O advogado e activista de Cabinda, Arão Tempo, criticou hoje a manutenção da repressão no enclave, afirmando que, se o povo angolano continua a viver em crise, o do território vive “num inferno”. A FLEC diz que há mais de três semanas que vários grupos da sociedade civil congolesa na província do Congo Central e do sector de Kakongo na República Democrática do Congo alertaram as autoridades congolesas sobre as repetidas incursões de soldados das Forças Armadas Angolanas.
Em entrevista à agência Lusa, em Luanda, o também presidente do Movimento de Reunificação do Povo de Cabinda para a sua Soberania (MRPCS), criado em 2002, considerou que a situação no enclave angolano entre os dois Congos é “preocupante e degradante”, uma vez que já vive sob a “repressão de Luanda” há 44 anos, período em que, reivindica, não se fizeram investimentos especiais.
“A situação em Cabinda é preocupante, na medida em que é um povo que vive numa repressão durante 44 anos, em descontinuidade geográfica e sem investimentos especiais. Já se vê que a situação é degradante”, declarou, defendendo que a repressão mantém-se com as detenções arbitrárias de jovens cabindenses.
Falando na qualidade de líder do MRPCS, movimento que referiu ter sido criado em 2002, após o final da guerra civil angolana, Arão Tempo criticou as autoridades de Luanda por manterem o “silêncio” sobre a situação no enclave, palco desde 1975 de uma luta pela secessão de uma província angolana rica em recursos minerais, como o petróleo.
“Lamentavelmente, todo o povo angolano está a levar uma vida muito difícil, mas, na verdade, em Cabinda aquilo é um inferno. Nós, no MRPCS, temos estado a proceder a alguns contactos com várias entidades para que o Governo angolano seja sensibilizado para um diálogo. Esse movimento, de facto, existe e tem estado a comunicar com outros partidos políticos angolanos, governador e demais entidades que a sua existência é democrática”, indicou.
Arão Tempo disse estar preocupado com o facto de Luanda ter deixado de lado qualquer ideia de secessão ou de um estatuto especial autonómico e querer agora implantar as autarquias no país, tendo em vista as primeiras eleições locais previstas para 2020.
“Falando-se das autarquias, agora já não há estatuto especial, agora são autarquias. Com a descontinuidade geográfica, com o abandono do território durante 44 anos, e ainda continua a haver rumores de guerra entre beligerantes, entre Governo e a FLEC. Será que autarquias é uma solução para Cabinda”, questionou.
O advogado e activista referiu que, recentemente, numa cimeira da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), o vice-Presidente angolano, Bornito de Sousa, foi “peremptório” na defesa da luta do povo do Saara Ocidental pela independência de Marrocos, que anexou o território saarauí em 1975.
“Angola tem neste momento uma intervenção directa na descolonização do Saara Ocidental. (…) Porque é que Angola intervém fora, directamente, na questão do Saara Ocidental, sabendo que Marrocos também é um país soberano. Se assim for, porque é que agora o Governo angolano não fala de Cabinda? Essa contradição, de facto, leva a crer que há muito a fazer nessa governação angolana”, sustentou.
Um dos lemas do movimento, acrescentou, é “Não à Discriminação”, uma vez que todo aquele que quiser fazer parte do movimento, mesmo sendo oriundo de uma província que não de Cabinda, desde que adira e apoie, esse indivíduo tem todos os direitos como cidadão de Cabinda.
“Não sei porque o Governo angolano continua a silenciar a questão de Cabinda. Temos uma ligação de casamentos. O MRPCS condena todas as atitudes discriminatórias, sobretudo o recrudescimento da guerra ou de atitudes repressivas em Cabinda. Estamos a dar um mau exemplo para as futuras gerações”, defendeu.
Arão Tempo não confirmou a existência de uma guerra em Cabinda e optou por falar de “rumores” nesse sentido, defendendo que cabe aos “homens da guerra” – “da governação de João Lourenço e das FLEC” [as diferentes facções da Frente de Libertação do Estado de Cabinda] – explicar a situação.
Sobre a aproximação às autoridades angolanas, Arão Tempo disse que a resposta “ainda não é visível”, uma vez que os governantes angolanos continuam com os corações endurecidos”.
“Ainda não é visível. É o endurecimento dos corações dos nossos governantes, a continuidade do senhor José Eduardo dos Santos, porque os senhores que rodeiam o novo Presidente são os mesmos. Se o Presidente da República pensar em apostar nas novas gerações, que não conhecem esses comportamentos de guerra e de corrupção, creio que podia avançar. Mas enquanto apostar nos mesmos, creio que não haverá futuro para Angola”, afirmou.
ONU, como Portugal, faz o que o MPLA manda fazer
O presidente da Frente de Libertação do Estado de Cabinda (FLEC), Emmanuel Nzita, tem apelado à intervenção e “pressão” do secretário-geral da ONU, António Guterres, contra a “ocupação” daquele território por Angola.
Numa carta enviada em 20 de Abril de 2018 a António Guterres, Emmanuel Nzita, que se apresenta igualmente como “chefe do Governo provisório de Cabinda”, recordava que o povo daquele enclave, actualmente província de Angola limitada a norte pela República do Congo e a sul pela República Democrática do Congo, sem ligação terrestre ao restante território angolano, enfrenta “invasões a propriedades, limitação, de mobilidade e de emprego” e outras alegadas violações dos direitos humanos.
“Armas de última geração contra o povo indefeso, desemprego, uma autêntica prisão a céu aberto sob o olhar silencioso da ONU, União Europeia e União Africana”, lê-se na carta.
“Os sucessivos governos de Portugal, que aclamam e saúdam a independência das ex-colónias do ultramar português na Assembleia da República, ao invés da Constituição, fazem ouvidos moucos e olhos cegos ao lento genocídio do povo de Cabinda, hipotecado por causa da sua história e do petróleo, o garante de subsistência às elites de Angola e de Portugal”, acusa, na mesma carta, Emmanuel Nzita.
Para o líder da FLEC-FAC, que por várias vezes recorda o exemplo da pressão feita à volta da ocupação de Timor-Leste pela Indonésia, o estatuto actual de Cabinda é claro: “somos os últimos órfãos da colonização do ultramar português.”
No apelo à intervenção do secretário-geral da ONU, o líder daquela organização denuncia o “forte aparelho repressivo, com detenções, torturas, mortes de activistas e militares cabindenses, supostamente acusados de actividades nacionalistas contra o ocupante”.
Sublinha que Portugal “tem um papel a desempenhar” neste processo, nomeadamente “reparar o erro cometido contra o povo de Cabinda, que bem conhece a sua história e reúne em si as condições subjectivas e objectivas para definir por si o seu destino”.
“Só a ONU pode pressionar Portugal, tal como o fez no passado recente, no caso de Timor-Leste, ocupado pela Indonésia desde a independência em 1975. Portugal tem a responsabilidade directa da existência de Cabinda, como a sua última colónia em África”, lê-se.
Para Emmanuel Nzita, que lidera a FLEC-FAC no exílio, na Europa, “será uma vergonha acrescida”, se o actual secretário-geral das Nações Unidas, “português e digno defensor dos direitos humanos”, vier a “posicionar-se ao lado do opressor e da injustiça”.
Sublinhando o apelo para que, no decurso deste mandato de António Guterres, a ONU “aprove resoluções e possa responsabilizar Portugal e outros implicados” na “dívida histórica para com o povo de Cabinda”, Nzita garante: “O povo de Cabinda tem condições reunidas para, o mais breve possível, implantar na África central um novo estado, que se chamará: República Cabindense.”
Ingenuamente os cabindas continuam a pensar que Portugal poderá fazer alguma coisa para repor a verdade e, sobretudo, a dignidade deste Povo.
Dizem-nos que os cabindas tinham alguma (embora pouca) esperança no que o presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, poderia fazer em relação às reivindicações do Povo de Cabinda. O melhor é não ter a mínima esperança. O mesmo se aplica a António Guterres.
Vamos por partes. Só por manifesta falta de seriedade intelectual e cobardia, típica dos sucessivos governos portugueses (António Guterres foi primeiro-ministro de 28 de Outubro de 1995 a 6 de Abril de 2002) e respectivos presidentes da República, é que Portugal pode dizer (mesmo que pense o contrário) que Cabinda é parte integrante de Angola.
Cabinda – repita-se – foi comprada pelo MPLA nos saldos lançados pelos então donos do poder em Portugal, de que são exemplos, entre outros, Melo Antunes, Rosa Coutinho, Costa Gomes, Mário Soares, Almeida Santos.
A (des)União Africana
Há mais de três semanas que vários grupos da sociedade civil congolesa na província do Congo Central e do sector de Kakongo na República Democrática do Congo começaram a alertar as autoridades congolesas sobre as repetidas incursões de soldados das Forças Armadas Angolanas que atravessaram a fronteira e instalaram-se na floresta no território da RDC, como relatado pelo chefe do sector de Kakongo Nduma Nkungu à France Press.
Informado da situação, o governo provincial do Congo Central enviou ao local uma equipa para investigar essa presença e informar a sua hierarquia, mas o mesmo não quis comentar sobre uma situação que está começar a perturbar toda a população, forçada a abandonar suas casas e pertences.
Estes soldados angolanos mataram no dia 13 de Maio um jovem com cerca de vinte anos de idade chamado Ngoma Ngiangi, na aldeia de Nkondo Nyanga, a 170 km da cidade de Matadi, que simplesmente suspeitaram ser um membro da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda, FLEC.
Para justificar esta violação e ocupação do território congolês, as autoridades angolanas escondem-se sob o pretexto de perseguir os elementos da FLEC que acusam regularmente de instalar uma base de retaguarda na RDC, o que é desmentido pela FLEC.
Por isso a FLEC alerta o presidente em exercício da União Africana e todas as organizações internacionais de que:
– A FLEC não possui nenhuma base militar nos países vizinhos e resiste às ofensivas militares da FAA no território de Cabinda que conhecem melhor os quatro cantos assim como os segredos da floresta de Mayombe.
– Tem conhecimento que na RDC existem campos de refugiados de Cabindas de Nlundu Matende, Seke Zola, Mfuiki e Tchimbiangua, onde milhares de cabindas vivem sem assistência nem protecção da comunidade internacional, protecção que lhes foi retirada por António Guterres, actual Secretário-Geral das Nações Unidas , e ex-chefe do ACNUR na época (2012).
Mais uma vez a FLEC recorda ao Presidente da União Africana que o conflito de Cabinda, bem como o do Sahara Ocidental, que os angolanos defendem (e bem), deve encontrar soluções apenas através do diálogo, e que chegou a hora para os líderes africanos de se preocupar na resolução desses dois casos na próxima cimeira da UA, a fim de acabar com a hipocrisia dos dois pesos e duas medidas.
A FLEC apela a todos os refugiados de Cabinda na República Democrática do Congo e no Congo Brazzaville para redobrarem a sua vigilância e denunciar junto das autoridades competentes dos países de acolhimento quaisquer movimentos suspeitos das autoridades angolanas para evitar casos de rapto e assassinatos como aconteceu nos últimos anos.