O economista angolano Alves da Rocha disse hoje que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras entidades internacionais são prejudiciais à economia angolana e que Angola precisa de um modelo económico próprio em vez de “copiar” o que vem de fora. Pois. Estão a receitar que vivamos viver sem… comer. E como o Governo tem, pelo menos, três refeições por dia…
De modo diferente pensa o Titular do Poder Executivo (“provavelmente” também o Presidente da República e do MPLA) que ainda agora afirmou, no Japão, que “para criar as condições de estabilidade macroeconómica necessárias para um melhor ambiente de negócios, o Executivo de Angola está a implementar, com o apoio do Fundo Monetário Internacional, um Programa para a estabilização da economia angolana”, acrescentando que “este programa tem permitido alcançar resultados positivos no que respeita à consolidação fiscal, à redução das taxas de inflação, à normalização gradual do mercado cambial, bem como à estabilização das taxas de juro dos títulos do Tesouro e do nível das reservas internacionais líquidas do país”.
Em declarações à Lusa, à margem de um seminário sobre relações China-Angola, Alves da Rocha, economista e director do Centro de Estudos e Investigação Cientifica (CEIC) da Universidade Católica de Angola, salientou que o modelo do FMI não é o único a seguir e que se devem procurar alternativas.
“Numa situação de pobreza, de rendimentos escassos, como é que se aceita um acordo com o FMI cujas traves mestras são a diminuição do investimento público, o corte de despesas públicas, o aumento dos impostos?” – questionou, lamentando que não haja um modelo de pensamento económico angolano.
Se calhar, colocando a modéstia à margem deste parágrafo, Alves da Rocha deveria ler o que o Folha 8 tem escrito sobre este assunto.
Alves da Rocha interrogou-se igualmente sobre “quando é que o ajustamento macroeconómico que o FMI impõe, nomeadamente em África” terá fim: “O FMI impõe a ideia de que primeiro tem de haver o ajustamento macroeconómico, a eliminação do défice orçamental, a redução da dívida pública no Produto Interno Bruto, a redução da inflação, aquele receituário que a gente já conhece (…) Esquecem-se de que consolidação sem crescimento económico e redução da pobreza não existe”.
O economista disse também que “se é fundamental ter o FMI” para mudar a imagem externa do país e a sua capacidade de contratação de empréstimos no mercado internacional, então Angola está “muito mal”. E está mesmo.
Por outro lado, citou o caso de Portugal como um exemplo a seguir: “Conseguiram sair da troika e gizar um modelo, contra todas as ortodoxias do Banco Mundial, do Banco Central Europeu, do FMI, que estiveram presentes durante aquele período dos cortes orçamentais e assentaram o essencial do crescimento da economia do lado da procura”.
Quanto ao executivo, Alves da Rocha sugere que saia do modelo que está a seguir, definido pelo FMI e pelo Banco Mundial e procure alternativas junto das academias e centros de pesquisa.
Entre as alternativas, sugeriu “parcerias estratégicas” com a China, rejeitando que estas impliquem uma excessiva dependência do que já é actualmente o principal parceiro comercial de Angola.
Para Alves da Rocha, maior é a dependência existente em relação ao FMI e ao Banco Mundial, porque Angola está convencida de que só com o acordo com FMI poderá captar investimento estrangeiro, o que no seu entender (como no do Folha 8) é “errado”.
O responsável do CEIC afirmou ainda que a diversificação da economia, uma bandeira do governo do presidente João Lourenço, exige “um processo” que não está a acontecer por falta de “capacidade e modernidade” dos empresários e de uma classe trabalhadora pouco qualificada.
Sobre os acordos de financiamento que João Lourenço negociou entre Dezembro de 2018 e o primeiro trimestre de 2019, que estima em cerca de 12 mil milhões de dólares (10,6 mil milhões de euros) considerou que, por enquanto, se limitam a “anúncios”, sem repercussão na economia real.
O CEIC apresentou hoje um relatório sobre as relações China-Angola à luz das iniciativas propostas na cimeira China-África, que terá uma nova versão em Dezembro deste ano.
No seminário onde o documento foi apresentado, Alves da Rocha realçou a necessidade de “desmistificar e tornar mais realistas as condições da presença chinesa em Angola” e adiantou que o organismo que dirige está a trabalhar na melhoria do conhecimento sobre a realidade chinesa em Luanda.
FMI quer ensinar-nos a viver sem… comer
O representante do FMI em Angola, Max Alier, defendeu no passado dia 28 de Junho a “eliminação dos subsídios” aos combustíveis, água e electricidade no país, porque “beneficiam os mais ricos”, e a implementação de “programas de apoio às pessoas mais vulneráveis”. Com combustíveis, água e electricidade mais caros está-se mesmo ver que os pobres vão viver… melhor!
“A nossa posição nesse sentido é clara, os subsídios aos combustíveis, à água e à electricidade são ineficientes e (…) beneficiam, principalmente, as pessoas mais ricas, porque são as que mais consomem e mais se apropriam dos subsídios”, afirmou Max Alier, em declarações aos jornalistas, em Luanda.
Para o representante do FMI, a eliminação dos subsídios deve decorrer, “ao mesmo tempo, com a implementação de um programa de apoio às famílias mais necessitadas”, por entender que o peso actual “relativo às despesas em subsídios é maior no total das despesas das famílias vulneráveis”.
Falando à margem da nona edição do Fórum Banca, realizado pelo semanário económico Expansão, Max Alier deu conta de que “está já em curso” a implementação de um programa de transferência de renda para o apoio às famílias mais necessitadas, elaborado pelo Governo em parceria com o Banco Mundial (BM).
“A nossa recomendação é: os subsídios são ineficientes, não ajudam, devem ser eliminados, mas deve ser feito implementando-se o Programa de Transferência de Renda para apoio às famílias mais necessitadas”, adiantou.
Max Alier, que no encontro falou sobre “A Intervenção do FMI em África e no Mundo – O que Esperar em Angola”, assinalou a primeira avaliação do Programa de Assistência que o Fundo tem com o país, que permitiu já o segundo desembolso de perto de 250 milhões de dólares (220 milhões de euros).
No quadro do Programa de Assistência Financeira a Angola, com duração de três anos, orçado em 3,7 mil milhões de dólares, o FMI fez em Dezembro de 2018 o primeiro desembolso avaliado em 1.000 milhões de dólares. O segundo aconteceu no decurso de Junho, orçado em 248 milhões de dólares, depois da aprovação da primeira revisão.
Segundo o representante do FMI, o programa “tem tido um começo promissório, com as autoridades a cumprirem a maioria dos compromissos”, manifestando-se “optimista” de que este “vai ajudar Angola a melhorar o quadro macroeconómico e financeiro”. “Vai fortalecer a situação macroeconómica e financeira”, considerou.
Questionado sobre os aspectos positivos e negativos da implementação do programa em Angola, Max Alier destacou o “grande esforço fiscal, a diminuição da inflação e os avanços do mercado cambial” como “notas positivas”.
O responsável do FMI adiantou que, em 2017, Angola teve um défice orçamental acima de 6% do Produto Interno Bruto e, em 2018, teve um superavit acima de 2%.
“Foi um grande esforço fiscal positivo que era necessário devido ao grande aumento do endividamento público nos últimos anos”, adiantou.
“Também cabe destacar os avanços no mercado cambial em Dezembro de 2017. O diferencial entre o paralelo e o oficial era acima dos 150% e hoje a diferença é só de 30%”, destacou, acrescentando: “Acho que são grandes passos no caminho de normalizar a situação macroeconómica e financeira”.
Em relação às recomendações, Max Alier adiantou que Angola “tem desafios importantíssimos que não serão resolvidos de uma só vez”, como a implementação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), cuja aplicação está agora prevista para 1 de Outubro, para “alargar” a base tributária do país.
“Angola também tem uma alta dependência da receita petrolífera e é importante para não ter essa vulnerabilidade ampliar, alargar a base da receita para uma menor dependência do sector petrolífero”, defendeu.
Para o representante do FMI em Angola, “a reforma do IVA, por exemplo, está encaminhada nesse sentido, em criar impostos que não dependem do preço do petróleo e, assim, o Governo não depende dessa vulnerabilidade”.
Em Dezembro de 2009, o então director-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, fazia um aviso à navegação: “Os problemas acontecem quando os governos dizem à opinião pública que as coisas estão a melhorar enquanto as pessoas perdem os seus empregos”.
“Para alguém que vai perder o seu emprego, a crise não acabou. E isso constitui um alto risco”, afirmou o director-geral do FMI, acrescentando que “isso também pode, em alguns países, tornar-se um risco para a democracia. Não é fácil administrar esta transição, e ela não será simples para os milhões de pessoas que ainda estarão desempregadas no próximo ano”.
“A economia mundial somente se restabelecerá quando o desemprego cair”, disse o responsável do FMI. E se assim é, os angolanos estão ainda mais lixados. Aliás continuam à espera dos primeiros empregos dos 500 mil que João Lourenço prometeu.
E, convenhamos, se for possível a João Lourenço garantir que os angolanos conseguem estar uns anos sem comer, Angola não tardará muito a ter o défice em ordem e a beneficiar do pleno emprego.
Segundo o FMI, afinal os angolanos não têm nada a temer. Se, por um lado, há muita gente que vive pior (o que parece, segundo o Governo do MPLA, uma boa consolação), por outro, quando a crise passar, uma só refeição já será uma dádiva divina para os que não tinham nenhuma.
Folha 8 com Lusa