O presidente da UNITA, Isaías Samakuva, acusou hoje o Governo do MPLA (que só está no poder há… 44 anos) de não querer uma Angola “igual para todos” e disse que os problemas locais devem ser resolvidos a nível local. Pois é. Mas o melhor é o Galo Negro não esticar a corda. O partido de João Lourenço ainda se chateia e acaba com as mordomias dadas aos dirigentes da UNITA.
A chegada do líder do “partido do galo negro” ao hotel Serra de Chela, no Lubango, capital da província da Huíla, que a UNITA escolheu para albergar o primeiro dia das suas VIII jornadas parlamentares, foi saudada com entusiasmo pelas cerca de 700 pessoas que estavam na sala.
Além de militantes, estudantes, membros da sociedade civil, de entidades oficiais e religiosas, e líderes tradicionais de comunidades locais, assistiram ao discurso de Samakuva representantes do MPLA, partido no poder desde 1975, e outros partidos como o FNLA, PRS e PRA-JA Servir Angola.
No discurso de abertura das jornadas, o presidente do maior partido da oposição que o MPLA ainda permite focou-se na descentralização e nos benefícios do poder local, mas também no combate à corrupção, apelando ao papel vigilante da Assembleia Nacional onde, importa não esquecer para ver a miopia da UNITA, o MPLA tem uma confortável maioria de sipaios.
O dirigente da UNITA destacou que as províncias do sul de Angola (Huíla, Namibe, Cunene e Cuando Cubango) contam com quase cinco milhões de habitantes, o que corresponde a cerca de 17 por cento do total do país, mas beneficia de menos de 3 por cento das despesas executadas no Orçamento Geral do Estado, acusando o Governo de “excluir” o Sul das suas prioridades.
O MPLA talvez até tenha razão. É que no Sul os habitantes (tirando os que mandam) não são propriamente angolanos mas, isso sim, uma espécie menor que habita esta região.
“Isso deixa-nos a impressão de que o Governo não conhece a dimensão real dos problemas, não trata os angolanos todos como iguais, é insensível à dignidade humana ou é incompetente e não quer uma Angola igual para todos”, criticou.
Para Samakuva, uma das razões que explica esta “distribuição iníqua” da riqueza é a centralização do poder em Luanda, pelo que as “pessoas devem ter autonomia para receber do Estado os recursos necessários e escolherem, elas próprias (…) as soluções que acharem mais adequadas para os problemas locais”.
Entre estes estão a fome e da seca, problemas que devem ser resolvidos “com a autonomia local das populações que constituem as autarquias locais”, defendeu, considerando que haveria vantagens em ser a administração autárquica do Sul de Angola a facilitar relações entre os empresários e cooperativas angolanas e os mercados da Namíbia e África do Sul.
Samakuva questionou, por outro lado, a continuidade de “práticas autoritárias de censura”, dando como exemplo o facto de os debates na Assembleia Nacional não serem transmitidos em directo.
“Se o Presidente José Eduardo dos Santos, que havia capturado o Estado, já foi forçado a sair, porque é que as práticas autoritárias de censura ainda continuam? Ou será que Angola tem uma nova ditadura com nova roupagem?”, apontou, arrancando fortes aplausos à assistência.
Tomando o MPLA como alvo, o líder da UNITA criticou a “cultura centralizadora que está calcinada nas mentes e no sangue dos nossos irmãos do MPLA”, salientando: “Parece que têm medo que o povo exerça a autonomia local (…) parece que querem continuar a roubar”. Parece?
Por último, centrou-se no combate à corrupção, uma “agenda de mudança da UNITA” que o Presidente, João Lourenço, chamou a si, afirmando que é altura de combater a corrupção ao nível do Parlamento, uma emblemática e histórica sucursal do MPLA.
“O Parlamento pode tomar a iniciativa do combate à corrupção na esfera judicial. É pela via judicial que se consumam os actos de corrupção que mantêm a oligarquia no poder. Se o programa do MPLA foi sufragado nas urnas, como se diz, já os esquemas e estratégias fraudulentos de manutenção no poder que o MPLA utiliza, não foram sufragados pelos angolanos”, notou.
Samakuva apelou, por isso, a que se inicie o processo de revisão da Constituição “para que se consolide o Estado democrático” e disse esperar que, na terceira legislatura, o Parlamento “combata sem tréguas” a génese da corrupção “que permite que um partido se confunda e capture o Estado para se perpetuar no poder”.
Por outro lado, considerou que a luta contra a corrupção na justiça, em especial nos tribunais superiores, exige cooperação institucional entre órgãos de soberania, Parlamento e o Presidente da República.
As VIII jornadas parlamentares da UNITA decorrem entre hoje e sábado nas províncias da Huíla e do Cunene, com um programa alargado de palestras e visitas de campo.
A caravana dos participantes nas jornadas, que integra delegados da UNITA e jornalistas, saiu de Luanda no domingo e chegou ao Lubango no mesmo dia, após percorrer quase 900 quilómetros através de quatro províncias (Luanda, Cuanza Sul, Benguela e Huíla) com alguns troços de vias em mau estado que tornaram a longa viagem ainda mais penosa.
Vieram até ao sul 49 dos 51 deputados da UNITA, 15 ex-deputados, secretários provinciais e regionais de Luanda, entre outros convidados.
Entretanto, a vice-governadora da província da Huíla para o sector político e social, Maria João Chipalavela, disse hoje que é necessário desenvolver acções que “promovam a resiliência das populações” e “ajudem a conviver com a seca”. Já agora, que tal ensinar as pessoas a conviver com a fome e a aprender a viver sem comer?
“Nós temos um quadro de resiliência à seca que foi estruturado pelo Governo de Angola e há também programas financiados pela União Europeia, como o FRESAN, para trabalharmos neste sentido e irmos buscar medidas mais sustentáveis”, salientou a governante após um encontro com deputados da UNITA.
Maria João Chipalavela destacou também o papel da investigação científica na produção de “elementos” que “ajudem a conviver com este processo, porque é um processo natural”.
A Huíla é, a par do Cunene e do Namibe, uma das províncias do sul de Angola mais afectadas pela seca.
A vice-governadora lembrou que a seca não aconteceu, pela primeira vez, em 2019, mas “foi-se agudizando nos últimos anos”.
Entre os efeitos mais visíveis, indicou a redução dos alimentos disponíveis para armazenagem, bem como a diminuição da água disponível para as populações e para o gado, além de um prolongamento do período de transumância (deslocação sazonal de rebanhos para locais de pasto com melhores condições).
“A transumância faz parte da vida das comunidades, mas em função destas alterações existe maior pressão sobre as águas e sobre o pasto”, disse, adiantando que não foram registados casos de morte devido à seca.
Maria João Chipalavela acrescentou que as autoridades locais e governamentais têm tentado mitigar os problemas entregando bens alimentares, incluindo milho, feijão, óleo, peixe e água e que está definido “um plano até ao final do ano”.
A responsável do governo provincial falava aos jornalistas após ter recebido uma delegação de deputados da UNITA que estão na Huíla para participar nas VIII jornadas parlamentares.
O presidente do grupo parlamentar da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, apresentou, na sede do governo provincial, os objectivos da deslocação e salientou os desafios colocados pela crise da seca.
“Estamos a ir à Huíla e ao Cunene pela especificidade que esta região está a ter, particularmente devido à gravíssima seca que atinge populações, atinge gado” e cujos impactos negativos não está a ser minimizados, anunciou, na passada quinta-feira, Adalberto da Costa Júnior.
Do programa das jornadas fazem parte debates sobre o poder local, experiências sobre o desenvolvimento das comunidades locais em Cabo Verde, iniciativas locais para mitigar a crise da seca e a fome, desenvolvimento económico do Sul de Angola, transparência e combate à corrupção.
Os deputados vão também visitar municípios da província da Huíla, a cidade do Lubango, a segunda do país em termos populacionais, e fazer uma entrega de donativos no Cunene, com bens identificados como essenciais para a população.
Folha 8 com Lusa