O Presidente João Lourenço cancelou a autorização dada em Janeiro para a aquisição de novos aviões para a TAAG, alegando a necessidade de se proceder a um “estudo mais aprofundado” no Plano de Reestruturação da companhia aérea de Angola.
Num despacho presidencial datado de 9 de Abril, João Lourenço refere-se às autorizações para a celebração de contratos com as empresas Boeing e Bombardier, que dizem respeito a 15 aparelhos até 2022.
No documento, é também pedido ao Ministério dos Transportes para desencadear os instrumentos para “estruturar e montar a operação de financiamento” para a aquisição de aeronaves e negociar o refinanciamento de dois Boeing 777-300-ER adquiridos nos últimos anos.
“O ministro das Finanças, em articulação com o ministro dos Transportes, deve dinamizar esforços junto dos vendedores e financiadores com vista a reverter todas as operações financeiras realizadas, bem como minimizar os danos financeiros e reputacionais para o Estado angolano”, lê-se no despacho presidencial 52/19.
Sobre a decisão tomada, trata-se de uma (entre outras que se seguirão) de uma imposição do Fundo Monetário Internacional (FMI) durante a missão que realizou a Angola nos últimos 10 dias de Março.
A secretária de Estado para as Finanças e Tesouro, Vera Daves, esteve no dia 9 deste mês no Ministério dos Transportes para explicar que o FMI considera que a compra dos aviões “colocaria a dívida pública angolana [actualmente em quase 90% do Produto Interno Bruto] numa situação insustentável”.
O novo despacho de João Lourenço revoga, assim, o presidencial 12/19, de 14 de Janeiro, em que, depois de aprovado o plano de reestruturação e modernização da frota da TAAG, autorizou o ministro dos Transportes a celebrar, a partir de 2020, contratos de compra e venda de aeronaves com Boeing e Bombardier.
A medida foi então justificada (e assim se comprova que o Executivo utiliza muitas vezes o joelho para fazer contas) pelo Presidente João Lourenço com a “transformação e modernização” da TAAG – Linhas Aéreas de Angola SA, que “é um elemento fundamental para a consolidação da política do poder executivo para o sector da aviação civil angolana”.
João Lourenço argumentou também que a medida foi tomada face à “importância da renovação da frota” da companhia de bandeira de Angola para a “dinamização da sua política empresarial e concretização dos seus objevtivos estratégicos”.
Uma informação anterior da administração da TAAG apontava para o objectivo de aquisição, a partir deste ano, de 11 aviões de médio curso, no âmbito do programa de modernização da companhia, além de aeronaves de última geração do tipo Boeing 787, para as rotas de longo curso.
A decisão tem também como pano de fundo a conclusão das obras de construção do novo aeroporto de Luanda.
A actual frota da TAAG é composta por 13 aviões Boeing, três dos quais 777-300 ER, com mais de 290 lugares e que foram recebidos entre 2014 e 2016. A companhia conta ainda com cinco 777-200, de 235 lugares, e outros cinco 737-700, com capacidade para 120 passageiros, estes utilizados nas ligações domésticas e regionais.
Em Novembro foi noticiado que a privatização parcial da TAAG prevê a venda de até 10% do capital social a outras companhias aéreas, nacionais ou estrangeiras, segundo o novo estatuto da empresa.
O documento, aprovado por decreto presidencial de 26 de Novembro, refere que o capital social da TAAG está avaliado em 700.000 milhões de kwanzas (cerca de 2.000 milhões de euros), representado por 2.000 milhões de acções ordinárias.
“Serão obrigatoriamente da titularidade do Estado ou de outras entidades pertencentes ao sector público as acções representativas de, pelo menos, 51% do capital social em cada momento existente”, lê-se no estatuto da companhia aérea de bandeira angolana.
Define igualmente que “a transmissão e a oneração de acções pertencentes ao Estado ou a qualquer entidade do sector público fica sempre dependente da autorização do titular do poder executivo [Presidente da República]” e que a administração da TAAG deve recusar a venda de participações caso coloque em causa a revogação da licença de exploração de transporte aéreo da sociedade.
Não é ainda permitido ultrapassar o limite de 10% de acções subscritas exclusivamente por trabalhadores e reformados do sector dos transportes, e 10% de acções “por uma ou várias companhias aéreas estrangeiras” como “parceiras tecnológicas”.
Está ainda previsto um limite de 2% de acções a subscrever por “qualquer entidade privada nacional, e pública ou privada estrangeira”.
Quem manda? O FMI, é claro!
O governo quis (e talvez bem) ficar também nas mãos do FMI. Assim, quem vai mandar cada vez mais em Angola não será o Executivo de João Lourenço e seus serviçais mas, apenas e só, o FMI.
E os angolanos que se preparem para o teste final – mostrar que sabem sobreviver sem comer. Os portugueses mostraram que é possível. Seremos nós capazes? Provavelmente sim. Experiência não nos falta.
No dia 11 de Janeiro de 2011 estava excluída a entrada do Fundo Monetário Internacional em Portugal. O então primeiro-ministro, José Sócrates, garantia que Portugal não precisava de ajuda financeira e que continuava a ter todas as condições para se financiar no mercado internacional. No dia seguinte o FMI entrou, de armas e bagagens, em Lisboa e tomou conta do país.
Em Dezembro de 2009, o então director-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, fazia um aviso à navegação: “Os problemas acontecem quando os governos dizem à opinião pública que as coisas estão a melhorar enquanto as pessoas perdem os seus empregos”.
“Para alguém que vai perder o seu emprego, a crise não acabou. E isso constitui um alto risco”, afirmou o então director-geral do FMI, acrescentando que “isso também pode, em alguns países, tornar-se um risco para a democracia. Não é fácil administrar esta transição, e ela não será simples para os milhões de pessoas que ainda estarão desempregadas no próximo ano”.
Em Portugal, na altura, admitia-se como provável que em vez de um novo desempregado a cada quatro minutos se conseguiria, com ou o acordo de resgate e fazendo fé nas promessas do governo de então, um desempregado a cada… três minutos.
“A economia mundial somente se restabelecerá quando o desemprego cair”, disse o responsável do FMI. E se assim é, os angolanos estão ainda mais lixados.
E, convenhamos, se for possível a João Lourenço garantir que os angolanos conseguem estar uns anos sem comer, Angola não tardará muito a ter o défice em ordem e a beneficiar do pleno emprego.
O que vamos ouvir do governo
“A minha principal preocupação será com a Economia e com o superarmos esta situação de crise que nos tem vindo a afectar. Vamos continuar a apoiar as empresas, tendo em vista a superação das dificuldades em tempo de crise”, dirá o nosso ministro das Finanças (provavelmente na qualidade de adjunto de alguém do FMI), Archer Mangueira.
O ministro das Finanças defenderá qua Angola está numa situação “mais vantajosa” para reduzir o endividamento depois da crise, considerando que falta apenas melhorar a diversificação e a competitividade da economia.
“O aumento do endividamento é um problema que todos os países vão ter de enfrentar”, dirá Archer Mangueira (ou até mesmo João Lourenço), defendendo que “acabando a crise torna-se muito claro a necessidade de os países retomarem o mais rapidamente possível a estratégia de consolidação orçamental”.
Ou seja, afinal os angolanos não têm nada a temer. Se, por um lado, há muita gente que vive pior (o que parece, segundo o Governo do MPLA, uma boa consolação), por outro, quando a crise passar, uma só refeição já será uma dádiva divina para os que não tinham nenhuma.
Porém, “uma coisa é certa: o facto de termos estes níveis de dívida vai exigir uma política que reforce o potencial de crescimento da economia”. Isso implicará, como sabiamente explicará Archer Mangueira, uma política económica “que aumente a competitividade e reforce o sector exportador.
Antecipando, como lhe compete, os cenários, o Governo dirá que a reacção no pós-crise “coloca na agenda um conjunto de políticas de valorização dos recursos humanos, melhoria de infra-estruturas e mais ciência”.
O que o FMI disse ao Zimbabué
Ao anunciar no dia 25 de Março de 2009 que a ajuda técnica e financeira ao governo do Zimbabué dependia da adopção de boas políticas económicas e do saldo da dívida externa, o Fundo Monetário Internacional veio apenas dizer que o povo ia continuar a morrer à fome.
“A ajuda técnica e financeira do FMI depende da adopção de um mecanismo de acompanhamento das políticas económicas, do apoio dos doadores e do saldo das dívidas aos credores oficiais, dos quais faz parte o FMI”, indicou a instituição internacional num comunicado depois de ter enviado uma missão ao Zimbabué.
No início dessa missão, o ministro da Economia zimbabueano, Elton Mangona, tinha anunciado que o FMI se tinha prontificado a ajudar “imediatamente” o novo governo de união.
Os países vizinhos do Zimbabué apelaram também ao FMI para apoiar Harare, antes da cimeira da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) para examinar os meios para ajudar financeiramente este país membro.
No comunicado, o FMI saudou as primeiras medidas tomadas pelo então novo governo. A decisão de autorizar as transacções comerciais em divisas estrangeiras permitiu, segundo o FMI, travar a inflação e reforçar o plano de relançamento apresentado pelo governo.
No entanto, o FMI sublinhou que “um forte declínio das actividades económicas e dos serviços públicos contribuiu fortemente para a deterioração da situação humanitária”.
A grande maioria do povo zimbabueano lutava por sobreviver num país com a economia em ruínas, confrontado com a escassez de alimentos e uma taxa de inflação de 231 milhões por cento. Mais de 80 por cento da sua população estava desempregada.
Recorde-se que, como medida macroeconómica de vastíssimo alcance e que deveria constituir um exemplo para o Mundo que se dizia estar a atravessar uma grave crise financeira, o governo de Robert Mugabe lançou na época a nota de 100 mil milhões de dólares… zimbabueanos.
Assim, mesmo que tivesse uma das novas notas no bolso, qualquer cidadão do povo (sim do povo, que os da gamela usam, apesar da crise mundial, dólares norte-americanos) não conseguiria comprar três ovos. É que cada ovo custava, 35 mil milhões.
Folha 8 com Lusa