Já me ocorreu – especialmente pouco depois que fui libertado da cadeia – a ideia de pegar na família e instalar-me num país do Ocidente, sim, abandonar Angola e não querer mais ouvir falar deste país onde nasci há quase 35 anos.
Por Nuno Álvaro Dala
Na verdade, a referida ideia continua a ocorrer-me, e tem sido assim especialmente nos últimos 3 anos. Não apenas por causa do Processo em si. Têm concorrido para tal ideia, as complicações imensas relacionadas com os tremendos danos, provocados pelo Estado, que jamais serão reparados, bem como os vários convites e apelos, vindos de entidades que defendem que, pelo meu tipo de personalidade, formação, experiência laboral na docência universitária, investigação científica, activismo e bloqueios sofridos, é curial estabelecer-me no Ocidente, onde, além da tranquilidade advinda de viver sem os milhentos problemas e constrangimentos típicos de um país profundamente atrasado como Angola, eu teria toda uma série de condições para trabalhar à vontade.
«O teu país não compreende pessoas como tu. Países atrasados não compreendem pessoas muito evoluídas como tu e alguns dos teus companheiros do activismo, envolvidos ou não no Processo 15+2», escreveu-me o Paul Mason, cientista de computação e professor, um canadiano que vive em Toronto, um amigo que conheci nos tempos de estudante na Universidade de Winnipeg (Manitoba). O Paul foi uma das individualidades que fez campanha a favor dos 15+2 junto dos corredores do poder do Governo canadiano, que tomou uma pesada posição depois da nossa condenação em Março de 2016.
«Meu amigo, continuares em Angola é atrasares a tua vida. Tens tudo e mais alguma coisa para vingares num país como a Noruega. Eu até compreendo que tenhas um compromisso com o teu país. Mas, pensa bem na tua posição», escreveu-me Soren Kipp, antropólogo, um amigo que fiz durante um projecto de pesquisa sobre os aborígenes da Austrália, em cuja equipa fizemos ambos parte.
«Nuno, admiro a tua determinação, mas sabes bem que o teu país não valoriza gente do teu tipo. Quanto aos Angolanos em geral, tudo bem que realmente reconhecem a coragem e os sacrifícios de quem, como é o vosso caso, leva a cabo uma tenaz luta contra o sistema. Mas acho que isto não anula a necessidade de considerares a vida cheia de bloqueios que levas aí, em Angola. Tens a certeza que queres continuar a viver aí?», escreveu-me Hulda Amund, socióloga e professora, que já esteve em Angola e noutros países africanos, para realizar projectos de pesquisa.
Não tenho dúvidas de que Angola é um dos piores países para viver.
A civilização em Angola anda suspensa.
A História Contemporânea tem demonstrado que, salvo as devidas excepções, o país tem sido (des)governado por indivíduos sectários, perversos e despreocupados com a vasta maioria dos milhões de Angolanos cujas vidas são autênticos apocalipses.
Basicamente, Angola tem sido (des)governada por delinquentes disfarçados de governantes.
O País inteiro há muito que é um imenso buraco negro que engole cidadãos com potencial e capacidades para o ajudar a crescer e desenvolver. É um país que premeia a incompetência, a falsa qualidade e a dissimulação (presentes até mesmo em gente dos alegados partidos na oposição, que se dizem alternativa ao MPLA).
Um país de brinquedo.
Mas, então, por que simplesmente não abandono o País, já que, como bem disse Frank Weird, biólogo evolucionista da National Geographic, com quem trabalhei na Tanzânia, «Angola é um lugar inóspito para pessoas evoluídas»?
Tenho 3 razões para não abandonar Angola, a saber:
1 – Apesar dos muitos bloqueios, ainda consigo cuidar da família vivendo em Angola.
2 – Estabeleci um pacto comigo mesmo no sentido de continuar a contribuir para o avanço do País, um avanço que, mesmo sendo gradual – lento –, acabará resultando em Angola ser um país sério e no qual a generalização do bem-estar social será um facto. A regra é continuar a lutar, até porque os sacrifícios – os muitos sacrifícios – consentidos em 19 anos de activismos têm de valer a pena. Um dia Angola deixará de ser um país de brinquedo.
3 – Eu nasci aqui. Este é o meu país. Não existe outro lugar no planeta que eu possa chamar «meu país» na plenitude absoluta. Este é o meu país e tenho de contribuir para que seja um lugar melhor para os meus filhos, netos, bisnetos e todas as demais gerações de Angolanos, incluindo os descendentes dos delinquentes do MPLA que, sob a longeva presidência de José Eduardo dos Santos, de má memória, levaram Angola ao marasmo socioeconómico, o que não exclui os delinquentes que fazem parte do Governo actual.
Nota: O presente texto não deve ser lido como uma crítica aos Angolanos que tiveram de abandonar o País para salvar a vida ou sair de outras situações extremas. O mesmo se aplica a quem teve de sair para «viver melhor». O texto representa a minha posição como Angolano e como Activista. Respeito a posição e condição dos Angolanos que vivem no estrangeiro.