Presidente do MPLA não pode falar em nome de todos os angolanos

O Presidente dos angolanos do MPLA, João Manuel Gonçalves Lourenço, disse, em Harare, que o antigo Chefe de Estado zimbabueano, Robert Mugabe, foi uma figura de destaque no processo de luta de libertação dos povos do continente africano. Tal como Agostinho Neto, acrescentamos nós…

Por Orlando Castro

João Lourenço falava à imprensa pouco depois da chegada a Harare, e ainda no Aeroporto Internacional Robert Gabriel Mugabe (JLo merece, obviamente, ter também um aeroporto – talvez no Cuito Cuanavale – com o seu nome) assinou um livro de condolências em homenagem ao ditador zimbabueano, que morreu num hospital de Singapura, aos 95 anos.

“O Presidente Mugabe é uma das figuras de destaque no processo de luta de libertação dos nossos povos, não só aqui nesta região da SADC, mas de uma forma geral, no continente”, disse João Lourenço.

Para o Presidente João Lourenço, a sua ida a Harare destinou-se a render, em seu nome pessoal, da sua família e do povo angolano (só tem legitimidade para falar dos angolanos do MPLA), a última homenagem a “esse grande homem que foi Robert Mugabe”.

Acrescentou que o povo angolano (do MPLA) está com um sentimento de pesar pelo facto de o continente africano ter perdido um dos seus melhores filhos. E se Mugabe, tal como Agostinho Neto, foi um dos melhores filhos de África, a seu lado devem figurar – entre outros – Pol Pot, Josef Stalin, Adolf Hitler, Saddam Hussein, Théoneste Bagosora, Hadji Mohamed Suharto, Idi Amin Dada, Benito Mussolini, Slobodan Milosevic, Francisco Franco, Charles Taylor e Augusto Pinochet.

À sua chegada a Harare, João Lourenço foi recebido pelo ministro zimbabueano dos Negócios Estrangeiros e Comércio Internacional, Sibusiso Busi Moyo. O embaixador de Angola no Zimbabué, Agostinho Tavares da Silva Neto, esteve, igualmente, presente no acto de recepção a João Lourenço.

João Lourenço manteve igualmente um encontro de cortesia com o seu homólogo zimbabueano, Emmerson Mnangagwa, no Palácio Presidencial, no qual estiveram presentes membros do seu gabinete.

Um querido amigo do MPLA

Robert Mugabe, presidente que se julgou (e esteve quase) vitalício, velho e querido amigo dos seus homólogos do MPLA, José Eduardo dos Santos e João Lourenço, esteve há uns anos na ONU e disse que a culpa de tudo o que se passava no seu reino se devia às sanções económicas aplicadas pelo Reino Unido, EUA e outros países ocidentais.

Recordando (e aqui fica a lembrança para sua majestade o actual rei de Angola) que Mugabe disse em tempos que só Deus o podia tirar de presidente, não houve mesmo necessidade de haver eleições para tentar substituir Mugabe. Eleições sérias, democráticas, transparentes só fazem sentido se forem para substituir… Deus.

Angola, tal como o Zimbabué, “não tem uma ditadura”, diziam os acólitos internos do anterior “escolhido de Deus”, tal como dizem os actuais de João Lourenço, bem como alguns externos, muitos deles africanos. Todos sabiam que o regime de Eduardo dos Santos não tinha a força da razão mas tinha, e de que maneira, a razão da força. O mesmo se passa com João Lourenço. E, ao que parece, Deus sabe disso…

“Numa sociedade democrática as pessoas manifestam-se, o direito à manifestação está consagrado na lei angolana. Naturalmente, toda a manifestação tem os seus limites, e a liberdade também tem as suas limitações”, afirmava reiteradamente Eduardo dos Santos, algumas vezes pela boca de um dos seus mais renomados sipaios, de nome Marcos Barrica.

Quando, em 2011, questionado sobre se as manifestações em Angola podiam ser comparadas com as contestações sociais e políticas no norte de África, José Marcos Barrica referiu que, “contrariamente ao que se diz de Angola”, no norte do continente há manifestações “que decorrem de regimes ditatoriais”.

“Angola não tem uma ditadura”, frisou. “Angola saiu de um contexto de guerra que provocou traumas que precisam ser sarados e naturalmente temos situações que criam alguma impaciência, as pessoas querem que as coisas corram rápido, para satisfazer as suas necessidades materiais e espirituais. As pessoas ficam impacientes e isso dá origem a estes desacatos”, justificou o sipaio, embora com legítimas esperanças de chegar a chefe de posto. Talvez esteja na altura de João Lourenço lhe dar uma ajuda…

Importa, contudo, recordar que foi este mesmo sipaio, José Marcos Barrica, que chefiou em Março de 2008 os observadores eleitorais da África Austral nas “eleições” presidenciais do Zimbabué.

Na altura, certamente com toda a legitimidade e correspondendo ao seu conceito de ditadura e de democracia (que hoje continua válido), mas contra todas as informações independentes que chegavam do Zimbabué, José Marcos Barrica afirmou que as “eleições foram uma expressão pacífica e credível da vontade do povo”.

Também à revelia das informações que chegavam do reino de Robert Mugabe, José Marcos Barrica disse que as eleições foram “caracterizadas por altos níveis de paz, tolerância e vigor político dos líderes partidários, dos candidatos e dos seus apoiantes.”

Barrica não perdeu, aliás, a oportunidade para salientar que “as eleições foram realizadas contra um pano de fundo caracterizado por um clima internacional muito tenso e bipolarizado onde alguns sectores da comunidade internacional permanecem negativos e pessimistas quanto ao Zimbabué e às possibilidades de as eleições serem credíveis”.

Como se viu, vê e verá, José Marcos Barrica teve, tem e terá razão quanto à democraticidade, legalidade e pacifismo do regime de Mugabe. Prova disso são as palavras de João Lourenço em Harare.

Recorde-se igualmente que José Marcos Barrica considerou que “as eleições foram conduzidas numa forma aberta e transparente”, congratulando-se com o facto de a Comissão Eleitoral do Zimbabué “satisfazer os desafios administrativos de levar a cabo as eleições harmonizadas e demonstrar altos níveis de profissionalismo”.

“O grande vencedor é o povo do Zimbabué”, concluiu na altura o chefe dos observadores eleitorais da África austral nas presidenciais do Zimbabué.

Embora se esconda atrás das relações entre Estados para não comentar a situação do direitos humanos em Angola, houve tempo em que o então primeiro-ministro de Cabo Verde, José Maria Neves, não se rendia às ditaduras. Mas, como sempre, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e permanecem os ditadores.

Recorde-se que José Maria Neves afirmou que “é preciso que as eleições em todos os países africanos sejam livres e transparentes”, acrescentando que “não considero que estas eleições no Zimbabué tenham sido livres e transparentes. Espero que haja bom senso e que a democracia possa vingar no Zimbabué”.

“É preciso liberdade de expressão e de criação de partidos políticos. É isso que tem que acontecer e portanto as eleições não podem ser nenhuma farsa, têm que ser livres e transparentes”, afirmou também José Maria Neves.

Questionado sobre a posição de Cabo Verde face ao novo governo do Zimbabué, o então chefe do governo declarou-se “solidário com a oposição zimbabueana”, afirmando que apesar do executivo “não precisar do reconhecimento de Cabo Verde”, a comunidade internacional “não pode pactuar com atitudes desta natureza”.

Tal como agora, João Lourenço consegue ver em Angola, tal como no Zimbabué, tudo o que os outros não encontram. No caso de Robert Mugabe, também a UNITA (à perigosa revelia das ordens superiores do MPLA) acusou a União Africana e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral de pactuarem com a “ilegitimidade e o desrespeito das normas internacionais” ao aceitarem Robert Mugabe no seu seio como Presidente do Zimbabué.

Por outro lado, o então presidente da RENAMO, maior partido da oposição em Moçambique, Afonso Dhlakama, disse que o Governo moçambicano deveria encerrar a embaixada do Zimbabué em Maputo, em “sinal de reprovação pela postura ditatorial de Robert Mugabe”.

Também o arcebispo anglicano Desmond Tutu (cometendo o sacrilégio de não consultar o MPLA) disse que, para além de “outros crimes”, o presidente do Zimbabué “destruiu um país lindo que até foi um celeiro da região”.

Sobre a forma de destituir Mugabe, Tutu disse: “Sim, pela força. Se lhe disserem ‘demita-se’ e ele se recusar a fazê-lo, deveriam afastá-lo militarmente”.

“É tempo de Robert Mugabe partir. Penso que isso é a partir de agora uma evidência”, afirmou em tempos a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, qualificando de “farsa” as negociações sobre o acordo de partilha do poder com a Oposição, depois de uma “eleição simulada”.

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