No reino, protestar é crime
e não protestar… também é

O porta-voz do Ministério do Interior de Angola, Valdemar José, afirmou que os serviços de inteligência angolanas estão atentos às manifestações previstas para os próximos dias e avisou para as consequências das mesmas, se a lei for violada.

Ainda bem que avisa. Assim se comprova, mais uma vez, que segundo o MPLA a única forma de não violar a lei é não fazer manifestações. Mas, mesmo não as fazendo, podem esta a violar a lei porque, segundo a tese do partido que nos governa há 44 anos, não fazer manifestações pode ser entendido como uma forma de… manifestação.

O subcomissário da Polícia Nacional (do MPLA), que falava quinta-feira à noite no canal público do MPLA, a TPA, denunciou interesses “inconfessos” de criar instabilidade ao país e sublinhou que os angolanos têm o direito de se manifestar, mas devem cumprir a lei, depois dos apelos veiculados nos últimos dias pelas redes sociais, mobilizando a população angolana para ficar em casa.

No entanto, os apelos ao protesto pacífico contra o governo de João Lourenço não tiveram efeitos visíveis em Luanda, segundo os relatos de alguns meios de comunicação social, a Lusa incluída. Esquecem-se que só o simples facto de o Presidente do MPLA (por sinal também Presidente da República e Titular do Poder Executivo) ter sido impelido a falar da manifestação comprova que a mobilização, mesmo que só simbólica e académia, foi um êxito.

Esta manhã, na capital angolana, os serviços funcionaram normalmente, o trânsito circulou com a habitual lentidão e várias escolas contactadas pela Lusa confirmaram estar de portas abertas e sem alunos em falta.

Mas, como também assinala a Lusa, as preocupações do executivo fizeram-se sentir de véspera.

Primeiro, com um discurso duro do Presidente da República, na abertura do congresso da JMPLA (órgão juvenil do MPLA), com João Lourenço, a acusar supostos militantes do seu partido (que, como convém, não identifica), o MPLA, de usarem dinheiros públicos desviados para pagar uma campanha contra Angola. Desviados, provavelmente, também quando João Lourenço era vice-presidente do MPLA e até ministro de José Eduardo dos Santos.

Depois, num programa informativo especial na televisão estatal (ou seja, do MPLA), a TPA, sobre o tema “Liberdade de manifestação vs. Estabilidade Social onde os quatro participantes (um representante do Ministério do Interior, um pastor, em empreendedor e um sociólogo) apresentaram – sem contraditório como é regra em qualquer ditadura que se preze – as suas razões para que os angolanos não se juntassem ao movimento.

No programa, Valdemar José, avisou para as consequências das manifestações previstas para os próximos dias, algumas das quais pretendem chegar aos órgãos de soberania, o que é proibido pela lei angolana e considerou que alguns destes protestos são “para provocar”. Estranho. Se não for para provocar, alguém protesta? Os sipaios do MPLA lá sabem.

Os cidadãos podem manifestar-se “se respeitarem os pressupostos prévios”, incluindo comunicarem às autoridades, não se aproximarem a menos de 100 metros dos órgãos de soberania e cumprirem os dias e horas definidos, acrescentou, indicando que a Policia (que é do MPLA e não do país) “não pode permitir que os manifestantes destruam bens públicos ou ponham em causa a segurança dos cidadãos”.

O responsável da Polícia disse que alguns instigadores do movimento “já estiveram no aparelho de Estado” e têm interesses “inconfessos” de criar “instabilidade ao país”. Será que foram formados por Jonas Savimbi? Provavelmente sim.

Sobre a manifestação silenciosa que estava prometida para hoje, Valdemar José afirmou que seria “um barómetro” para ver quem iria aderir às próximas manifestações. Não está mal. Portanto, que ninguém fique em silêncio, de modo a que a Polícia saiba que quem fala não faz manifestação…

No caso das que estão anunciadas para os dias 14 e 15 considerou que violam a legislação por se realizarem durante o dia e durante a semana, já que a lei angolana permite apenas manifestações em dias úteis, a partir das 19:00, e durante o dia, só ao sábado a partir das 13:00.

Em preparação está, aliás, legislação por parte do MPLA para que as manifestações só se possam realizar uma vez por mês, mas com várias excepções e com dias estabelecidos. Ou seja: Fevereiro dia 30; Abril dia 31; Junho dia 31; Setembro dia 31 e Novembro dia 31.

“Estas manifestações realizam-se numa segunda e numa terça-feira, querem fazer durante o dia, só para provocar”, insistiu o sipaio Valdemar José, dando assim cumprimento democrático às ordens superiores.

Valdemar José apelou à população para não aderir a este protesto cujo propósito “não é só manifestarem-se, mas sim desestabilizar o país”, avisando ainda que “quase todas as manifestações acabam em violência”.

Será que esta rapaziada do MPLA não consegue ser mais original e não se limitar a debitar as palavras, as frases, as ideias do chefe do posto, tal e qual ele as usa?

O porta-voz do Ministério do Interior admitiu que “há problemas sociais, mas salientou que o executivo angolano “está a trabalhar para ultrapassá-los” e questionou “que benefícios” trazem movimentos como o apelo a ficar em casa para o país. Não. Não adiante explicar. Valdemar José teria de se descalçar para conseguir contar até 12 e isso seria inconveniente.

À Lusa, Valdemar José disse que a Polícia está a acompanhar os protestos agendados para vários dias do mês de Outubro:

No dia 14, uma concentração do cemitério da Santana ao Largo 1.º de Maio que pretende chegar até ao Ministério do Comércio, contestando a subida dos preços.

No dia 15, uma manifestação de “activistas de um movimento revolucionário” que quer ir até à Assembleia Nacional e uma outra de antigos trabalhadores na República Democrática Alemã, que pretende chegar ao Palácio da Justiça.

No dia 19, um outro grupo promete protestar contra o aumento dos produtos da “cesta básica” frente à Assembleia Nacional.

No dia 26, um outro movimento, que reclama a libertação de José Julino Kalupeteca, líder da seita “A Luz do Mundo”, condenado a 28 anos de prisão pelo homicídio de nove agentes da Polícia Nacional, mesmo sabendo-se que a Polícia matou primeiro e perguntou depois, marcou um protesto em frente ao Palácio da Justiça.

Folha 8 com Lusa

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