A UNITA, maior força da oposição angolana, declarou 2019 como “ano da consagração da memória” do líder histórico e fundador Jonas Savimbi, morto em combate em 2002, considerado pelo regime do MPLA como um criminoso ou até, segundo os mais ortodoxos, como terrorista, e cujos restos mortais continuam “sequestrados” pelo Governo, indica hoje um comunicado o partido do “Galo Negro”.
Segundo o documento, a decisão foi tomada na primeira reunião deste ano do Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA, liderada pelo presidente do partido, Isaías Samakuva.
“A fim de dar cumprimento à resolução da IV Reunião Ordinária da Comissão Política, realizada em Dezembro passado, segundo a qual os anos devem passar a ser dedicados a um objectivo, programa ou acontecimento relevante à vida do partido, como era tradição num passado não muito distante, o Secretariado Geral do partido foi orientado no sentido de dar a devida divulgação à decisão que dedica o ano de 2019 à Consagração da Memória do Dr. Jonas Malheiro Savimbi”, lê-se no comunicado.
A decisão surge como “resposta” às críticas feitas a 21 de Dezembro pelo Presidente angolano, João Lourenço, que referiu que o Governo está preparado para, “a qualquer momento”, exumar os restos mortais do líder fundador da UNITA e trasladá-los para onde a família e o partido da oposição entenderem, denunciando o “silêncio” da UNITA.
Na ocasião, numa conferência de imprensa, João Lourenço sublinhou não perceber a insistência da UNITA, quando é o próprio partido do “Galo Negro” que está a “vacilar” nessa vontade.
“Estamos preparados para, a qualquer momento, depositar os restos mortais [de Jonas Savimbi] onde quiserem. Mas a UNITA pede-nos calma. Muitas famílias gostariam da ajuda do Estado para localizar, exumar e transladar os familiares [que morreram durante o conflito angolano, entre 1975 e 2002]”, afirmou.
“A UNITA está a atrasar o processo”, acrescentou João Lourenço, que explicou que, após tomar posse, em Setembro de 2017, o líder do partido do “Galo Negro”, Isaías Samakuva, lhe deu conta da situação e pediu celeridade no processo.
Na altura, acrescentou, disse ter procurado inteirar-se da situação e reactivado a comissão de acompanhamento do processo, que juntava uma delegação do Governo, outra da UNITA e a família de Jonas Savimbi.
“A UNITA queixava-se da lentidão do processo, mas nós estamos a tentar resolver o caso. É como se dissessem agora: ‘Não, não. Tenham calma. Não temos pressa'”, referiu João Lourenço, garantindo que o processo terá também de passar testes de ADN, um a nível oficial e outro pela família”, referiu.
Uma semana antes, a 15 de Dezembro, o porta-voz da UNITA, Alcides Sakala, indicou que os restos mortais de Jonas Savimbi, que se encontram sepultados à guarda do Governo angolano próximos de Lucesse, na província do Moxico, onde foi abatido durante a guerra civil, só serão exumados em 2019.
Alcides Sakala indicou então que estavam a decorrer discussões entre a UNITA e o Governo para a definição de um calendário e data para a operação.
Em Agosto de 2108, na sequência de nova reunião entre João Lourenço e Samakuva, o chefe de Estado angolano garantiu o “empenho pessoal” para que o processo de exumação dos restos mortais de Jonas Savimbi ficasse concluído ainda nesse ano.
“O ano já está no fim, naturalmente. Mas o importante é que as discussões continuam. Estas condições criadas para o efeito têm vindo a aproximar pontos de vista. Vai-se definir um quadro de passos que têm de ser dados e pensamos que, no início do próximo ano, poderemos apresentar eventualmente um cronograma quase definitivo deste processo”, disse, a 15 de Dezembro, o porta-voz da UNITA.
O líder histórico da UNITA nasceu a 3 de Agosto de 1934, no Munhango, a comuna fronteiriça entre as províncias do Bié e Moxico, e viria a ser morto em combate após uma perseguição das Forças Armadas Angolanas (que integrava alguns dos ex-generais das FALA que, entretanto, tinham desertado) a 22 de Fevereiro de 2002, próximo de Lucusse, no Moxico.
A exumação dos restos mortais de Jonas Savimbi insere-se no quadro da “reconciliação nacional” promovida por João Lourenço – Governo e UNITA mantiveram uma guerra civil de 27 anos (1975/2002) -, que já permitiu realizar idêntico processo, concluído com uma homenagem ao mais alto nível, a um alto militar do exército do “Galo Negro”, o general Arlindo Chenda Pena “Ben Ben”, em Setembro.
“Ben Ben” foi comandante do antigo exército da UNITA, as Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA), e, após a breve reconciliação concretizada em 1998, foi designado chefe adjunto das Forças Armadas Angolanas (FAA), quando, no mesmo ano, viria a morrer devido a doença.
Os restos mortais de “Ben Ben” estavam sepultados num cemitério em Zandfontein, próximo de Pretória, na África do Sul.
De “Ben Ben” a Savimbi
No dia 14 de Setembro de 2018, o Presidente João Lourenço homenageou o general “Ben Ben”, desejando que “os seus restos mortais descansem em paz na terra que o viu nascer e pela qual pugnou em nome da reconciliação”.
Em nome da reconciliação João Lourenço dirá algo parecido de Jonas Savimbi? Não. Não dirá. Para já pôs a UNITA de joelhos e recebe, justamente, os aplausos de todos.
A homenagem foi prestada no quartel Regimento de Infantaria 20 (RI20), em Luanda, para onde foi transportado o corpo de “Ben Ben”, que chegou a Angola, 20 anos depois de ter sido sepultado na África do Sul, onde morreu em 1998, vítima de doença.
“Neste momento de consternação, esta é a derradeira homenagem ao general Arlindo Chenda Isaac Pena ‘Ben-Ben’, ex-chefe adjunto das Forças Armadas Angolanas (FAA). Desejo que os seus restos mortais descansem em paz na terra que o viu nascer e pela qual pugnou em nome da reconciliação, do desenvolvimento e da democracia. Uma palavra de conforto as FAA e a família”, escreveu João Lourenço.
O vice-chefe de Estado, Bornito de Sousa, o presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, membros do Governo, do Conselho Superior da Magistratura Judicial angolana, deputados, políticos e demais actores da sociedade também homenagearam “Ben-Ben”.
O ministro da Defesa Nacional de Angola, Salviano de Jesus Sequeira, assinalou a relevância do momento, considerando ser uma “homenagem merecida” e com um “significado especial para o país”.
Para o governante, a cerimónia de homenagem ao antigo chefe adjunto das FAA traduz-se na “continuação da reconciliação nacional e na solidificação da paz” em Angola.
Já o chefe de Estado Maior General das FAA, Egídio de Sousa Santos “Disciplina”, augurou que a alma de o general falecido, “descanse em paz”, sublinhando igualmente ser uma “homenagem merecida”.
O Governo considerou que o repatriamento dos restos mortais do general angolano para Angola constitui um “acto de grande significado histórico” para o país.
Para o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, Francisco Queiroz, a trasladação para Angola dos restos mortais do general constitui mais uma reaproximação dos cidadãos angolanos, após uma guerra civil de quase 30 anos.
O ministro ressalvou que o repatriamento dos restos mortais de “Ben Ben”, que estava sepultado num cemitério em Zandfontein, próximo de Pretória, só não ocorreu mais cedo porque Angola vivia um contexto de guerra civil (que terminou em 2002, recorde-se), “caracterizado por muitos bloqueios, muitas tensões e também muita hostilidade entre irmãos”.
Por sua vez o presidente da UNITA, Isaías Samakuva, considerou o acto como “mais um passo” na remoção dos obstáculos para a reconciliação nacional dos angolanos.
O líder da UNITA, maior partido de uma domesticada oposição, destacou o apoio do Presidente angolano, depois de anos em que tudo parecia “impensável”.
“Temos todos de reconhecer, não só o facto de ter sido possível, hoje, trazer o corpo do general Ben Ben para Angola, como também que tudo se processou de uma forma bastante rápida quando, ao longo desse tempo todo, parecia ser impensável fazer-se este acto hoje. É importante quando estamos a falar da reconciliação nacional, da unidade dos angolanos”, frisou.
Recordar-se-á Isaías Samakuva de, em Setembro de 2005, a UNITA ter divulgado que Jonas Savimbi, Salupeto Pena e Ben Ben seriam sepultados em conjunto, numa só cerimónia, na Lopitanga?
Segundo o então secretário para os Assuntos Protocolares da UNITA, Araújo Kecyke Pena, “a nossa família defende um enterro único em campa familiar, na Lopitanga, uma vila no município do Andulo, tendo em conta os custos financeiros e sobretudo os emocionais”.
Folha 8 com Lusa