O MPLA, partido no poder em Angola desde 1975, diz que vai homenagear a memória de todos os angolanos “vítimas de conflitos políticos” entre 1975 e 2002, para estabelecer um diálogo nacional e “fortalecer as bases” de consolidação da paz e da reconciliação. Intervalo. Vamos rir à fartazana que a anedota até tem piada.
O assunto foi hoje analisado durante a reunião do Bureau Político do MPLA, orientada pelo seu líder, João Lourenço, também (entre outros cargos) Presidente de Angola e Titular do Poder Executivo, refere o comunicado final da reunião distribuído à imprensa.
As homenagens às vítimas dos conflitos políticos registados no país desde o ano da sua independência até ao final da guerra visa ainda, segundo mais este capítulo que faz uma simbiose entre o orgasmo dos dirigentes e a matumbez que dizem caracterizar a maioria dos angolanos, “unir os angolanos e afastar os fantasmas que ainda ensombram o passado recente de Angola”.
“O Bureau Político do MPLA defende que esta abordagem deve enquadrar-se nas acções com vista à contínua afirmação do Estado democrático de direito e alicerçada nos princípios da reconciliação nacional, da historicidade e do perdão”, lê-se no comunicado.
E quem melhor do que o Messias do partido para dizer quem merece, ou não, ser perdoado? Em princípio, graças à filantropia e santa misericórdia de João Lourenço, serão merecedores desse perdão todos os que já… morreram.
Para o efeito, o BP do MPLA instou o Governo a proporcionar mecanismos para um diálogo convergente para que se “curem as feridas psicológicas nas famílias e nos que sobreviveram, regenerando o espírito de cada um”.
Aquele órgão máximo do partido entre Congressos considera que deverão ser “afastadas todas as tendências que visam o aproveitamento político da iniciativa para criar situações de instabilidade e de divisão do tecido social angolano, que se pretende unido e coeso, tendo em vista o desenvolvimento humano sustentado”.
Na reunião, foram também aprovados pelo BP, como Comissão Nacional Preparatória do VII Congresso Extraordinário do MPLA, marcado para 15 de Junho próximo, os procedimentos da preparação das candidaturas a membro do Comité Central e no c eleitoral de cada província, tendo em atenção o propósito do seu alargamento nominal, composta actualmente por 363 membros.
A Comissão Nacional Preparatória aprovou também a directiva executiva sobre os procedimentos a serem observados na preparação das candidaturas ao nível dos órgãos intermédios comunais ou de distritos urbanos, municipais e provinciais, o cronograma de preparação do VII Congresso Extraordinário do partido e o calendário indicativo das conferências provinciais extraordinárias, neste âmbito.
Se é isso que o Messias quer…
Alguns analistas do regime vão destacar a “urbanidade” com que o novo MPLA se travestiu. E fazem bem. E essa “urbanidade” fará com que muitos (o Folha 8 será com certeza das poucas e raras excepções) esqueçam que em 1977 o MPLA foi capaz de assassinar milhares e milhares de angolanos que, por acaso, até eram do MPLA.
Estávamos tentados a sugerir aos que, para além de sipaios são invertebrados, que procurem informar-se, mesmo que – como o militante João Melo – tenham de se descalçar para contar até 12.
Aliás, como todo o mundo sabe e nunca deve ser esquecido, tudo o que de mal se passou em Angola desde o século XV até hoje é culpa da UNITA. Desde logo porque as balas das FALA (Galo Negro) matavam apenas civis e as das FAPLA/FAA (MPLA) só acertavam nos militares inimigos. Além disso, como também é sabido, as bombas lançadas pela Força Aérea do MPLA só atingiam alvos inimigos e nunca estruturas civis. Em caso de dúvida é só confirmar junto da Procuradoria-Geral da República, ou de qualquer outra sucursal do MPLA.
Mas há mais factos que dão razão às teses do MPLA. Todos sabem que a UNITA é que foi responsável pelos cerca de 80 mil angolanos torturados e assassinados em todo o país depois dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, acusados de serem apoiantes de Nito Alves ou opositores ao regime.
Também foi responsável pelo massacre de Luanda que visou o aniquilamento e de cidadãos Ovimbundus e Bakongos, onde morreram 50 mil angolanos, entre os quais o vice-presidente da UNITA, Jeremias Kalandula Chitunda, o secretário-geral, Adolosi Paulo Mango Alicerces, o representante na CCPM, Elias Salupeto Pena, e o chefe dos Serviços Administrativos em Luanda, Eliseu Sapitango Chimbili. Em caso de dúvida é só confirmar junto da Procuradoria-Geral da República, ou de qualquer outra sucursal do MPLA.
Registe-se igualmente que angolanos são apenas cidadãos do tipo Agostinho Neto, Lúcio Lara, Iko Carreira, Costa Andrade (Ndunduma), Henriques Santos (Onanbwe), Luís dos Passos da Silva Cardoso, Ludy Kissassunda, Luís Neto (Xietu), Manuel Pacavira, Beto Van-Dunem, Beto Caputo, Carlos Jorge, Tito Peliganga, Eduardo Veloso, Tony Marta etc.. Não angolanos são pessoas do tipo Alda Sachiango, Isaías Samakuva, Alcides Sakala, Jeremias Chitunda, Adolosi Paulo Mango Alicerces, Elias Salupeto Pena, Jonas Savimbi, António Dembo, Arlindo Pena “Ben Ben”. Em caso de dúvida é só confirmar junto da Procuradoria-Geral da República, ou de qualquer outra sucursal do MPLA.
É de crer, aliás, que a Procuradoria-Geral da República (ou qualquer outra sucursal do MPLA) tem provas de que o massacre do Pica-Pau em que, no dia 4 de Junho de 1975, perto de 300 crianças e jovens, na maioria órfãos, foram assassinados e os seus corpos mutilados no Comité de Paz da UNITA em Luanda… foram obra da UNITA.
Ou que o massacre da Ponte do rio Kwanza, em que no dia 12 de Julho de 1975, 700 militantes da UNITA foram barbaramente assassinados, perto do Dondo (Província do Kwanza Norte), perante a passividade das forças militares portuguesas que garantiam a sua protecção, foi obra da UNITA.
Ou que, entre 1978 e 1986, centenas de angolanos foram fuzilados publicamente, nas praças e estádios das cidades de Angola, uma prática iniciada no dia 3 de Dezembro de 1978 na Praça da Revolução no Lobito, com o fuzilamento de 5 patriotas e que teve o seu auge a 25 de Agosto de 1980, com o fuzilamento de 15 angolanos no Campo da Revolução em Luanda. Responsável? A UNITA.
Foi, aliás, a aviação da UNITA que, em Junho de 1994, bombardeou e destruiu Escola de Waku Kungo (Província do Kwanza Sul), tendo morto mais de 150 crianças e professores, que, entre Janeiro de 1993 e Novembro de 1994, bombardeou indiscriminadamente a cidade do Huambo, a Missão Evangélica do Kaluquembe e a Missão Católica do Kuvango, tendo morto mais de 3.000 civis.
Em caso de dúvida, para não incomodar o MPLA, bastar perguntar a uma das suas muitas sucursais, caso da Procuradoria-Geral da República.
E então as “origens” do MPLA?
Em rigor, como certamente dirão os jovens arautos do regime, o MPLA deve ter bem mais do que 60 anos. Considerando tudo quanto o regime atribui ao MPLA, é bem possível que até Diogo Cão fosse já militante do partido. Aliás, se não fosse o MPLA Angola não existiria (por alguma coisa dizem que o “O MPLA é Angola e Angola é o MPLA”).
Na comemoração dos 60 anos, o regime mostrou aos que ainda tinham dúvidas, que o MPLA é (mesmo) Angola e que Angola é (mesmo) o MPLA. Tem sido assim desde 1975, mas ultimamente têm aparecido meia dúzia de pseudo-angolanos a dizer o contrário e, como muito bem determina o “querido líder”, é preciso pô-los na linha dos… jacarés. Foi por isso que escolheu João Lourenço, um general especialista em passar a mensagem de que os jacarés são vegetarianos.
Por isso todos (isto é como quem diz) continuam a dizer que “continuamos a ser coerentes e levamos à prática aquilo que prometemos: sermos responsáveis e sempre honestos no cumprimento dos compromissos que assumimos diante do povo angolano”.
Ou, ainda, que o MPLA “é um partido sério, de trabalho, que não foge às suas responsabilidade, aos momentos difíceis por que passa, sempre na certeza de que tem sabedoria, tem quadros capazes e força para realizar aquilo que recebe como orientações, como desejos expressos pela vontade de todos os cidadãos de Angola”.
Também continua válida a tese de que um “dos grandes problemas do MPLA é o de que tem boas ideias, bons projectos, bons programas, mas quando entra para a fase de implementação dos mesmos os resultados ficam muitas vezes longe do que se esperava”.
Quanto ao Povo, esse continua a morrer à fome. Mas ninguém nota. O que se nota é que tanto José Eduardo dos Santos como João Lourenço sabem que os militantes do MPLA (talvez cerca de 25 milhões) são não só matumbos como castrados, invertebrados e acéfalos.
Provavelmente para aliciar a meia dúzia de angolanos que ainda não são militantes, o MPLA diz que é preciso “disciplina, muita disciplina, força e respeito pelas orientações emanadas dos órgãos superiores, respeito na relação com o povo, com o cidadão, porque afinal nós estamos aqui muitas vezes em cargos de grande responsabilidade porque somos servidores, viemos para servir a nação, para servir o povo, e não aproveitarmos apenas os nossos cargos para nos servirmos”.
Partidos, democracia e… MPLA
Os partidos políticos estão para as democracias (quando estas existem) como o sangue está para o corpo humano (quando este está vivo), razão pela qual o funcionamento organizado e com elevado sentido de Estado dos partidos constitui um ganho inestimável… nas democracias. Por força do MPLA nada disto se aplica a Angola.
Não há dúvidas de que urge enaltecer uma coexistência política pacífica, deste que os subalternos não ponham em dúvida a supremacia de quem está no poder. E quem está no poder desde 1975? O MPLA. E quem vai estar no poder em 2075? O MPLA.
E nisto, os partidos políticos enquanto forças que lutam por meios democráticos (quando há democracia) para alcançar, exercer e manter o poder político devem dar exemplos claros, inequívocos e firmes de tolerância, convivência na diversidade, entre outros. Isto é, repita-se, quando se vive em democracia. Não é o caso de Angola.
Todos os sectores políticos (com excepção dos afectos ao poder) percebem melhor a importância da adopção das melhores práticas, baseadas essencialmente na tolerância, na aceitação da diferença e no pressuposto de que acima estão (ou deveriam estar) os interesses dos angolanos. De todos os angolanos. Essa deve ser, entre outros gestos, a mensagem que os partidos (fica na dúvida se o MPLA se pode incluir porque, cada vez mais, não é um partido mas sim uma seita) têm que passar para a sociedade angolana, sobretudo nesta altura em que Angola se encontra na fase de um dia chegar a uma democracia de facto e não apenas formal.
Temos um histórico, relativamente aos esforços para implementação do processo democrático “imposto”, segundo as palavras do próprio presidente do MPLA, que um dia permitirá a cada angolano encarar a democracia como uma conquista de todos, mau grado a alergia do partido no poder desde 1975. Não está a ser um processo fácil chegarmos aos níveis de coabitação política. O MPLA só aceita a democracia se continuar no poder. É simples.
A vida em democracia implica, ou deve implicar, sempre ajustes a todos os níveis. As autoridades angolanas (o MPLA desde a independência) abraçaram o repto da democracia (“imposta”, repita-se, segundo José Eduardo dos Santos) e, tal como reza a História, foram as primeiras a pôr em causa os fundamentos em que devia assentar o futuro do país.
Acreditamos que o alcance da paz, em 2002, que deveria ter contribuído para a retoma do processo democrático sempre defendido pela oposição, em todo o país, permitiu a todos os actores políticos fazer uma avaliação positiva das vantagens do jogo democrático, mau grado seja um sistema que não agrada ao MPLA cujo ADN só vê os tempos áureos do partido único.
As formações políticas, acompanhadas de todos os outros actores que, exceptuando a conquista do poder político, desempenham o papel cívico e interventivo de influência, constituem uma espécie de espinha dorsal da democracia, quando ele existe. E precisam de continuar a fazer prova das suas atribuições e responsabilidades na medida em que os partidos políticos representam a esperança de milhares de angolanos, sem esquecer que para quem manda… o MPLA é Angola e Angola é o MPLA.
Por isso é que a Constituição determina que os partidos devem, no âmbito das suas atribuições e fins, contribuir para a consolidação da nação angolana e da independência nacional, para a salvaguarda da integridade territorial, para o reforço da unidade nacional, para a protecção das liberdades fundamentais e dos direitos da pessoa humana, entre outros. Determinar, determina. Mas acima da Constituição está, tem estado sempre, a vontade não propriamente do MPLA mas do seu dono, ontem José Eduardo dos Santos, hoje João Lourenço.
É preciso que as instituições do Estado (e não as do regime que, até agora, são uma e a mesma coisa) reforcem os mecanismos de sensibilização junto das populações para que estas, tal como no passado, estejam à altura dos desafios que o país volta a testemunhar.
Os objectivos que todos (isto é uma força de expressão) perseguimos para ver Angola crescer para que o bem-estar de todas as famílias seja uma realidade não são predicados de partidos, com excepção do MPLA, mas são metas de todos os angolanos. Acreditamos que a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social é uma meta de todos os partidos políticos, que o MPLA também aceitará embora impondo uma condição “sine qua non”: manter-se no poder. Simples.
Bem refletido. Braaaaavooooo!!! foha8