A brutalidade e boçalidade de agentes dos Serviços de Fiscalização e da Polícia Nacional, maioritariamente mal formados (como o Folha 8 denunciou sistematicamente) quanto à adopção de métodos republicanos de actuação junto dos cidadãos.
Por William Tonet
Se ao longo dos anos a Polícia já vinha agindo com brutalidade excessiva, com a implantação da, por muitos considerada, famigerada, “Operação Resgate”, decretada pelo Titular do Poder Executivo, aumentou exponencialmente a brutalidade no excesso das acções que têm sido levadas a cabo, culminou, no dia 12 de Março, com um dos mais horrendos assassinatos à queima roupa, protagonizado por um agente policial, a mando do chefe de patrulha, Manuel Implacável, contra uma indefesa mulher zungueira, Juliana Jacinto Félix, 28 anos de idade, natural do município do Libolo, província do Kwanza Sul, mãe de três (3) filhos menores.
O fatídico ocorreu por volta das 17h58, na Avenida 21 de Janeiro, na zona de entrada do campo do Interclube (junto à antiga Macon), no bairro Rocha Pinto, quando um patrulheiro se aproximou-se dois jovens e uma senhora (a vítima), apoderando-se, ilicitamente, melhor, “roubando”, os respectivos produtos de venda (no dicionário dos brutamontes e covardes agentes policiais, da “Operação Resgate”, não existe a “Coima” ou “Multa”, sobre práticas incorrectas de venda), colocando-os na carroçaria do Jeep patrulha Toyota (quando isso acontece o destino é a divisão dos mesmos entre os agentes e nunca a apreensão).
Inconformada e desesperada a vítima, mulher de pedreiro-ladrilhador desempregado (faz mais de dois anos), ao ver esfumarem-se as últimas economias que garantiam a sobrevivência familiar de cinco pessoas, decide implorar clemência e compaixão, quanto mais não fosse devido à criança de seis meses, que carregava consigo.
E é nesse exercício de sobrevivência que ouve o chefe da patrulha, Manuel Implacável, no pedestal de um masoquismo inqualificável e quase canibal, ordenar “um tiro nessa cabra de merda”, o que foi imediata e covardemente cumprido, com o disparo de um tiro com arma de guerra no rosto.
Estatelada no chão, alegadamente, banhada com as caricias e choros da inocente criança, tentando consolar a mãe, os polícias algozes, retiraram-se, sem qualquer preocupação de assistência médica, ante a indignação geral, originando um sentimento de revolta que se começou a espalhar pelas redondezas.
“Como podem agentes da Polícia Nacional que devem inspirar confiança às populações se transformam em assassinos, que disparam até contra uma mulher inocente, em Março, pelo crime de tentar alimentar uma família, cujo marido está desempregado”, questionou o sociólogo, Armando Joaquim.
Entretanto, a mesma viatura regressaria ao local cerca de 40 minutos depois, com mais duas motorizadas, conduzidas por agentes policiais, que, ao invés de tentarem amainar a situação, ainda se dirigiam à população de forma arrogante, indiferentes ao corpo, que continuava no chão, atitude, que despoletou a legítima ira e revolta dos populares.
“Foi aqui, com um misto de perguntas e provocações que se iniciou um movimento de resposta dos populares, as agressões dos agentes policiais com aqueles a responderem com objectos contundentes e desproporcionais, que tinham à mão de semear: pedras, paus, ferros, etc.”, explicou ao F8 o sociólogo, para quem “a Polícia tem nos seus quadros muita gente com falta de preparação, que confunde a corporação com as Forças Armadas e os cidadãos como inimigos de guerra”.
Assassinada não muito longe de casa, pois era moradora, no Bairro Huambo (interior do Rocha Pinto), junto à Igreja Católica, deixa marido: Banguila Manuel Augusto (desempregado) e três filhos menores: Manuel Banguila, sete (7) anos de idade, Fátima Banguila de dois (2) e Rosa Banguila de seis (6) meses, que ainda mamava peito materno e é a mais inconformada pela partida prematura da mãe.
“A bebé não pára de chorar, pois ela estava habituada ao peito da mãe e agora estamos numa luta, para tentar lhe alimentar”, assegurou o pai, ao F8.
Ninguém pode ficar indiferente ante tamanha boçalidade e, talvez, não basta a punição simples do agente, quando é recorrente ouvir-se os mais altos comandantes da Polícia, garbosamente, instigarem a dureza e violência, que deve ser dirigida contra os cidadãos mais vulneráveis e pobres, através da “Operação Resgate”.
“Os agentes da Polícia ao retirarem forçadamente os produtos desta mulher zungueira, estavam a negar a comida de uma família pobre, sem qualquer justificação, principalmente, por ela ser a heroína da família, uma vez o marido se encontrar desempregado”, esclareceu Inácio Longué, adiantando “que ninguém deve matar por masoquismo e satisfação de instintos animalescos e ficar impune, principalmente, quando assassina, uma mulher indefesa, cujo crime, era, diante desta crise económica, provocada pelo regime do MPLA, trabalhar para alimentar uma família, que pensou, ao abandonar o Libolo, em 2014, que iria melhorar a sua vida em Luanda”, disse Manuel Libério Mascarenhas, professor e vizinho da vítima.
“A que ponto nós estamos a chegar de insensibilidade das forças que nos devem inspirar confiança. No entanto essa resposta da população é um balão de ensaio ao que poderá vir a ocorrer no futuro com o alto desemprego, a inflação e o elevado custo de vida. O povo está farto de ser oprimido, explorado, abusado e abandalhado por um governo, que só pensa em eternizar-se no poder”, avançou.
Nessa rixa, diz o segurança João Miguel, “os povos só colocaram o contentor de lixo e os pneus a queimar, na estrada, quando os Ninjas chegaram e foram matar mais 5 pessoas, dentre elas uma mulher, aumentando a revolta da malta que os veio enfrentar de peito aberto”.
Assim, com o aumento dos confrontos, alguns grupos de populares, dirigiram-se à Administração municipal, da zona vandalizando-a, obrigando à fuga da Polícia de protecção, tal como na Esquadra, onde chegaram a abrir as celas, libertando os presos, que lá se encontravam.
“O povo só reagiu à violência policial e nunca ultrapassou os limites de se defender, diante de tantos abusos, que vamos aceitando em silêncio e cobardia, ao longo de 43 anos e, que agora os povos estão a dizer basta e no futuro, poderá ser olho por olho, dente por dente”, explicou, ao F8 João Miguel, morador no Bairro Huambo, Rocha Pinto, que garantiu ter presenciado o ignóbil assassinato e participado na revolta dos cidadãos, “porque estamos fartos de ser abusados, temos sido bué mesmo, como se fossemos bonecos, por este governo que só fala, mas nada faz a favor do povo”.
Por sua vez, Madalena Capari, conterrânea e colega da falecida diz: “quando vi a mãe Juju no chão morta, o sangue começou a me ferver na cabeça e peguei faca, peguei pedra e tinha só vontade de matar todos esses governos, pois eles são mesmo pior que os bandidos do bairro. Como podem matar uma mulher que não está a roubar, nem na prostituição, mas a trabalhar para garantir o pão para os seus filhos, que precisam estudar? Assim o João Lourenço a política dele é mesmo essa contra o povo? Ele não se esqueça que quem sobe, também cai e quem mata, hoje, também, morre amanhã. Estamos fartos deste governo, deste partido e deste presidente que não trabalha para defender o povo, mas só os estrangeiros”, afirmou indignada.
“Esse cabrão do polícia, podem esconde-lo, mas no buraco onde ele ficar, as nossas almas vão lá lhe buscar e vamos orar para nada dar certo com esse presidente que só apoia os estrangeiros, para virem nos colonizar, comprando tudo a 100%, até era melhor já nos venderem, do que estarem a nos fazer sofrer, dessa forma, bem mal, pois o João Lourenço e este MPLA de ódio é pior que Satanás. Eu mesmo já não respeito esses políticos, os militares e os policiais que matam como bandidos, por isso também peguei em pedras e atirei contra os gajos e daqui para frente o povo tem de aprender a se defender e combater essa ditadura”, desabafou.
Recorde-se que no dia 12.03, foi colocada de forma ostensiva uma barricada, no meio da rua, composta por um contentor e pneus em chamas, para estabelecer, não só, duas trincheiras; o povo e os polícias, como impedir a circulação automóvel, nos dois sentidos, causando um dos maiores engarrafamentos de que há memória, cerca de 2 km, por mais de quatro horas.
“Esta reacção popular, deveu-se ao facto dos mwadies estarem a disparar à queima-roupa contra as pessoas inocentes, então o povo decidiu, por estarmos fartos de fiscais e polícias, cuja actuação é pior que os bandidos dos bairros, em não mais fugirmos e lhes enfrentarmos, para começarem a pagar, aqui na terra, estes assassinatos e brutalidades”, denunciou, André Bangue.
Por outro lado, em adiantado, este comerciante disse, ter havido mais mortes do que as anunciadas pela Polícia. “Eles continuam a mentir, são maus, bandidos, sanguinários, piores que o colono branco estrangeiro, português, pois ao invés de virem com megafones para acalmar o povo, trouxeram mais reforços de polícias fortemente armados e que só sabem disparar e matar, os Ninjas, que entraram logo a disparar. Foi aí que alguns populares e mesmo militares desmobilizados, cujas mulheres, também estão na zunga, se colocaram ao lado do povo e fomos combatendo, pelos nossos direitos, uma vez não termos quem defenda o pobre, o desmobilizado e o desempregado”, justificou Bangue.
A brutalidade da acção, pela forma fria e cruel, “originou a ira popular, pois encheu a paciência de muitos dos nossos fiéis, pelo emprego de tanta violência impune, dos fiscais e policiais contra as pessoas, mais pobres e sem nome de família que lutam pela vida, mas encontram a morte estúpida, quando agentes que deveriam multar, repreender ou educar, os vendedores, partem para o roubo, violência e matança”, disse o pastor evangélico, Ngunza Daniel, que sem receio adiantou: “A partir de agora, face à crise económica, ao elevado custo de vida e o desemprego, o povo poderá não continuar a tolerar passivamente a matança e a brutalidade do governo, contra inocentes e poderão responder da mesma forma: dente por dente, olho por olho ou, seja quem com ferro mata com ferro morre e essa não deveria ser a lei, mas aqui nos bairros o povo é muito abusado e tudo poderá acontecer a partir de agora se nada for feito contra assassinos vestidos de agentes do Estado”.
O F8 tem denunciado a falta de preparação de muitos agentes de fiscalização e policias no trato pouco urbano para com as populações, pela opção de trocarem as coimas e multas, por bastões e balas, resultando, na maioria das vezes, em lesões corporais e assassinatos bárbaros e cruéis, contra cidadãos inocentes.
RESCOVA E CERQUEIRA NO HUAMBO
O governador Provincial de Luanda, Sérgio Rescova, tentando apagar um pouco os ânimos das populações deslocou-se, no dia 14.03, por volta das 19h00, a casa da vítima, na companhia do novo comandante provincial da Polícia Nacional, José Cerqueira, para expressar sentimentos de pesar ao viúvo, filhos e familiares da malograda, Juliana Jacinto Félix, cobardemente assassinada, por um energúmeno agente policial, alegadamente, a mando de Manuel Implacável.
“O governador veio manifestar os sentimentos, perguntou-me se trabalhava, prometeu-me emprego e apoio para as crianças estudarem e ainda para o óbito ir para a casa de velório da Polícia Nacional (localizado no Calemba, junto à antiga Tourada), mas a família preferiu, nestes dias, continuar ainda aqui e só depois partir para lá”, disse ao F8, o viúvo, Banguila Manuel Augusto, que para além da condição que se vê remetido terá de ficar com três crianças menores, sendo que uma de seis meses que ainda mama peito.
O padre Jorge lamentou a tragédia e apela as autoridades para prepararem os agentes da Polícia, “para um melhor tratamento com as populações ou vendedores de forma didáctica, para nas transgressões, serem vistos como agentes do bem e não como militares implacáveis, que actuam apenas com a lei da bala”.
Agora, todos devem tirar as devidas ilações, pois o assassinato desta zungueira e mais seis populares, no Rocha Pinto não pode ser minimizado, em função da força do recado popular, endossado a toda equipa, mas principalmente, ao Presidente da República João Lourenço, cujos métodos de força estão a dividir as instituições: justiça, poder legislativo, MPLA (inclusive), Polícia Nacional, Forças Armadas e forças de Segurança, cuja missão deveria ser a de harmonizar a sociedade, mas se nada for feito o aumento da fome, do desemprego, poderão deixar cair o actual regime, que em tempo recorde está a passar de bestial para besta.