A propósito do nosso texto “UKB avança com mestrado em Ensino Primário”, publicado no dia 6, foram muitas as reacções e comentários, nem todos publicáveis por manifesta falta de civismo. No entanto, a troca de galhardetes entre dois dos nossos leitores, que a seguir reproduzimos, merece ser lida por ser elucidativa.
«N a realidade, o mérito do MPLA e de Agostinho Neto foi o de terem criado “um não sistema educativo”, em nome do analfabetismo funcional, não por incúria ou negligência grosseira, mas como um crime organizado, como se idealizado e concretizado por uma quadrilha. Principalmente, ao desmantelarem, conscientemente, o que havia de melhor proveniente do tempo colonial, por sinal, implementado por um angolano», afirmou aqui o nosso Director, William Tonet, no artigo “Educação está nas mãos de quadrilhas criminosas”, publicado no dia 27 de Outubro de 2018.
Carlos Pinho escreveu: «A ideia é boa e a intenção é certamente a melhor. O problema é a matéria-prima. Se é fraca para a Licenciatura, também o será para o Mestrado. Isto acaba por ser uma espécie de pescadinha de rabo na boca. A formação dos professores é fraca, os alunos que daí resultam são fracos e estes por sua vez resultam a professores fracos, porventura melhores que os seus anteriores mestres, e assim sucessivamente. É uma sequência de ciclos que demorará várias décadas a aperfeiçoar. Porém tem de ser feita! Mas, saliente-se, agora alguém está a tentar pegar no problema de um modo mais consistente».
Nguma Kawalo, reagiu de uma forma “elucidativa” (transcrição ipsis verbis”): «sr. Carlos pinho deixe-me fazer a v. ex.ª uma pergunta: acha que os professores primários em Portugal são bons? sabe onde é que se formaram? acha que os pais tugas confiam no ensino público? acha q os professores (a exemplo dos enfermiços por exemplo) tugas não ganham demasiado bem para quem n tem motivação nenhuma? o ensino em angola é mau mas olhe para o seu país primeiro pois as universidades ditas privadas foram um cancro que contaminou a Tuga e que esperemos q n contamine Angola…»
A resposta de Carlos Pinho, demolidora, não se fez esperar: «Não sei se este é o local adequado para um diálogo entre comentadores. Essa decisão pertence aos moderadores. Contudo, e correndo o risco de abusar da bondade desses moderadores vou tentar responder-lhe, se bem que o português do seu texto deixe muito a desejar, o que aliás vem de encontro aos meus temores quanto à matéria-prima que sai das escolas angolanas.
Primeiro, as suas considerações são logo à partida preconceituosas. É que, sabe, eu nasci em Angola e se não tenho documentos angolanos é porque a actual lei da nacionalidade é racista e facciosa. Segundo ela eu sou filho de estrangeiros e como tal não posso ter a nacionalidade. Ora, face ao direito internacional, à data de 10 de Novembro de 1975, em Angola só havia portugueses. No fundo eu não tenho a nacionalidade por uma razão muitíssimo simples, é que eu sou branco, filho de portugueses. Por outro lado não me identifico ideologicamente com o partido dominante em Angola e isso piora a situação (O MPLA bebeu dos conceitos totalitários: quem não é por mim é contra mim).
Por isso tenho o direito de opinar sobre o que se passa em Angola, embora para lá ir tenha de pedir um visto que não é nada barato.
Segundo, as escolas públicas portuguesas são boas. Infelizmente fazendo-se a comparação com Angola, posso até dizer que são muito boas. Tanto primárias como secundárias e universitárias.
O problema das escolas angolanas, a todos os níveis é que com os disparates que se fizeram em Angola a partir de 1974 e se prolongaram até 1978, muitos quadros de qualidade (e por isso professores) se puseram a andar para fora do país. Sabem quem ganhou com isso? Portugal!
Nunca ninguém está contente com o que ganha e todos querem mais. Falta saber se o país pode pagar. E aí é que está o busílis. Não há dinheiro para muito mais. E como diz o ditado, “casa onde não há pão, todos falam e ninguém tem razão”, a actual greve dos enfermeiros (Enfermiços é um adjectivo, como tal não existe nenhuma profissão com este nome. Voltamos à qualidade do português do seu texto) é prova disso e os próprios líderes da classe dos enfermeiros portugueses começaram a perder a cabeça e atiraram-se aos médicos. É uma briga que tem essencialmente (a meu ver) uma base política. É que para o ano há eleições e as várias correntes ideológicas estão a preparar-se para a corrida. Como Angola não é propriamente uma democracia aberta, talvez o Sr. Nguna Kawalo não perceba que por ali, também há algum folclore dessa luta política. Há por ali muito circo e guerrinhas.
Terceiro, escolas e universidades privadas, há boas e más. Olhe, o Brasil é um exemplo acabado disso, mais do que Portugal, onde o peso das privadas é muito pequeno. De qualquer modo muitas das privadas, aquelas de pior qualidade, têm sido fechadas.
Como Angola perdeu os quadros que tinha, tanto no processo de descolonização/independência (muitos eram os tais brancos porcos e maus), como na consequência do 27 de Maio de 1977 (novamente porcos e maus, se bem que já eram menos os brancos), tudo devido a gravíssimos erros de governação dos líderes angolanos que nunca estiveram à altura do que lhes era exigido, todo o sistema de ensino, como aliás o da saúde (isto para não ir mais longe) ruiu. No segredo dos gabinetes, já mais de um dirigente angolano a nível de docência, me disse: isto do modo que foi o processo de independência e os anos que lhe sucederam foi um perfeito disparate.
Não me quero estender mais, isto dava pano para mangas. Como disse no meu comentário inicial, a ideia do mestrado é boa mas vai levar décadas a dar fruto. O mais sensato, sem pôr de lado o mestrado, que repito, deve ir para a frente, era iniciarem-se o mais depressa possível cursos de formação de curta duração para melhorar as capacidades dos actuais professores primários. Isto daria uma resposta imediata às necessidades de Angola e não deixava os actuais alunos do primário e do secundário sob a batuta de professores com formação deficiente. O mestrado irá servir uns poucos mas é preciso atacar em força a formação deficiente dos actuais professores angolanos, que se reflecte depois nos seus alunos.
A finalizar, quando falo da fraca matéria-prima, não quero dizer que as pessoas em Angola são inferiores, mas que a fraca formação que receberam as tornam mais fracas e pouco ou nada competitivas. Melhora-se a matéria-prima atacando desde já a formação dos professores com cursos curtos e repetitivos, que cheguem a todo o país, para que estes benefícios que os professores recebam cheguem rapidamente aos alunos. E o mestrado lá estará para os melhores, ou os que tenham melhores condições económicas e financeiras. Tudo isto deverá ser feito em simultâneo».
Nem de propósito! Acabei de dar uma vista de olhos pelo jornal “O País” do dia de hoje, 8 de Fevereiro, e constato uma notícia espantosa na primeira página do mesmo. Todos os alunos que fizeram exame de acesso à FCA da UJES, reprovaram.
Parece que foi encomendado!
Falta saber agora o que vão as autoridades fazer. Em teoria irão repetir o exame e uma mente “perversa” como a minha fica logo a pensar, será certamente um exame mais fácil para que alguém consiga ter nota de acesso. E assim, mais uma vez se tapará o sol com a peneira e ficará tudo bem até ao próximo evento análogo. Irão, quiçá, aparecer alunos geniais a tirarem sistematicamente 20 valores como referiu, noutro jornal, o sociólogo Paulo de Carvalho, a propósito do curso de medicina de uma outra universidade .
E que tal os políticos, porque é o poder político que controla as universidades em Angola, resolverem “pegar o touro pelos cornos”? É simples, pegam nos alunos que tiraram entre 7 e 9 valores nas tais provas da FCA da UJES, metem-nos num ano zero, a decorrer nessa mesma faculdade, dão-lhes umas boas ensaboadelas em Física, Química, Biologia, Matemática e Português e no final do ano lectivo mandam-nos repetir as provas de admissão. Talvez tenha de se lhe dar um peso à nota deste ano zero, isso seria algo a ponderar, e tentava-se assim um tratamento de choque. De outro modo, andar a assobiar para o lado e repetir os exames fazendo-os agora menos exigentes, é uma perfeita tolice. É claro que os alunos, nisto tudo são os menos culpados, mas ou se ataca isto desde já ou vão continuar a sair das universidades angolanos pessoas com formação muito deficiente.
Contudo, isto sou eu a falar! Tenho de ter mais cuidado. Ainda vão dizer que estou a ser mal intencionado ou a ser politicamente incorrecto. Enfim, o que digo agora já o disse tanto na UKB como na UJES em Dezembro de 2011 (Nessa altura numa dessas universidades houve de facto alguém que me disse ser a ideia do ano zero politicamente inaceitável). Mas lá diz o ditado, “quem vos avisa, vosso amigo é”.
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