração e produção de diamantes, ao sistema financeiro e à construção de barragens hidroeléctricas”.

“Angola tem todo interesse em alterar este quadro, através do estabelecimento de parcerias público-privadas ou da criação de empresas mistas angolano-russas, com realce nos domínios da indústria transformadora, da agro-indústria, das pescas, da energia, do turismo, da geologia e minas, entre outros sectores tidos como prioritários”, disse João Lourenço.

No discurso, o chefe de Estado angolano lembrou os “tradicionais e privilegiados” laços de amizade e solidariedade que ligam os dois povos e países, que se mantiveram “sempre firmes e inabaláveis, apesar das grandes transformações que se operaram no mundo nas últimas décadas”.

“E isso é o resultado evidente da nossa aposta comum na defesa da paz e segurança, com relações internacionais mais justas e equilibradas e com uma cooperação global e multiforme em todos os domínios, cada vez mais imperiosa numa altura em que forças retrógradas, que julgávamos estar há muito superadas, ressurgem com novo vigor e maior agressividade”, referiu.

Segundo João Lourenço, Angola pode orgulhar-se de ter merecido sempre o “máximo apoio e solidariedade” da parte da Federação da Rússia, desde os tempos mais difíceis da sua luta de libertação nacional e de resistência contra as agressões externas, “particularmente contra o exército invasor do regime ‘apartheid’ da África do Sul”.

Num momento em que “é urgente” para Angola melhorar as condições para garantir a cooperação económica e o seu desenvolvimento sustentável, João Lourenço afirmou que o país conta com o apoio e solidariedade da Rússia, “que terá a oportunidade de se expressar em novas formas, designadamente através de maiores e mais duradouros investimentos em Angola”.

“As relações político-diplomáticas, técnico-científicas e de cooperação económica, mutuamente vantajosas, existentes entre ambos são exemplo do novo espírito que deve presidir ao relacionamento de novos Estados soberanos”, frisou.

A cooperação bilateral está assente em vários domínios, sendo os mais significativos os da geologia e minas, defesa, interior, banca e finanças, ensino superior, telecomunicações e tecnologias de informação, pescas e transportes, sustentadas por vários acordos em vigor, como nos domínios da cooperação parlamentar, técnico-militar, dos serviços aéreos, das pescas e agricultura e de combate ao crime organizado.

Segundo João Lourenço, nas várias visitas realizadas por dirigentes dos dois países foram também assinados vários instrumentos jurídicos, designadamente os tratados sobre o Auxílio Judicial Mútuo em Matéria Penal, sobre a Transferência de Pessoas Condenadas a Penas Privadas de Liberdade, assim como os memorandos assinados entre companhias dos dois países em diferentes domínios.

“Como se reafirmou na quinta sessão intergovernamental para a cooperação económica, técnico-científica e comercial, angolano-russa, realizada há menos de seis meses aqui em Moscovo, importa agora conferir um carácter mais pragmático à nossa cooperação, com destaque para áreas que contribuam para a diversificação da economia angolana”, salientou.

Actualmente (2019), indicou João Lourenço, vários outros acordos estão em negociação, nomeadamente no domínio da exploração do espaço, para fins pacíficos, da justiça, da marinha mercante e sobre o reconhecimento recíproco de habilitações, qualificações e graus académicos, que espera a sua visita possa contribuir para acelerar a sua solução.

Velhos “amigos” das riquezas africanas

O regresso da presença russa a África está claramente marcado pelo investimento, ou seja, venda de armas e envio de “conselheiros” ou mercenários, com Moscovo a competir com a Europa e a China para o papel de principal parceiro do continente africano.

De acordo com um artigo da agência France-Presse, o destaque da crescente presença da Rússia em África surgiu no dia 30 de Julho de 2018, com o assassinato de três jornalistas russos na República Centro-Africana, que investigavam a presença do grupo militar Wagner no país.

Segundo o artigo, de Janeiro a Agosto de 2018, a Rússia terá enviado cinco oficiais militares e 170 instrutores civis – que alguns especialistas acreditam ser mercenários do grupo Wagner -, entregado armas ao exército nacional após uma isenção ao embargo da Organização das Nações Unidas (ONU) e assegurado a segurança do Presidente centro-africano, Faustin-Archange Touadéra, cujo conselheiro de segurança é (claro!) de nacionalidade russa.

A entrega de armas aos Camarões para a luta contra o grupo ‘jihadista’ Boko Haram, as parcerias militares com a República Democrática do Congo (RD Congo), Burkina Faso, Uganda e Angola, as cooperações num programa de energia nuclear civil com o Sudão, na indústria mineira no Zimbabué ou no alumínio da Guiné, representam algumas das iniciativas de Moscovo nos últimos anos.

A Rússia tem também diversificado as suas parcerias africanas, expandindo as relações para além das nações com quem tem ligações históricas – como Argélia, Marrocos, Egipto e África do Sul – e procurou aliados na África subsaariana, onde estava “virtualmente ausente”, lê-se no artigo.

“África continua a ser uma das últimas prioridades na política externa da Rússia, mas a sua importância tem vindo a crescer”, de acordo com o historiador Dmitry Bondarenko, membro da Academia Russa de Ciências.

A URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) manteve, durante décadas, uma presença activa no continente. Agora, com outro nome, mantêm-se os objectivos: sacar o máximo e perder o mínimo. Um bom negócio, desde logo porque a carne para canhão é negra e as riquezas africanas são inesgotáveis.

A medida representava uma das armas na guerra ideológica contra o Ocidente, apoiando os movimentos de libertação africanos e, após a descolonização, enviava milhares de conselheiros até esses territórios.

Com a desintegração da URSS, as dificuldades económicas e as lutas internas na Rússia durante os anos 1990, Moscovo abandonou as suas posições em África.

Face à falta de fundos, aumentou o número de embaixadas e consulados a encerrar, diminuíram o número de programas e as relações atenuaram.

Foi apenas no novo milénio que o Kremlin começou a reavivar as suas antigas redes e regressou gradualmente a África, procurando novos parceiros à medida que a ideologia era substituída por contratos e pela venda de armas. E, também, à medida em que os “velhos” comunistas (caso do MPLA) se rendiam às benesses do capitalismo, selvagem ou não.

Em 2006, o Presidente russo, Vladimir Putin, viajou até à Argélia, África do Sul e Marrocos para assinar contratos, algo que o seu sucessor, Dmitri Medvedev, estendeu a outros países – Egipto, Angola, Namíbia e Nigéria -, três anos mais tarde.

Em Março de 2018, o chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, visitou cinco países africanos, enquanto representantes de várias nações do continente estiveram presentes no Fórum Económico de São Petersburgo, em Maio.

Se a Rússia encontrar interesse económico, permite aos países africanos “ter mais um parceiro, o que significa outro canal de investimentos e desenvolvimento, e o apoio de um país poderoso no cenário internacional”, declarou o analista russo e antigo embaixador em vários países africanos, Evgeni Korendiassov, citado pela AFP.

A Rússia, que não tem um passado colonial em África, espera apresentar-se como uma alternativa para os países africanos face aos europeus, norte-americanos e chineses.

A AFP considera a República Centro-Africana um “excelente exemplo”, dado que este país nunca esteve perto da URSS durante a Guerra Fria e agora volta-se para a Rússia para fortalecer as suas forças militares, com dificuldades em enfrentar os grupos armados.

“Desde 2014 e da anexação da Crimeia, a Rússia tem confrontado o Ocidente e declarado abertamente a sua vontade de se tornar novamente uma potência mundial. Não pode, portanto, ignorar uma região”, apontou Bondarenko. Segundo ele, Moscovo está interessado em África não por razões económicas, mas para “um avanço político”.

“Anteriormente, os países com quem o Ocidente não queria cooperar, como o Sudão ou o Zimbabué, só podiam recorrer à China. A Rússia passou a ser uma alternativa tangível”, acentuou, antes de concluir que “este não era o caso antes, e isso pode mudar significativamente a ordem geopolítica do continente”.

Africanos… descartáveis

De uma forma geral e desde sempre os africanos foram (e continuam a ser) instrumentos descartáveis nas mãos das grandes potências, coloniais ou não. Ontem uns, hoje outros. Entre escravos, carne para canhão e voluntários devidamente amarrados, foram e são um pouco de tudo. Muitas vezes foram tudo ao mesmo tempo. Na I Guerra Mundial deram (pudera!) o corpo às balas, a alma ao Diabo e a dignidade às valas comuns.

Nesse conflito alheio, mais de um milhão estiveram na frente de combate, morreram mais de 100 mil. Alguém se recorda hoje deles, ou os recorda, com a dignidade histórica que merecem?

Se ser soldado desconhecido é só por si um drama, ser um soldado desconhecido… africano é obra desenganada. Infelizmente.

De uma forma geral, como mais de 100 anos depois continua a ser verificado, os africanos são um povo (lato sensu) ingénuo que, mesmo depois de ter poder de decisão, acredita em milagres, sobretudo quando estes não são feitos por santos da casa. Não admira, por isso, que muitos dos seus dirigentes da época (tal como os de hoje) “esperavam que a sua participação, em pé de igualdade com os seus companheiros de armas europeus e americanos, numa guerra que não lhes dizia respeito, mas que lhes foi imposta”, lhes trouxesse “melhorias constitucionais, económicas e sociais nos seus territórios de origem” (salienta Eugénio Costa Almeida no seu livro: “África Colonial no Centenário da Guerra de 1914/1918”).

Enganaram-se. O máximo que conseguiram como reconhecimento ao seu esforço e dedicação foi mudarem de donos. Ficou, contudo, a semente da rebelião que germinaria no deserto de injustiças que os europeus foram, do alto da sua suposta superioridade, regando.

A suposta superioridade que levou os europeus a pensarem que, regando essa semente, acabariam por a afogar. É claro que, mesmo no próprio continente africano, muita dessa rega foi feita com sangue e não com água. Denominador comum em todas as guerras em África entre africanos: a ambição ocidental em dominar as riquezas autóctones.

Em Angola (tal como noutras colónias), as consequências, o acerto de contas, surgiram meio século depois, contra as potências coloniais. Embora banidas pelo uso da razão da força conseguiram que a força da razão se mantivesse viva e, com a ajuda dos europeus africanos, gerasse um imparável nacionalismo.

A tudo isto acresce a megalómana tese europeia de que a História só é válida quando são os europeus a contá-la. Daí a tendência de, por regra, esquecer o contributo da participação de africanos. Até mesmo nos meios académicos, supostamente mais equidistantes de interesses rácicos, os africanos eram (ainda são) vistos como seres menores, auxiliares, sem direito a figurar como combatentes em pé de igualdade com os europeus juntos dos quais mataram e morrem por, corrobore-se, uma causa que não era sua.

Ao longo dos tempos, milhares de africanos morreram para ajudar os europeus. Quantos europeus morreram para ajudar os africanos?

Pois. Essa é outra história da nossa História comum.

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