A corrupção mata a esperança no futuro de Portugal. O fenómeno ganhou raízes e é, infelizmente, uma das marcas distintivas do regime democrático português. Bastará estar atento às notícias para constatar que a corrupção contaminou muitas áreas da nossa sociedade, do futebol à cultura, passando pela justiça e pela política. Casos e Protagonistas de A a Z.
Com este livro, Paulo de Morais apresenta um registo, para memória futura, do flagelo da corrupção. Retratam-se casos e protagonistas, essencialmente na esfera da política, para que fiquem identificadas as causas do fenómeno e os seus principais responsáveis. Mas também se evidencia o esforço de jornalistas e activistas que combatem a corrupção de diversas formas, bem como das organizações em que se agregam.
O autor é um activista na denúncia dos mecanismos da corrupção em Portugal. Faz apresentações e conferências pelo país sobre o tema e foi membro do núcleo fundador da Associação Cívica Transparência e Integridade, capítulo nacional da organização não-governamental Transparency Internacional, de que foi vice-presidente.
Como exemplo da luta de Paulo de Morais, recordamos agora dois artigos (dois de muitos) que publicou aqui no Folha 8, o primeiro no dia 22 de Agosto de 2017, sob o título «Em Angola há eleições, mas não há democracia»:
«Angola é um dos regimes mais corruptos do mundo. Disso dão nota os indicadores internacionais, como o Índice de Percepção da Corrupção da Transparency International, em que o país surge num vergonhoso 164º lugar, em 176 avaliados – o 13º pior do mundo!
Prova de corrupção em Angola é também a obscena fortuna da família Dos Santos, com a sua filha Isabel à cabeça, uma das mulheres mais ricas do mundo, que ostenta diariamente no Instagram, a riqueza que partilha com o congolês Sindika Dokolo. A riqueza estende-se a toda a família, à irmã de Eduardo dos Santos, Marta, aos filhos e sobrinhos.
Aliás, todos os que gravitaram à volta de Eduardo dos Santos nas últimas décadas ficaram multi-milionários, à custa de sugar os recursos naturais (petróleo, diamantes e outros), de destruir bancos como o BES (Angola), que concedeu empréstimos sem garantias a toda a cúpula do MPLA, inclusive ao próprio presidente anunciado, João Lourenço; e graças a muitas outras edificantes actividades que depauperaram o país e hipotecaram o seu futuro.
Mas o testemunho mais doloroso de toda esta corrupção são as crianças que morrem na rua, numa pátria que lhes é madrasta e que, apesar do seu petróleo e dos seus diamantes, possui o pior indicador mortalidade infantil do mundo, com o aterrador score de 156/1000. A este indicador de pobreza junta-se uma esperança média de vida de apenas 52 anos. Em suma, um povo em sofrimento, uma sociedade em extinção.
Com a corrupção a dominar o regime, Angola vê destruído o seu Estado de Direito. E um estado que não é de direito não é, obviamente, democrático. Pelo que Angola não é uma democracia.
As eleições de amanhã serão assim apenas uma legitimação formal da escolha, por parte de Eduardo dos Santos, do regente João Lourenço. A sua legitimidade é nula e semelhante à dos actos eleitorais nos anos terminais de vigência do regime fascista colonizador; à época, organizava-se um acto eleitoral formal e, no final, vencia a União Nacional no poder e reforçava-se o ditador. Era esse o regime contra o qual o MPLA genuíno de então lutava; mas que o actual MPLA decrépito – e abastardado por uma geração de líderes corruptos – optou por imitar.»
Porque as palavras voam mas os escritos são eternos, recordemos, entretanto, um outro nosso exclusivo, uma Carta Aberta de Paulo de Morais a José Eduardo dos Santos, publicada em 4 de Dezembro de 2015:
«Senhor Presidente da República de Angola,
José Eduardo dos Santos,
O mundo tem acompanhado com preocupação o processo judicial dos 17 jovens activistas angolanos acusados de actos preparatórios de rebelião e golpe de Estado – 15 dos quais se mantêm presos desde Junho passado.
Às denúncias credíveis de tortura e maus-tratos sofridos pelos detidos durante o seu encarceramento somam-se agora sinais alarmantes de que o julgamento actualmente em curso em Luanda está ele mesmo contaminado por uma justiça parcial e persecutória, que nega aos arguidos direitos elementares de defesa e fecha as suas portas aos observadores internacionais, à comunicação social independente e aos próprios familiares dos acusados.
Estas graves violações a qualquer princípio equilibrado de justiça reforçam a evidência de que na génese deste processo estão acusações políticas que têm como único fim penalizar cidadãos pacíficos por exercerem o seu direito à liberdade de expressão e constranger o povo angolano ao medo e à obediência muda perante as autoridades do Estado.
Sr. Presidente,
Como V. Exa. sabe, o processo movido contra estes 17 jovens activistas não é um caso isolado, antes faz parte de um padrão de violação das liberdades individuais em Angola, já exercida sobre cidadãos como Rafael Marques de Morais, José Marcos Mavungo e Arão Bula Tempo.
Igualmente preocupantes são os incidentes ocorridos em Abril no Monte Sumi envolvendo fiéis do movimento religioso A Luz do Mundo. Tantos meses passados, continuam por esclarecer suspeitas de que mais de mil pessoas tenham sido assassinadas pelas forças do Estado, sem que o Governo a que V. Exa. preside tenha autorizado qualquer investigação independente ao sucedido.
Sr. Presidente,
Não pode deixar de inquietar V. Exa., tal como inquieta todos os cidadãos preocupados com a situação em Angola, que a actuação das forças do Estado a que V. Exa. preside seja alvo de críticas e manifestações de alarme não só de jovens activistas, líderes civis, políticos e religiosos angolanos mas também de organizações internacionais como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o Parlamento Europeu ou o Senado dos Estados Unidos da América.
Como candidato à Presidência da República Portuguesa, não posso deixar de ser sensível ao apelo de liberdade que ecoa da sociedade civil angolana. Os nossos dois povos sofreram duramente sob as amarras do colonialismo e da ditadura; e continuam a lutar para que a essas formas de opressão não suceda o jugo da corrupção, da arbitrariedade e do abuso que são hoje o propósito de tantos responsáveis políticos dos nossos dois países. Aos chefes de Estado, em Lisboa e em Luanda, compete celebrar – não constranger – a liberdade duramente conquistada e criar as condições para que os seus cidadãos possam construir, em total independência e liberdade, o seu próprio futuro.
Sr. Presidente,
Os jovens activistas que estão actualmente a ser julgados não cometeram qualquer crime. Longe de serem uma ameaça ao Estado angolano, são pelo contrário cidadãos empenhados em dar ao seu país um contributo para a paz e a liberdade plenas a que todos os angolanos aspiram. O Estado deve proteger estes cidadãos e acarinhar o seu contributo. São eles quem continuará o trabalho de libertação iniciado pelas gerações anteriores. Cabe-lhe a si, Sr. Presidente, dar o primeiro passo e usar os seus poderes legais e constitucionais para libertar todos os activistas alvos de perseguição política e encerrar os processos que contra eles foram instruídos. Esse é, neste momento histórico que o seu país atravessa, o melhor contributo que V. Exa. pode dar à transição democrática que, depois de tantos sacrifícios, o povo angolano iniciou em 2002. Permita aos angolanos completarem esse caminho. É este o pedido que lhe faço.
Com os meus cumprimentos.»