O Presidente angolano, João Lourenço, enviou hoje uma mensagem de felicitações ao homólogo de Cuba, Miguel Mario Díaz-Canel Bermúdez, por ocasião do 60º aniversário do triunfo da revolução cubana, manifestando disponibilidade para reforçar a cooperação bilateral “com vantagens recíprocas reais”. É bom ter memória, mesmo quando esta reverência cheira a servilismo perante quem ajudou o MPLA a matar muitos e muitos angolanos e perante quem Angola ainda tem muitas dívidas.
Numa nota da Casa Civil do Presidente da República é indicado que João Lourenço realça a Miguel Bermúdez que Angola atribui “a mais alta importância às relações multifacetadas que mantém com a República de Cuba”.
“Angola pretende continuar a partilhar interesses com a nação cubana com vista a promover a paz e o desenvolvimento nos nossos respectivos países, assim como a nível global”, refere João Lourenço.
Promover a paz “nos nossos respectivos países”? Era mesmo isso que João Lourenço queria dizer? Estamos a falar de que paz? Da paz dos milhares de mortos do 27 de Maio de 1977, cujo massacre teve a decisiva acção dos cubanos?
“O Executivo angolano está empenhado em explorar todas as vias que conduzam ao aprofundamento das relações bilaterais entre Angola e Cuba e, neste sentido, vai continuar a desenvolver esforços para, conjuntamente com o vosso país, criar um quadro de cooperação bilateral com vantagens recíprocas reais”, acrescentou.
João Lourenço destacou que espera que o povo cubano, “nesta data em que celebra um dos mais importantes acontecimentos da sua história recente”, evidencie o seu dinamismo, criatividade, engenho e espírito combativo e coloque estes valores ao serviço da construção de uma Cuba “cada vez mais forte e decidida a construir o seu futuro de forma soberana”, em “rigorosa observância das suas opções de desenvolvimento enquanto nação independente”.
“É-me grato constatar que o povo cubano, pelos seus actos e pela sua entrega à concretização dos grandes objectivos do vosso país, busca continuamente dignificar e honrar a memória dos heróis de Cuba, que consentiram enormes sacrifícios em prol da justiça e da liberdade do seu País e a dos Povos de todo o mundo”, sublinhou.
As relações bilaterais entre Angola e Cuba diversificaram-se em 1975 com a chegada de milhares de soldados cubanos para ajudar as FAPLA, depois de quase uma década de apoio militar cubano durante a luta pela independência angolana (1961/74).
À luz da ajuda militar por parte dos internacionalistas cubanos, as relações bilaterais entre o MPLA (cujo poder conquistou graças à decisiva ajuda bélica dos cubanos) e Cuba transformaram-se, paralelamente, numa cooperação em vários domínios, quase sempre com a subserviência do regime angolano.
Apesar do abrandamento registado entre 1991 e 2002, as relações diplomáticas entre o MPLA (como único partido no poder desde 1975) e Cuba mantêm a mesma vitalidade desde que foram estabelecidas, a 15 de Novembro de 1975, dai serem consideradas magníficas e de irmandade.
O primeiro convénio de cooperação entre ambos os países remonta a Fevereiro de 1976 e versou os sectores da saúde e da educação, resultando na passagem por Angola de muitos profissionais cubanos.
O patrão e o sipaio
O chefe de departamento para as relações internacionais do Partido Comunista Cubano (PCC), José Ramón Cabrera, afirmou no passado dia 26 de Novembro, em Luanda, que a relação de cooperação existente entre o PCC e o MPLA mantém-se sólida e “permanentemente forte”. O recado, cujo principal princípio activo é manter a memória em bom nível, tinha um destinatário claro, o Presidente do MPLA (João Lourenço).
Relativamente à possibilidade de Cuba apoiar Angola no processo de repatriamento coercivo de capitais ilícitos transferidos para o exterior do país, José Ramón Cabrera considerou um assunto interno de Angola e desejou sorte ao governo angolano no alcance de tal objectivo.
Angola (o MPLA, melhor dizendo) e Cuba mantêm excelentes relações de amizade, solidariedade e de cooperação, que, tanto o MPLA e o seu Executivo como o PCC e o seu Governo, qualificam de respeito mútuo.
No dia 19 de Abril de 2018, João Lourenço felicitou o novo Presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, elogiando a “grande maturidade” na transição (no contexto de partido único e de ditadura, recorde-se) entre gerações naquele país, cujo Governo é um histórico aliado/patrão do MPLA, partido no poder em Angola desde 1975.
Na mensagem, divulgada pela Casa Civil do Presidente da República, João Lourenço refere que esta escolha constitui um “acontecimento transcendente na vida política cubana”, onde se processa com “grande maturidade e sabedoria a transição para uma nova geração de líderes”.
“Os angolanos têm uma rica história de amizade, cooperação e solidariedade recíproca com Cuba, a qual se deseja que se mantenha e se fortaleça sob sua liderança”, refere ainda a missiva do Presidente João Lourenço, enviada a Miguel Díaz-Canel. Quando diz “os angolanos” está – com visíveis laivos de segregação – a referir-se aos angolanos do… MPLA.
Na mensagem, volta a ser assinalado o agradecimento ao “Comandante Fidel Castro”, ao “Presidente Raul Castro e ao povo cubano no geral”, por terem “apoiado de forma incondicional Angola e os angolanos no momento mais trágico da sua história, quando a sua própria soberania e independência estavam ameaçadas”.
Aviltando a verdade e ofendendo todos aqueles angolanos que não são do MPLA, João Lourenço mostrava (como continua a mostrar) que o ADN do regime continua a ser o mesmo, definível na tese de que “Angola é o MPLA e o MPLA é Angola”.
Durante a primeira fase da guerra civil em Angola, logo após a proclamação da independência, a 11 de Novembro de 1975, milhares de militares cubanos (que chegaram ao nosso país bem antes) combateram ao lado das FAPLA (MPLA) contra a guerrilha da UNITA, então apoiada, até ao início da década de 1990, pelas forças sul-africanas.
Ainda hoje, milhares de cubanos trabalham em Angola, como médicos, enfermeiros, professores e outros técnicos, ao abrigo dos acordos de cooperação entre os dois países aliados.
A subserviência (do MPLA) a Cuba
O general cubano Rafael Moracén Limonta, que participou na luta armada pela independência de Angola e posteriormente na guerra civil, com nacionalidade angolana desde 2014, foi em Março de 2015 promovido ao grau militar de tenente-general pelo então Presidente José Eduardo dos Santos.
A informação consta de uma ordem do Comandante-Em-Chefe e Presidente da República e chefe do Governo, de 3 de Março, e que determina a promoção do general cubano, depois de ouvido o Conselho de Segurança Nacional.
Num outro despacho, do mesmo dia, José Eduardo dos Santos autorizou a passagem à reforma do agora tenente-general do Exército Rafael Moracén Limonta, de 75 anos, “por limite de idade”.
Considerado herói da revolução nacional em Cuba, o general Rafael Moracén Limonta partiu de Cuba para o Congo em 1965, para apoiar os guerrilheiros do MPLA na guerra contra o colonialismo português.
De acordo com uma resolução da Assembleia Nacional, foi concedida a nacionalidade angolana ao mesmo oficial cubano – que nos últimos anos desempenhou o cargo de adido militar na embaixada de Cuba em Luanda -, invocando os “serviços relevantes prestados ao país”.
Com a independência, em 1975, Moracén foi chamado pelo primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto (MPLA), para o cargo de coordenador da segurança presidencial, entre outras funções.
A decisão de conceder a nacionalidade angolana, questionada pela oposição, resultou de uma proposta apresentada por um grupo de dez deputados do MPLA ao presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, em carta de 22 de Janeiro de 2014.
A concessão da nacionalidade ao general cubano foi também justificada pela maioria parlamentar com a “luta pela independência nacional” de Angola e os “esforços para a preservação da paz, integridade territorial e soberana nacional”, que envolveram Moracén Limonta.
Moracén Limonta, que ajudou a matar muitos angolanos, acabava assim de obter a nacionalidade e uma promoção militar. É uma atitude que, no mais puro espírito de reconciliação nacional, invocou “serviços relevantes prestados ao país”.
Pela mesma razão, matar angolanos, deveria ser atribuída a nacionalidade e um grau militar aos jacarés do Bengo. Fica a ideia para ser analisada pelos serviços de apoio a João Lourenço.
O general Rafael Moracen Limonta assumiu, numa entrevista concedida em 2007, a sua participação activa no desfecho dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, em que foram assassinados milhares (muitos milhares) de angolanos, a mando do Presidente do partido do qual João Lourenço é hoje… Presidente.
Folha 8 com Lusa