O estado da Nação
e a nação do Estado

O Presidente da República discursa amanhã, terça-feira, na reunião plenária solene que marca o arranque do ano parlamentar em Angola, que se prolonga até 15 de Agosto de 2020. O mundo vai parar. João Lourenço não brinca em serviço.

As prioridades da Assembleia Nacional vão ser a aprovação do Orçamento Geral do Estado, que tem de dar entrada até 31 de Outubro, a finalização do pacote legislativo autárquico e o enquadramento legislativo das reformas fiscais.

O Parlamento é composto por 220 deputados, sendo que 130 são eleitos pela representação proporcional e 90 pelos distritos provinciais. Os deputados são eleitos de cinco em cinco anos, tendo a última eleição ocorrido a 23 de Agosto de 2017.

Em função da votação que embora fraudulenta foi a que vingou, o MPLA é o partido com mais representantes (150), seguindo-se a UNITA com 51, a CASA-CE, com 16, o PRS, com 2 e a FNLA com um deputado. O PRS e a FNLA não possuem grupos parlamentares, pois não conseguiram eleger um mínimo de três deputados no último ato eleitoral.

A Assembleia Nacional possui o poder de fazer tudo o que o Governo do MPLA quiser, supostamente teria o poder legislativo e exerceria outros aspectos essenciais (se o país fosse um Estado de Direito) da soberania, incluindo a aprovação do Orçamento Geral do Estado e controlo da acção do governo.

(Ante)visão do discurso sobre a… nação

O Presidente da República, João Lourenço, tal como fariam com certeza os seus camaradas Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, na sua mensagem sobre o estado do seu reino (ele chama-lhe Nação), muito aguardada pelos cidadãos neo-bajuladores e restante acólitos, abordará com certeza o muito que fez em dois anos, reconhecendo com a humildade que (não) tem que há muito por fazer.

A diversificação da economia é, sem dúvida, uma das questões que não está, nunca esteve, de forma efectiva no centro das preocupações das autoridades, pelo que não será de admirar o facto de o assunto ser abordado pelo Presidente da República, que é, nos termos da Constituição, Titular do Poder Executivo (para além de Presidente do MPLA) com (in)competência para “dirigir a política geral de governação do país e da Administração Pública”.

A abertura do ano parlamentar suscita geralmente a atenção dos poucos cidadãos que ainda julgam que Angola é um Estado de Direito, porque ela é marcada pela mensagem do Presidente da República sobre o estado da vida nacional e sobre as políticas preconizadas para a promoção do bem-estar dos angolanos de primeira e para o desenvolvimento do país que, desde 1975, em vez de produzir riqueza produz… ricos.

As abordagens sobre o estado da sua Nação que são feitas pelo Presidente da República na abertura de anos legislativos têm sido transversais, e a de amanhã fará com que os cidadãos angolanos de primeira, que têm o hábito de acompanhar o que se passa no país, tenham interesse em saber como anda o país deles em vários domínios.

Vivem os angolanos (que não os seus senhores) um período de crise económica e financeira, pelo que será inevitável que o Presidente da República dedique partes do seu discurso a uma questão que pode continuar a engordar os que gravitam na gamela do poder.

A crise económica e financeira provocada pela queda do preço do petróleo obrigou as autoridades a traçar estratégias para superar os actuais problemas económicos e financeiros, com medidas que passam por investimentos públicos controlados pelo regime e destinados a incentivar uma produção diversificada, para que haja novas fontes de receita (para o regime), a fim de se acabar com a excessiva dependência do petróleo.

A diversificação da economia é uma questão que as autoridades do MPLA levam muito a sério, até porque ela é um meio para se tornarem ainda mais ricos. Estão, aliás, tarimbados neste tema porque o usam há 44 anos.

O Presidente dirá com certeza que “o objectivo a que o país aspira é o de pertencer até 2025 ao Grupo dos Países de Desenvolvimento Humano Elevado. Por essa razão, o combate à pobreza é, de facto, uma prioridade do Governo, e tem sido positivo o ritmo da sua redução. Mas é importante que haja um reforço e alargamento das medidas que, directa ou indirectamente, podem contribuir ainda para a sua maior redução”.

A diversificação da economia pode de facto gerar condições para que em todo o país muitas famílias do regime tenham rendimentos para poderem ter uma vida ainda mais digna. O Presidente está empenhado em trabalhar intensamente para a melhoria das condições de vida dos angolanos de primeira, restando saber o que vai prometer fazer para que os poucos que têm milhões tenham ainda mais milhões, e que os milhões que têm pouco ou nada ainda tenham menos.

Segundo o que é previsível, o Governo adoptará um Programa de Formação e Redistribuição do Rendimento, a fim de criar condições que possibilitem uma maior inclusão social dos membros do MPLA. Pensará por isso utilizar de forma articulada e convergente os principais instrumentos de política de redistribuição do rendimento, tais como a Política Tributária e a Despesa Pública, em sectores sociais e segurança social, visando uma repartição mais justa da riqueza e do rendimento e um nível de bem-estar mais elevado… entre os seus.

A pobreza no nosso país é superável. A crise que atravessamos deve constituir para nós uma oportunidade para traçarmos os melhores caminhos que nos levem a rumar para um crescimento económico sustentável. Os angolanos podem resolver em poucos anos muitos dos seus problemas. O importante é que haja empenho efectivo para se ultrapassar os actuais problemas e para não se voltar a cometer os erros do passado.

O Presidente da República apelará certamente aos seus angolanos para serem optimistas, perante as actuais dificuldades, afirmando na sua mensagem sobre o estado da sua Nação que “estamos habituados a lutar contra as adversidades e a ultrapassar obstáculos. Temos de continuar a confiar nas nossas forças e a trabalhar juntos para vencer a crise económica e financeira, no curto prazo”.

Recordando a anterior prima do mestre-de-obras

Em 2018, discursando sobre o estado da Nação, que marcou no dia 15 de Outubro a abertura solene dos trabalhos da segunda sessão legislativa da IV Legislatura da Assembleia Nacional, João Lourenço apelou ao investimento no sector agrícola, lembrando as vantagens para o desenvolvimento económico de Angola fora da esfera petrolífera.

No quadro do Programa de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018/2022, com grande parte dos financiamentos disponíveis, João Lourenço lembrou as oportunidades da exploração agrícola existentes no país, sobretudo nas zonas rurais, salientando que a aposta iria também ajudar no combate à pobreza e à criação de emprego, garantindo, paralelamente, melhor qualidade de vida às populações.

Foi bom ouvir o Presidente. Foi mesmo elucidativo e pedagógico. É que ninguém sabia que a agricultura ajuda no combate à pobreza, na criação de emprego e na melhoria da qualidade de vida das populações.

Nesse sentido, João Lourenço lembrou que estavam em curso programas integrados de desenvolvimento local, que, a par de reformas no plano social e educacional, trariam benefícios a médio e longo prazos para as populações mais desfavorecidas.

Na educação, o Presidente destacou os esforços do seu executivo na criação de condições para melhorar o ensino, quer através da aprovação do Estatuto da Carreira Docente, quer no estabelecimento das novas regras de procedimento para 20 mil novos professores, quer ainda na construção de novas escolas e na recuperação de outras, para melhorar o rácio professores/alunos e o nível de ensino.

Que maravilha. Quanto não vale ter um Titular do Poder Executivo que tem a capacidade de nos indicar o caminho do paraíso. Ou será que ele julga que somos todos matumbos? Não. Nem pensar. Ele estava mesmo a dizer-nos que o anterior “escolhido de Deus” abriu o caminho para que, agora, ele (por ter sido o escolhido) vai abrir a porta do paraíso.

As mesmas medidas estavam a ser tomadas, segundo João Lourenço, no sector da Saúde, em que o Governo aprovou o Regime Jurídico de Enfermagem e da Carreira Médica, estando aberto o concurso para a inserção de 7.000 novos funcionários médicos e de enfermagem, a par dos 33 projectos em 13 províncias que vão permitir construir ou renovar hospitais.

É claro que, sobretudo no campo da saúde mas também na agricultura, é preciso que os angolanos colaborem e perguntem não o que o Governo pode fazer por eles mas, isso sim, o que eles podem fazer pelo Governo. E o que o Povo pode fazer é, necessariamente, morrer sem ficar doente e viver sem comer. Simples.

Na área do ambiente, João Lourenço destacou as novas medidas de protecção da biodiversidade em Angola, nomeadamente as relacionadas com espécies em vias de extinção que, sendo símbolos nacionais, necessitam de ser revitalizadas, como a palanca negra gigante, o elefante, o hipopótamo e o rinoceronte.

Até dá gosto viver num país sob a liderança de alguém que se preocupa com as espécies em risco de extinção. Só por lapso o Presidente não incluiu nesta categoria uma outra espécie que também corre sérios riscos de extinção: os 20 milhões de angolanos pobres ou miseráveis.

Para João Lourenço, a questão da juventude estava também no “centro das preocupações” do Governo, pelo que apelou aos jovens para se concentrarem no estudo, no desporto e no trabalho, aproveitando as novas tecnologias da informação como ferramenta para assegurar o futuro.

Excelente repto aos jovens. Só um Povo culto consegue ser livre e ter capacidade para pensar pela própria cabeça, agir em vez de reagir, pôr o poder das ideias acima das ideias de Poder, pôr a força da razão acima da razão da força. Não seria bem isto que João Lourenço queria dizer, mas…

Na cultura, o Presidente de Angola lembrou estar em curso a revitalização do sector, nomeadamente no reforço da política do livro e da leitura, enquanto, na área da comunicação social, saudou o “maior dinamismo da imprensa, mais próxima das populações”, destacando a legislação que irá permitir a abertura de novos canais de rádio e de televisão no país.

Cá estamos para ver quem tem razão. Se é o Presidente ou o secretário de Estado da Comunicação Social, Celso Malavoloneke, quando diz que o Governo quer um jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional o que, aliás, é uma tese adaptada do tempo de partido único.

Cá estamos para ver se o Titular do Poder Executivo, através dos seus membros, sempre nos vai dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional”, ou se se limitará – com outros protagonistas e roupagens diferentes – à tese de que patriotismo, ética e deontologia são sinónimos exclusivos de MPLA.

O chefe de Estado lamentou ainda a “degradação precoce” de algumas infra-estruturas desportivas criadas recentemente, numa alusão aos estádios de futebol construídos para a Taça de África das Nações (CAN), competição que Angola acolheu em 2010, bem como de vários pavilhões multiusos, apelando a “contribuições” da sociedade civil e empresarial para que o problema possa ser ultrapassado.

Menos assertivo, o Presidente considerou a possibilidade de implementar as autarquias em todo o país, num período de até 10 anos, se bem que a Lei sobre “Organização e Funcionamento das Autarquias Locais” prevê a implementação gradual das autarquias em 15 anos, privilegiando os municípios com maior desenvolvimento sócio-económico. Vamos então com calma, não é Presidente João Lourenço? Devagar, devagarinho, parados e entregues à vontade superior do que Deus, perdão, do que o MPLA quiser.

Segundo o Chefe de Estado, a primeira tendência aponta para a implementação gradual do processo, enquanto a segunda sugere as autarquias em simultâneo. Sobre a segunda, o Presidente disse (e todos sabemos o significa de “disse” no contexto de quem manda no país) que os seus defensores descuram o facto de ser a primeira experiência no país, que tem 164 municípios.

Noutra frente de combate, João Lourenço disse que as barragens hidroeléctricas em Angola estão a produzir 78% da energia eléctrica do país, percentagem que era de 60% há cerca de 12 meses. Bastou a mudança de Presidente e até as barragens ficaram em sentido.

João Lourenço salientou que o aumento da capacidade de produção das barragens tem permitido poupar diariamente cerca de 669 mil litros de combustível, o que representa, segundo os preços actuais no mercado, uma poupança de 258,8 mil euros/dia.

Segundo o chefe de Estado, o aumento de 18,6% na capacidade de produção de energia através das hidroeléctricas permitiu ao país atingir os 4.409 MegaWatts (MW) de potência instalada, sobretudo nas zonas com maior densidade populacional, através das barragens próximas de Luanda, Dundo (Lunda Norte) e Saurimo (Lunda Sul).

Paralelamente, em um ano, só num ano, apenas em 365 dia, unicamente em dois semestres, segundo João Lourenço, foram feitas mais de 36 mil ligações domiciliárias de energia eléctrica. E tudo graças a quem? O Presidente não indicou a percentagem da população que ainda não tem energia eléctrica em casa, mas isso é irrelevante. Relevante é ver que se num ano João Lourenço fez tudo isto, o que não fará se estiver no poder mais umas dezenas de anos…

João Lourenço destacou também os esforços do seu executivo na construção e reparação dos sistemas de canalização e de abastecimento de água, que necessitarão de avultados investimentos para que chegue com qualidade às residências, sobretudo nas cidades mais populosas, como Luanda.

Em relação ao sector da habitação, o chefe de Estado salientou que estava em curso um programa habitacional em todo o país com a construção de 5.414 novas residências, que irão beneficiar quase 36.000 angolanos, nomeadamente nas províncias de Benguela, Bié, Namibe, Uíge e Luanda.

“Mas este não é um negócio para o Estado, mas sim para o sector privado, que tem de sair da letargia em que se encontra”, sublinhou João Lourenço.

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