Ser pobre tem mais encanto à luz de um candeeiro (apagado)

A subida do preço da electricidade em Angola está a revoltar os cidadãos, que se queixam do aumento do custo de vida, sobretudo na cesta básica e serviços essenciais. Os donos do reino, baseados na suprema sabedoria do Presidente do MPLA (João Lourenço), do Titular do Poder Executivo (João Lourenço) e também do Presidente da República (João Lourenço), garantem que é tudo para benefício do Povo.

Muitos angolanos, entrevistados pela Lusa junto das agências de pagamento da Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE) consideram que a medida do Governo é “preocupante e prejudicial”.

Em mais um dia para liquidar dívidas junto da instituição pública que distribui a energia eléctrica no país, Daniel Pinto, contou que a sua factura regista um “acréscimo abismal”.

“Vim cá pagar a energia e notei um acréscimo abismal, outrora pagávamos cerca de 2.000 kwanzas (5,1 euros) e agora num mês a gente paga 6.000 kwanzas (15,3 euros) e isso prejudica-nos como clientes”, disse.

De acordo com o novo tarifário de energia, em vigor desde segunda-feira, 15 de Julho, os consumidores da categoria social, com capacidade reduzida em termos de consumo, vão continuar a pagar 2,46 kwanzas/quilowatts (0,006 euros), enquanto para os de consumo baixo de 200 quilowatts o valor sobe de três kwanzas (0,008 euros) para 6,41 kwanzas (0,016 euros).

Em relação à categoria “doméstica geral”, agora designada “categoria doméstica monofásica”, que integra a maioria dos consumidores de electricidade, passa agora dos 6,53 kwanzas (0,017 euros) para 10,89 kwanzas (0,027 euros).

Para os clientes da categoria “doméstica especial”, agora designados por categoria “doméstica trifásica”, grupo de maior capacidade e consumo, passa dos 7,05 kwanzas (0,018 euros) para 14,74 kwanzas (0,036 euros).

Segundo o contabilista, que se diz “surpreso pela medida”, o Governo angolano deveria agir “com muita ponderação” antes de implementar a nova tarifa, porque a mesma vai “reflectir-se negativamente” na vida dos cidadãos.

“O nosso Governo poderia ter um pouco de mais calma ao implementar essa tarifa, já que foi de repente, logo no dia 15 nos foi comunicado que a tarifa seria aumentada e de certa forma isso prejudica-nos bastante”, lamentou Daniel Pinto.

Preocupada com o novo tarifário da energia eléctrica está igualmente Tânia Corimba, recordando que o país está a viver uma crise económica e financeira, onde muitos “não têm sequer o básico para comer”.

Para a funcionária pública, as novas tarifas da electricidade “vão piorar a já difícil situação dos angolanos”, questionando a “galopante subida dos impostos”, sem, no entanto, haver um percurso similar em relação aos salários.

“Realmente teremos muitas consequências no futuro, porque os preços sobem a cada dia que passa e com isso os salários não sobem. Depois do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado), cuja aplicação está prevista para 1 de Outubro próximo, agora temos o caso da energia eléctrica que subiu, já pagamos a água, a luz e o salário da população continua a ser muito baixo, a situação é muito preocupante”, considerou.

A medida ideal, observou, “seria o Governo primeiro reajustar os salários e baixar a taxa de câmbio, que está muito alta, e com isso também sobem os produtos no mercado”.

As motivações da subida do tarifário da energia eléctrica foram também questionadas por Ladislau Pires, afirmando que a medida vai “prejudicar”, sobretudo, os “consumidores do sistema pós-pago”, pelo facto de pagarem por “estimativas”.

“Vim fazer o pagamento da energia que é pós pago e não sei com que bases é que estabelecem a taxa de pagamento porque é pós-pago e nem sempre temos energia, mas mensalmente pagamos”, frisou.

“E agora temos que pagar a nova tarifa que subiu mais 3.000 kwanzas (7,5 euros) e já é complicado”, lamentou o jovem desempregado, observando que “maior justiça” haverá a nível dos consumidores do sistema pré-pago.

O novo tarifário estabelece que a indústria vai quase duplicar para 12,83 kwanzas (0,033 euros), enquanto o comércio e serviços, que pagavam 14 kwanzas passam agora a integrar a categoria doméstica trifásica.

Fanio Salvador, estudante e comerciante, é cliente industrial e admitiu que o aumento registado na referida classe pode concorrer para o “desincentivo da actividade do país” porque a taxa “é muito elevada”.

“Penso que haverá um desincentivo à classe industrial no pagamento a essa taxa e, aí penso que, a ENDE deveria fazer um pequeno levantamento” para avaliar caso a caso, concluiu.

Segundo o Ministério das Finanças, esta actualização dos tarifários dos serviços de electricidade, que deveria vigorar desde o passado dia 24 de Junho, decorre de uma medida estrutural de gestão macroeconómica, que passa por garantir que os subsídios beneficiem efectivamente os segmentos mais vulneráveis da população, contrariamente ao que vinha sucedendo até agora.

E por falar em crise. Em quê?

A crise (económica, financeira, cambial, moral etc.) levou o Governo a cortar para metade os quase 20.000 milhões de euros que previa investir no sector da energia e águas entre 2014 e 2017. Isso não evitou que, na sua visita à Europa, o Presidente João Lourenço tenha usado – segundo a Imprensa espanhola – um avião de 320 milhões de euros e um séquito gigante. ”Uma aeronave de luxo jamais vista na região”, segundo o portal de informação espanhol La Nueva España.

A informação sobre este corte no investimento no sector da energia e águas consta de um documento governamental que recorda que o programa de reforma do sector energético, implementado a partir de 2014, prevendo nomeadamente a reestruturação das empresas públicas da área e a conclusão de vários empreendimentos de geração de energia e cobertura no fornecimento de electricidade e água, foi considerado como prioritário.

Contudo, lê-se no mesmo documento elaborado pelo Governo do MPLA, devido à crise provocada pela quebra nas receitas angolanas com a exportação de petróleo, o plano inicial de 23.000 milhões de dólares (19.800 milhões de euros) a aplicar até 2017 ficou afinal reduzido em 42,6%, para 13.200 milhões de dólares (11.300 milhões de euros).

No melhor dos cenários, o plano do Governo prevê duplicar, até 2022, o número de angolanos com acesso a um sistema de electricidade, para 2,6 milhões de pessoas.

Em concreto, este programa visava aumentar a produção de electricidade, nas centrais hidroeléctricas e a diesel já construídas e com a construção de novas, bem como “diversificar a capacidade de geração de energia de Angola”, através de centrais hidroeléctricas de menor dimensão, para garantir os consumos locais.

O programa visa igualmente estudar a viabilidade da geração de energia solar e eólica em alguns pontos do país.

Entre 2018 e 2022, a nova previsão do Governo passa por investimentos públicos de 13.500 milhões de dólares (11.600 milhões de euros). Desta verba, 70% serão utilizados para projectos ligados à energia (geração e distribuição) e os restantes 30% ao fornecimento de água.

Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África subsaariana, com cerca de 1,7 milhões de barris por dia, mas o gás natural resultante desta exploração continua a ser queimado ou injectado de novo nos poços. Também é um dos maiores “produtores” de corrupção, incompetência. mortalidade infantil e pobres (20 milhões… por enquanto).

O Governo do MPLA tem por isso a meta de, até 2025, mais de 20% da energia eléctrica produzida no país resultar do aproveitamento do gás natural, através da instalação de centrais de ciclo combinado.

A posição foi transmitida anteriormente pelo ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, no âmbito do plano de desenvolvimento do sector eléctrico, que até 2025 previa elevar a capacidade de produção instalada a cerca de 9.000 MegaWatts (MW), praticamente o triplo no espaço de 10 anos.

Quando esse plano for concluído, 62% do volume de electricidade a produzir será proveniente dos recursos hídricos, com a construção de várias barragens.

A segunda parcela será garantida pelo aproveitamento do gás natural, de 21% do total, o equivalente a uma capacidade instalada, dentro de sete anos, de cerca de 2.000 MW.

“O que se está a projectar é a construção de centrais de ciclo combinado ao longo do litoral do país, em Cabinda, Benguela e Namibe”, explicou o governante.

João Baptista Borges lembrou que depois da água, o gás é o segundo maior recurso natural disponível em Angola para a produção de electricidade, sendo objectivo do Governo diversificar as fontes de energia, para que o país não fique “dependente de um único combustível primário”.

Promessas às… escuras

Em Setembro de 2016 ficou a saber-se que o Estado iria capitalizar a nova empresa pública nacional responsável pela comercialização e distribuição de electricidade com mais de 38 milhões de euros, segundo um despacho presidencial.

De acordo com o documento assinado pelo então Presidente José Eduardo dos Santos, de 18 de Agosto, foi autorizado um crédito adicional para a capitalização da Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade, criada em Novembro de 2014.

Estabelecia-se ainda que caberia ao Instituto para o Sector Empresarial Público a abertura do crédito necessário, no valor de 5.417.600.000 de kwanzas (38,6 milhões de euros).

O Governo criara em 2015 três novas empresas públicas para gerir a área da energia, avaliadas em mais de 9,5 mil milhões de euros, e a extinção de outras duas.

A decisão foi justificada pelo Executivo de então com a “estratégia de desenvolvimento do sector eléctrico” do país e pela necessidade de “saneamento financeiro das empresas do sector”.

A nova estrutura organizativa do sector, também no âmbito do desenvolvimento programado até 2025, envolvia a criação de unidades de negócio dedicadas expressamente à Produção, Transporte e Distribuição de energia.

O diploma com estas medidas entrou em vigor a 20 de Novembro de 2016 e aprovou a extinção das empresas públicas ENE (Empresa Nacional de Electricidade) e EDEL (Empresa de Distribuição de Electricidade).

Os activos destas duas empresas – e ainda do Gabinete de Aproveitamento do Médio Kwanza -, bem como responsabilidades e trabalhadores foram distribuídos, em função das unidades de negócio, pelas novas empresas criadas.

Foi o caso da empresa pública de Produção de Electricidade (PRODEL), “responsável pela exploração, em regime de serviço público, dos centros electroprodutores”, integrando um capital estatutário de 4.997 milhões de dólares (4,4 mil milhões de euros).

Outra das novas empresas públicas constituídas foi a Rede Nacional de Transporte de Electricidade (RNT), “dedicada exclusivamente à gestão do sistema, à operação do mercado (comprador único) e à gestão da rede de transporte” e com um capital estatuário de 2.997 milhões de dólares (2,6 mil milhões de euros).

Por último, o mesmo diploma criou a Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE), dedicada “exclusivamente à comercialização e distribuição de energia eléctrica, no âmbito do sistema eléctrico público”, representando um capital estatuário de 2.918 milhões de dólares (mais de 2,6 mil milhões de euros).

Produção hidroeléctrica

Recorde-se, entretanto, que o Governo chamou na altura uma empresa privada para estudar a potencialidade e viabilidade de novos projectos de produção hidroeléctrica no país.

Segundo o despacho presidencial de 8 de Abril de 2016, o Ministério da Energia e Águas foi autorizado a celebrar um Memorando de Entendimento com a empresa Organizações Mário Freitas & Filhos, para a realização em conjunto de estudos preliminares de viabilidade para projectos de infra-estruturas eléctricas nos domínios de Produção, Transporte e Distribuição.

“Tendo em conta a existência em Angola de um potencial hidroeléctrico elevado e a possibilidade de serem consideradas ampliações na capacidade de geração de energia hidroeléctrica”, lê-se no documento.

Além disso, o Governo reconhece neste projecto a “necessidade de reabilitar e expandir as redes de distribuição de electricidade das sedes municipais e implementar os projectos de electrificação rural”.

Na prática, o défice energético provoca sistemáticos cortes no fornecimento de electricidade à população, face ao aumento do consumo, explicado com o registo de subida das temperaturas no país, além da reduzida taxa de cobertura do território.

O plano de reforço da capacidade instalada em Angola envolveu, até 2017, a ampliação da barragem de Cambambe, a construção da barragem de Laúca (ambas na província do Cuanza Norte) e da Central do Ciclo Combinado do Soyo (província do Zaire), permitindo atingir a produção considerada necessária para assegurar os consumos de 24,3 milhões de pessoas.

Folha 8 com Lusa

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