O advogado Arão Bula Tempo, em declarações à DW (“Deutsche Welle”) considerou que a detenção do general António José Maria, antigo chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM) de Angola, não passa de mais uma manobra de manipulação da opinião pública, tendo em conta os problemas sociais que o país atravessa.
Por Orlando Castro
“O Presidente da República fez muitas promessas”, numa época, a actual, em que o país está a “atravessar situações drásticas ao nível económico, provocados pelo próprio partido no poder. Creio que o Presidente, para limpar a imagem do MPLA, está a tentar encontrar algumas personalidades para responderem em tribunal, porque se for um trabalho aturado, todos aqueles que desviaram dinheiro do erário público têm que responder”, afirmou o advogado.
Também em declarações à DW, o activista social, Adão Ramos afirma que a prisão do antigo chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar “não é para se levar a sério” no que concerne a um verdadeiro combate à impunidade.
“Essas pessoas detidas, são classificadas arguidas, e depois são-lhes retiradas as medidas de coacção e não acontece mais nada, tal como é o caso do deputado Higino Carneiro. Também visa consolidar o poder do Presidente da República, para mostrar que quem ainda faz alguma resistência à sua liderança, que ele tem poder suficiente para fazer o que também fez o ex-Presidente da República, que é punir, prender, enfim, fazer outras coisas para quem representa algum incómodo”, sublinhou Adão Ramos.
Dos dois últimos presidentes da República, nenhum deles nominalmente eleito, pode dizer-se que cada um ao seu estilo mas ambos filhos do MPLA, são autocratas e entendem ser os “escolhidos de Deus”, dando lições (aos angolanos) daquilo que desconhecem: ética, democracia, honra, verdade, dignidade, respeito, moral, liberdade etc..
Nas reuniões com os seus sipaios do MPLA, tal como Eduardo dos Santos, também João Lourenço puxa dos galões para, perante uma plateia subserviente, amorfa e castrada, dizer que os angolanos não devem ser expostos a situações dramáticas, citando inclusive como exemplo o que se passou no do 27 de Maio de 1977, quando foram assassinados pelo MPLA milhares e milhares de militantes do MPLA.
“Não se deve permitir que o povo angolano seja submetido a mais uma situação dramática, como a que viveu em 27 de Maio de 1977, por causa de um golpe de Estado”, afirmava José Eduardo dos Santos, procurando – o que foi uma das suas especialidades compradas com o dinheiro roubado ao Povo – branquear a sua atávica avidez pelo poder, pela tirania, pelo nepotismo. João Lourenço subscreve com certeza esta tese.
José Eduardo dos Santos até vislumbra na sua sombra um golpe de Estado. João Lourenço vive sob o efeito do mesmo fantasma. É típico dos ditadores que estão a ver o seu regime a chegar ao fim da picada. E há 44 anos que Angola tem o mesmo regime. Talvez por isso Eduardo dos Santos tenha tido ao seu lado gente como os generais Zé Maria (chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar – SISM), Kopelipa (chefe da Casa de Segurança do presidente da República) e Eduardo Octávio (chefe do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado – SINSE).
E talvez por isso, como em Maio de 1977, mandou decapitar, fuzilar, ou entrar na cadeia alimentar dos jacarés todos os que sonhavam com um futuro melhor, mais igualitário e mais fraterno para os angolanos. Os seus generais até mataram um miúdo, um menino, que só queria saber porque é que deitaram abaixo a cubata dos seus pais.
É este o regime que João Lourenço mantém incólume no essencial, tendo apenas alterado algumas partes acessórias.
A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau no carácter de alguém, no modus operandi de um partido que domina o país há 44 anos. Permitiu ao MPLA perpetuar-se no poder, tal como como permitiu que a UNITA dissesse que a guerra era (e pelo que se vai vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de dono do país.
É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão.
Por outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e Europa, ajudou a dotar o MPLA com o rótulo de grande partido com lugar cativo na Internacional Socialista. Rótulo que não corresponde minimamente ao produto. Essa opção estratégica de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico.
É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder dezenas de anos, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.
É, como acontece desde sempre com o MPLA, muito mais fácil negociar com o líder de uma seita que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.
Desde 2002, o MPLA tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.
Angola esteve, está e estará (faz parte do ADN do MPLA) entre os países mais corruptos do mundo. A taxa de mortalidade infantil é das mais altas do mundo. E, é claro, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome.
Recordemos que, por exemplo, o então ministro Georges Chikoti disse não estar preocupado com a campanha internacional para a libertação dos então presos políticos (Revús) em Angola, jurando que eles estavam a preparar um golpe de Estado. Nada mais, nada menos. Um golpe de Estado.
Os activistas, então detidos, não eram presos políticos, afirmou o na altura ministro das Relações Exteriores, mantendo – como lhe foi ordenado pelo “querido líder” e por uma questão de sobrevivência – a tese de que os jovens activistas tinham mísseis escondidos nas lapiseiras, Kalashnikovs camufladas nos telemóveis e outro armamento pesado e letal disfarçado nos blocos de apontamentos. Só assim se compreende que estivessem a preparar um golpe de Estado.
A campanha internacional pela libertação dos activistas mostrou, aliás, que todos se esquecem que o MPLA é o único representante de Deus na Terra e que, por isso, tem poderes adivinhação que o levam até a saber com exactidão milimétrica o que as pessoas pensam.
Foram, aliás, esses poderes que permitiram a prisão dos jovens em flagrante delito: estavam nesse momento a pensar numa solução para derrubar o MPLA. E isso constitui só por si matéria de facto para os mandar matar.
Além disso, não foram necessárias outras provas. Para que serviriam ao regime as armas (as tais que estavam camufladas), ou os milhões de guerrilheiros (os tais que estavam no quintal debaixo da mangueira)? Saber o que os jovens pensavam foi condição sine qua non.
Vejamos a explicação de Georges Chikoti: “Angola é um país democrático, tem partidos políticos que participam no Parlamento. O que não se pode aceitar é que as pessoas queiram utilizar a violência como via de atingir ou alcançar o poder político”.
Quando Georges Chikoti falava, com todo o conhecimento de causa, de violência estava, obviamente, a referir-se à revolta militar que o tal exército dos jovens tinha em mente, caso não estivesse tanto calor debaixo da mangueira.
Vir agora dizer-se que o regime não sabe conviver com o contraditório e revela uma das suas facetas mais marcantes, a intolerância, é não compreender o ADN do MPLA, em que o ponto mais alto foi o massacre de milhares e milhares (talvez 80 mil) de angolanos no dia 27 de Maio de 1977.
É, aliás, não compreender que o regime do MPLA está de tal maneira moribundo que até manda prender e matar a sua própria sombra. Aliás, até mandou assassinar a tiro um “puto” que não gostou de ver os militares deitarem abaixo a “casa” dos seus pais.
De facto, tudo isto mostra que o regime do MPLA está morto, só ainda não sabe.