Zé Maria, João Lourenço e Patónio, generais do reino

A defesa do ex-chefe do Serviço de Inteligência e de Segurança Militar, general António José Maria, acusado dos crimes de insubordinação e extravio de documentos, aparelhos ou objectos que continham informações de carácter militar, pediu hoje a sua absolvição. Na sua contestação, o advogado de defesa, Sérgio Raimundo, pediu absolvição do arguido “por não ter praticado os crimes de que vem acusado”.

Sérgio Raimundo alegou ainda que não foi respeitado o princípio do contraditório, porque o tribunal recebeu a acusação do Ministério Público “sem antes ouvir a contraparte”, e que “não colhe” o crime de extravio de documentos, porque os documentos não estão desaparecidos, sustentando que consta dos autos o mandado de revista, busca e apreensões.

António José Maria, general de 73 anos, que responde ao julgamento em prisão domiciliária desde Junho deste ano, é acusado de ter subtraído das instalações do Serviço de Inteligência e Segurança Militar documentos secretos, referentes à Batalha do Cuito Cuanavale (que o seu partido, o MPLA, diz ter vencido, contrariando toda a verdade dos acontecimentos), depois de ter sido exonerado do cargo em 2017, enquanto aguardava pelo processo da sua passagem à reforma.

Depois de exonerado, antes da passagem de pastas ao seu sucessor, o arguido é acusado de ter subtraído informações secretas, de carácter militar, relacionadas com a Batalha do Cuito Cuanavale, ocorrida em 1988, na província do Cuando Cubango. Terá igualmente recolhido e colocado cópias em diversos países material sobre o seu então colega, ex-ministro da Defesa e actual Presidente do MPLA e da República, general João Lourenço.

A defesa requereu nas questões prévias ao julgamento que hoje arrancou no Supremo Tribunal Militar, a decorrer num quartel militar, uma autorização para levar a tribunal alguns quadros ilustrativos e utilizados nas várias conferências nacionais e internacionais em que o arguido foi orador como elementos de prova do seu longo trabalho de investigação científica, mais concretamente sobre a batalha do Cuito Cuanavale.

A acusação refere ainda, que depois de levados estes factos ao Presidente angolano e Comandante em Chefe das Forças Armadas Angolanas, João Lourenço, este deu ordens ao actual chefe do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado, Fernando Garcia Miala, para que devolvesse, num período de 48 horas, a documentação “que havia subtraído ilegalmente e que custou ao Estado e às FAA somas avultadas”.

Segundo a acusação, Fernando Garcia Miala terá passado a mensagem do Presidente angolano, mas o arguido não acatou a ordem, argumentando que todo o acervo sobre a batalha do Cuito Cuanavale de que dispunha “lhe havia sido entregue pelo camarada José Eduardo dos Santos”, ex-Presidente angolano.

Segundo o representante do Ministério Público, Filomeno Benedito, depois de buscas e apreensões em 2019, foram recuperados os documentos que haviam sido levados para a sede da Fundação José Eduardo dos Santos (FESA), para a própria residência do arguido e para a repartição de transporte do Serviço de Inteligência e segurança Militar.

“Este acervo patrimonial relacionado com a Batalha do Cuito Cuanavale custou ao Estado angolano e às Forças Armadas Angolanas o montante de 2.486.478 dólares norte-americanos. Assim, não restam dúvidas que o acusado, com a sua conduta, incorreu na prática dos crimes de insubordinação, em concurso real com o de resistência superior, extravio de documentos militares, aparelhos ou objectos que contenham informações de carácter militar e conduta indecorosa”, refere a acusação.

Na pronúncia, o tribunal referiu que quanto aos crimes de resistência ao superior, por este ter resistido mesmo depois de persuadido, não entregando os documentos, este por si só não constitui um crime autónomo, mas sim uma agravante relativa ao crime de extravio de documentos, aparelhos ou objectos que contenham informações de carácter militar.

A segunda sessão do julgamento realiza-se na quinta-feira, com a audição do arguido, tendo o juiz do processo e igualmente juiz presidente do Superior Tribunal Militar, general António dos Santos Neto “Patónio”, marcado as outras sessões para os dias 13 e 23 deste mês.

José Maria e João Lourenço

O general António José Maria terá dito por diversas vezes a José Eduardo dos Santos estar pronto para a “guerra”, pedindo “instruções” sobre o que pretendia, ou pretende, o ex-presidente.

José Maria passou muito tempo, sobretudo a partir do momento em que Eduardo dos Santos disse que não seria candidato do MPLA às eleições de Agosto e se aventou que o candidato seria João Lourenço, a reunir informações, dados, documentos, testemunhos (no país e no estrangeiro) sobre o actual Presidente da República.

“O Serviço de Inteligência e de Segurança Militar esteve em exclusivo a trabalhar, por ordem do general Zé Maria, numa espécie de Paradise papers of João Lourenço”, contou ao Folha 8 uma fonte ligada ao general.

O general José Maria é dos que considera que as decisões em catadupa que estão a ser tomadas pelo Presidente da República, João Lourenço, são uma caça às bruxas no MPLA e uma lavagem da sua imagem, “quase parecendo que JLo nada tem a ver com o MPLA e que só agora chegou à política angolana”.

Mais do que o conteúdo dos pronunciamentos e das decisões já tomadas, o núcleo duro do MPLA que, curiosamente, conseguiu adquirir a simpatia e o respeito de militantes considerados moderados, contesta a avidez e o “ataque kamikaze” que relembra uma “tese marxista de que o importante não é a sociedade que se quer construir mas, apenas, a que se quer destruir”, diz uma outra fonte do F8.

João Lourenço tem, de facto, demonstrado que quer, pode manda, mesmo que isso mais não seja do que a passagem de um atestado de incompetência do anterior executivo ao qual, aliás, pertenceu enquanto ministro da Defesa e como alto dirigente do próprio MPLA.

Por exemplo, recorde-se, “a decisão do histórico militante do MPLA e ex-membro do Comité Central, Ambrósio Lukoki, apelando para que José Eduardo dos Santos abandonasse a Presidência do partido, mais não foi do que a hipocrisia de quem, tendo muitos telhados de vidro, acredita que esses seus telhados são à prova de bala, mas não são”, comenta um outro histórico do MPLA exilado na Europa.

Um “Patónio” general à medida

Em entrevista-encomenda ao boletim oficial do regime (Jornal de Angola), o juiz-conselheiro-presidente do Tribunal Militar (do MPLA), general António dos Santos Neto “Patónio”, considerou em Agosto de 2016 que os militares das FAA (sob comando do general Wala) que assassinaram o adolescente António Rufino, ocorrida no Zango, agiram em legítima defesa.

O juiz-conselheiro-presidente do Tribunal Militar do MPLA tinha toda a razão e “abona” a favor do Tribunal. Os militares em serviço no Zango estavam, afinal, fortemente armados… apenas com leques (para enfrentar o calor) e, por isso, viram-se em perigo quando o puto Rufino tirou do bolso todo um arsenal capaz de derrotar o próprio Exército… Islâmico.

Além disso, como certamente sabe o general “Patónio”, o Rufino foi atingido “em flagrante delito” quando se preparava para uma actividade criminosa, evidenciando “actos preparatórios para a prática de rebelião e atentado contra o Presidente da República”.

Perante isso os militares não tiveram alternativa. Deram um tiro no perigosíssimo terrorista chamado António Rufino. Aliás, esses ou esse militar devem ser promovidos. É o mínimo que o regime pode fazer por ele.

Nesse flagrante delito, como certamente consta do relatório na posse do juiz-conselheiro-presidente do Tribunal Militar do MPLA, os militares descobriram em poder do jovem Rufino diverso material bélico, altamente letal, caso de esferográficas BIC (azuis), um lápis de carvão (vermelho), blocos de papel (brancos) e, tanto quanto o Folha 8 apurou, um livro (de bolso) sobre como derrubar as ditaduras.

Sabe-se, igualmente, que os militares do general Wala descobriram que o perigoso jovem activista tinha mísseis escondidos nas lapiseiras, Kalashnikovs camufladas no telemóvel e outro armamento pesado e letal disfarçado nos blocos de apontamentos. Eram, reconheça-se, provas mais do que suficientes para provar que estava a preparar um golpe de Estado.

Perante isso os militares não tiveram alternativa. Deram um tiro no perigosíssimo terrorista chamado António Rufino. Legítima defesa pura e simples, segundo o general “Patónio”.

O jovem estava no seu quartel-general no Zango, por sinal uma forte estrutura terrorista disfarça da habitação precária, numa reunião dos seus estrategas militares que planeavam – como os Revús – um golpe a partir da leitura do livro “Da ditadura à democracia — Uma estrutura conceptual para a libertação”, do norte-americano Gene Sharp.

Mais ao fundo, no quintal, debaixo de um coberto de zinco, o exército terrorista mobilizado pelo jovem Rufino (talvez uns milhares de guerrilheiros, não general “Patónio”?) afinava os códigos para lançamento dos mísseis e, talvez, até de ogivas nucleares contra a residência de Eduardo dos Santos…

Perante isso os militares não tiveram alternativa. Deram um tiro no perigosíssimo terrorista chamado António Rufino. Legítima defesa pura e simples, segundo o general “Patónio”.

Com todo este manancial de provas, o juiz-conselheiro-presidente do Tribunal Militar do MPLA não tem dúvidas. Foi legítima defesa. Não vai, pois, ser difícil aos servos do general “Patónio”, provar que o jovem Rufino estava envolvido (seria mesmo o comandante) numa conspiração para a “destituição do Presidente da República e de outros órgãos de soberania”.

Estamos mesmo a ver o que o Ministério Público do regime, com o apoio do Tribunal Militar do MPLA, vai escrever na análise ao caso. Será algo do tipo: “Os factos descritos evidenciam claramente que a vítima participara em reuniões com vista a traçar estratégias e acções, tais como manifestações, greves e desobediência civil generalizada, conducentes à destituição do Governo e do Presidente da República”.

Folha 8 com Lusa

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