A data que abalou o regime

O país vive momentos sinuosos, dolorosos, dramáticos, numa roda onde se consolida, cada vez mais, o desnorte do espectro ideológico. O MPLA, em 45 anos de poder absoluto, na direcção do país, nunca tão ostensivamente conviveu com uma cisão interna, transbordada para o exterior, pela própria liderança.

Por William Tonet

O resultado dessa estratégia é imprevisível, supera o desfecho final, mas, já exala, no ar, um cheiro nauseabundo, que atrai os gaviões (corvos) em busca de carne putrefacta.

Em três anos, a formação partidária mais rica do mundo, pese controlar, transversalmente, todos os órgãos do poder de Estado, impondo o temor e a lei da bala, optou, também, em definhar, já com identidade desgarrada, para o abismo.

É a derivação de uma cavalgada sem equilíbrio, sem norte, sem bússola, tanto assim é, que, na primeira prova de fogo, qual gigante de pés de barro, viu desmoronar os seus principais pilares.

A fome, a injustiça, a miséria extrema, o desemprego e a alta do custo de vida foram a mola propulsora de uma mobilização de cidadãos, sedentos de uma democracia participativa, com a eleição transparente dos representantes do poder local.

Tudo estava a preceito, até mesmo quando ameaçados, inadvertidamente, por um precipitado decreto despido de respaldo constitucional, tentou parar o vento com as mãos. Cientes de que a civilidade deveria imperar, que a caminhada em grupos de uma mão, sem nunca terem premeditado o cometimento de algum ilícito, os cidadãos marchavam, ordeiramente, saídos dos becos, ruelas, ruas e avenidas, até que alguém induzindo o Presidente da República em erro o convenceu haver uma solução para estancar a MANIFESTAÇÃO DA LIBERDADE, se fosse utilizado o “Chip QI da Matumbice/Brutal”, mobilizador de acções policiais bestas, que trocam o controlo da manutenção da ordem, pela violência corporal, através de bastões, cães, cavalos, armas, contra indefesos cidadãos, como se tratassem de uma manada animal.

A Constituição Mental impõe sabedoria e inteligência.

A Constituição Material impõe cumprimento de direitos e deveres, que suplantam o estado de calamidade…

A brutalidade saloia causa reacções, umas mais extremadas do que outras, dos violentados, sendo que o provocador é sempre detentor de culpas acrescidas…

A Polícia tem plena consciência dos seus extremos…

Os jovens têm plena convicção de não terem provocado, iniciado as hostilidades, tão pouco atentado contra nenhum órgão de soberania.

As câmaras públicas, estão aí, para provar, quem iniciou o uso da força… em nome da desproporção de armas…

Os jovens, maioritariamente, sem bandeiras partidárias, nem slogans guerreiros, agiram sempre fugindo ao confronto directo, pulando valas, contornando barreiras, com um único objectivo: cumprir o art.º 47.º da Constituição: Direito de Reunião e Manifestação.

Queriam os mesmos direitos e que a sua voz, detentora de cordas vocais e soberania fosse ouvida, pelo mais alto magistrado do país, sem discriminação.

Fizeram-no bem! Estoicamente. Heroicamente!

Com estas estrelas da liberdade, cunharam o 24 de Outubro de 2020, não como mais uma, mas como a DATA!

A DATA que poderá ser da viragem!

A DATA que poderá ser da nova revolução!

A DATA da nova consciência juvenil!

A DATA de exigir uma Polícia cidadã.

A DATA em que os órgãos de Defesa e Segurança deveriam actuar e agir com sabedoria e urbanidade.

A DATA em que as armas deveriam ter rosas nos canos e não balas mortíferas.

A DATA em que a força deveria dar lugar à razão.

A DATA em que ninguém deveria dar o primeiro passo para a intolerância.

A DATA em que deveria ser responsável quem optou pelo fogo ao invés da PAZ.

A DATA em que a higiene intelectual deveria, ontem (24.10) ou deve hoje (29.10) levar cada lado a pedir perdão pelos excessos.

A DATA do presidente do MPLA (29.10 – em que discursou para os membros do seu comité central) deveria ser um marco de reconciliação, não mais uma esquina para atirar achas numa fogueira, onde o desarmado é acusado de ter culpas, que a própria culpa desconhece.

A DATA de todos unirem forças para vencer os excessos, não deveria ser um novo palco de arremesso de ódios, raivas, discriminações, ofensas a realidade da fome, miséria e desemprego…

A DATA analisada com raiva e ódio, apontando falso bode expiatório, minimizando a inteligência dos jovens, que não têm água, sabão, para combater o COVID-19, nem emprego, para os comprar, teve efeito perverso, pois tornou o Presidente João Lourenço no grande marqueteiro eleitoral, aumentando o índice de popularidade da UNITA e de Adalberto da Costa Júnior, sem que estes tenham gasto um vintém ou recurso a uma estratégia mental eleitoral.

E, com tudo isto tivemos…

A DATA do cavalgar do post “VAIS GOSTAR/2022”, ampliado, como nunca, fora das redes sociais, muito pela forma brutal da actuação policial!

Nunca um post viralizou tanto, em tão pouco tempo, nas ruas e avenidas mentais dos amantes da liberdade, eternos “escravos” da democracia e, também, dos que mamando na teta do autoritarismo absoluto, não deixaram de a adoptar, numa clara inversão de propósito, obviamente, puxando a brasa para a sardinha do poder.

Eu apoio a DATA desta manifestação que abalou a estrutura de um poder absoluto, apenas com a força do grito, das bandeiras da Liberdade, de eleições livres e justas, de uma Comissão Eleitoral independente e de uma eficiente gestão da rés pública, onde o verbo comer esteja no centro do Orçamento Geral do Estado e não os impostos e IVA que colocam a fome e a pobreza.

O 24 de Outubro é a DATA em que uma juventude quis, apenas, perguntar, porque se atrasa tanto o Presidente da República no cumprimento das promessas livremente anunciadas de 500.000 empregos, deixando-se enredar numa teia de aranhas que nada mais fazem do que destruir a esperança do país caminhar em novas avenidas da democracia.

A DATA era para pedir a João Lourenço para se converter em Presidente de todos ANGOLANOS e não só dos angolanos do MPLA.

A DATA era para exigir justiça para todos, mas serviu, para cunhar, ainda mais, as crónicas injustiças.

Infelizmente, incompreendida, a juventude viu a intolerância e a discriminação, abrir, como sempre, as portas das fedorentas masmorras do regime, propagadoras do COVID-19, estas sim, não tendo água, sabão, papel higiénico, para limpar o rabo, nem água para colocar na sanita, após a natural defecação.

Este quadro, havendo higiene intelectual é o grande responsável pela propagação da pandemia, pois colocou mais de 12 a 30 jovens a “farfalharem-se” num minúsculo cubículo, denominado cela… onde a diferença com um curral de bois era diminuta.

Eu vi! Eu estive lá, ninguém me contou, para ver como alguns jovens se encontravam amontoados e algemados…

Na DATA foram mais de 300 cidadãos feitos prisioneiros, sendo que cerca de 103 foram levados a um injusto julgamento, na lógica da intolerância e discriminação governativa, que, por exemplo, libertou grande parte dos jornalistas, mas deixou, propositadamente, demonstrando ser cidadão de segunda o profissional da Rádio Despertar. Não tem leitura? Tem! Pode ser visto como uma provocação política, causa bastante para um espoletar de tensões incalculáveis, quando a libertação não deveria ter rosto nem ideologia, no esteio das imprescindíveis pontes da TOLERÂNCIA, LIBERDADES E DEMOCRACIA CIDADÃ.

Sem DATA Angola corre o risco de implodir, face ao aumento vertiginoso do desemprego, da bestialidade dos impostos, da boçalidade da equipa económica, cujo neoliberalismo, elegeu como meta a fome e a miséria, na mesa da maioria dos angolanos

Feliz ou infelizmente de acordo com o destinatário, o novo líder do MPLA depois de ter apaixonado o país com o perfume do verbo e a coragem da promessa, teve o mérito de detonar o que poderia ser o cabouco para uma verdadeira pacificação entre todos os rios e mares.

Hoje o que se pede é que o Presidente da República GOVERNE, para todos e com todos, para o país não soçobrar.

In fine que as almas de Maria Bartolomeu, co-sofredora e heroína do 27 de Maio de 1977 e de Sindika Dokolo, o maior coleccionador de arte africana, que nos deixaram, inesperadamente, repousem em PAZ.

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