O Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) quer emprestar (fiar na linguagem íntima do MPLA/Estado) um milhão de dólares a Angola para combater a “crise de segurança alimentar”, que afecta sobretudo nas províncias de Lunda Norte, Bié, Huíla, Namibe e Cunene.
“U ma seca severa nestas províncias, agravada pela chuva errática e com uma resposta inadequada para responder às mais urgentes necessidades da população, afundou 2,3 milhões numa crise de segurança alimentar, entre as quais estima-se que 491.131 sejam crianças com menos de cinco anos”, lê-se na proposta de empréstimo que vai ser discutida pela administração do banco.
“A condição humanitária nestas províncias propícias a secas deteriorou-se devido ao aumento do preço das matérias-primas, acesso limitado a água potável e acesso a serviços de higiene, principalmente devido à falta de infra-estruturas”, acrescenta-se no documento.
“O empréstimo de um milhão de dólares, cerca de 910 mil euros, vai ajudar na situação de emergência nutricional nas cidades de Cuito e Nharea, onde a falta de financiamento é maior, ao implementar um programa alimentar terapêutico de nutrição a crianças entre os seis e os 59 meses, melhorar a vida das pessoas e fortalecer a capacidade local e institucional para lidar com situações de insegurança alimentar”, conclui-se na proposta.
Em Julho deste ano, o representante permanente do BAD em Luanda disse que as duas principais vantagens do Compacto Lusófono para Angola são a assistência técnica e o acesso a financiamento mais barato. Que melhor poderá querer o Governo? Fiado mais barato? Vamos a isso, rapidamente de em força, não é Presidente João Lourenço?
“Angola pode beneficiar do Compacto no sentido em que pretende ajudar na capacitação do sector privado para a preparação e articulação de projectos, ajudando a apresentar projectos bancáveis, portanto em termos de assistência técnica é muito importante”, disse Joseph Ribeiro.
Angola assinou o Compacto específico para o país, no âmbito do Compacto para os Países Lusófonos que foi desenhado entre o BAD e o Governo português, com o objectivo de aumentar o acesso a financiamento mais barato por parte do sector privado dos países lusófonos e potenciar as operações do BAD nestes países.
“Em segundo lugar, em termos de financiamento, Angola também beneficia, porque a garantia de Portugal e os instrumentos do BAD vão fazer com que o financiamento seja mais acessível”, acrescentou Joseph Ribeiro.
“Um dos objectivos do Compacto é trazer investimento para as pequenas e médias empresas que, como as taxas de juro em Angola, e também noutros países africanos, estão muito altas, há possibilidade de o sector privado angolano ter mais abertura de financiamento com o Compacto Lusófono”, concluiu o responsável.
O Compacto para o Desenvolvimento é uma iniciativa lançada no final de 2017 pelo BAD e pelo Governo português para financiar projectos lançados em países lusófonos com o apoio financeiro do BAD e com garantias do Estado português, que assim asseguram que o custo de financiamento seja mais baixo e com menos risco.
O BAD, Moçambique e Portugal assinaram em 12 de Março, em Maputo, um acordo designado Compacto Lusófono Moçambique, para apoiar projectos de investimento, o primeiro específico de um país, que dá acesso a financiamentos do BAD combinados com garantias de Portugal através da Sociedade para o Financiamento do Desenvolvimento (Sofid), tendo-se seguido, em Julho, o Compacto de Cabo Verde.
Portugal participa através da Sofid, disponibilizando 400 milhões de euros em garantias a conjugar com financiamento do BAD, que neste Compacto vai apoiar projectos orçados em até 30 milhões de dólares (26,6 milhões de euros). Habitualmente, o BAD financia projectos acima deste valor.
Este Compacto Lusófono foi celebrado entre Portugal e o BAD em Novembro de 2018, como parte de um vasto leque de parcerias multilaterais anunciadas durante o Fórum de Investimento para África, em Joanesburgo, África do Sul, mas começou a ser definido quando o presidente do BAD visitou Lisboa, em Novembro de 2017.
Desde que seja fiado… está tudo bem!
O BAD também aprovou um apoio orçamental a Angola para reduzir consideravelmente o défice das contas do Estado, juntando-se aos esforços do Banco Mundial para equilibrar as contas públicas.
O que seria do reino, há 44 anos governado sempre pelo MPLA, se não fosse a ajuda, e as ordens, de entidades externas? Não temos resposta…
“Temos em carteira investimentos no que diz respeito ao apoio orçamental que está em consideração, dado o ambiente positivo com o FMI, e dado o facto de o Banco Mundial dever aprovar no início de Julho um programa de apoio orçamental, e nós também estamos a trabalhar neste objectivo, e se tudo correr bem podemos concretizar a nossa parte de apoio orçamental para fechar o défice orçamental”, disse Joseph Ribeiro.
Em entrevista à Lusa à margem dos Encontros Anuais do BAD, em Malabo (Guiné Equatorial), Joseph Ribeiro disse não poder avançar o valor concreto do apoio por ainda estar em discussão interna, mas referiu que este empréstimo “vai ajudar a colmatar bastante o défice” das contas públicas, que o Governo prevê reduzir para zero ainda durante este ano.
“É difícil dizer que vamos eliminar completamente o défice orçamental de Angola, mas vamos fazer o nosso máximo, o BAD não pode fazer tanto como gostava em termos de apoio orçamental porque estamos num ano em que queremos ter o aumento geral de capital e isso só se pode conseguir se tivermos atenção aos rácios prudenciais e aos indicadores de desempenho em que somos avaliados enquanto instituição financeira”, explicou.
Na entrevista, Joseph Ribeiro disse que o relacionamento entre o BAD e o Governo mudou desde a chegada de João Lourenço ao poder: “Temos tido nos últimos dois anos, devo dizer, uma maior receptividade por parte das autoridades angolanas em termos de diálogo no dia-a-dia, tanto no Ministério das Finanças como nos ministérios sectoriais”, apontou o responsável, reforçando que “desde 2017, com o novo Governo, houve muitas mudanças positivas e há uma tendência muito positiva, o país está ciente da necessidade de colaborar com o mundo”.
Angola, continuou, “pode absorver bastantes investimentos por parte do BAD”, que gere uma carteira de 800 milhões de dólares que deverá ser ultrapassada.
Questionado sobre as áreas em que o BAD vai apostar em Angola, Joseph Ribeiro respondeu: “Estamos a olhar para a energia, queremos levar a energia hidroeléctrica mais para sul do país, o que traz oportunidades para investimentos, industrialização, trabalho nas zonas mineiras”.
Para além disso, continuou, estão em curso estudos para a área da água e saneamento, e em conjunto com o Banco Mundial, o BAD está a trabalhar “para entrar com parceiras público-privadas na gestão das águas na província de Cabinda”.
Dar peixe ou ensinar a pescar?
No dia 21 de Maio do ano passado, o presidente do BAD, Akinwumi Adesina, anunciou que o banco iria investir até 35 mil milhões de dólares na industrialização do continente e avisou que “atirar dinheiro para o problema” não chega.
“A questão de como financiar a industrialização [num contexto de crescimento fraco das economias e de dívida pública excessiva] é fundamental, e uma das questões em que podemos ajudar é na capacidade de dar aconselhamento informado, dizer o que funcionou e não funcionou e não repetir erros, o que às vezes até é mais importante do que simplesmente atirar dinheiro para o problema”, defendeu Akinwumi Adesina.
Akinwumi Adesina disse também que, nos próximos dez anos, “o BAD espera investir entre 30 a 35 mil milhões de dólares para financiar a industrialização” e acrescentou que “esse investimento pode ser alavancado até 65 mil milhões de dólares”.
O objectivo final, apontou, é “fazer o Produto Interno Bruto industrial de África passar de 700 mil milhões de dólares para 1,7 a 2 biliões, mas para além disso, importa o impacto na economia real, porque nessa altura o PIB geral africano poderá ter subido para 5,6 biliões, e isto é o montante que precisamos para conseguir que as pessoas saiam da pobreza e que se criem empregos”.
O plano do BAD nesta área está assente em quatro pilares, explicou o presidente do banco: “Apoio à agricultura, que é o caminho mais rápido para a industrialização, apoio no desenvolvimento de clusters industriais e zonas económicas especiais, apoio no desenvolvimento de políticas industriais e apoio no financiamento das infra-estruturas, como estradas, portos e logística”.
Os recursos dos governos podem vir dos impostos, mas não só, explicou Akinwumi Adesina. “Os governos recebem anualmente em impostos cerca de 500 mil milhões, é muito dinheiro, o Investimento Directo Estrangeiro também é enorme, passou de 10 mil milhões em 2010 para 60 mil milhões actualmente, também é uma boa quantia, e depois há que mobilizar capital nos mercados financeiros, e temos feito esse papel importante”, respondeu Akinwumi Adesina quando questionado sobre como podem os Estados africanos contornar os constrangimentos financeiros para apostar na industrialização.
“Nós, nas instituições financeiras multilaterais, temos um papel muito importante, fornecemos acesso a capital mais barato, não é possível industrializar com financiamentos de curto prazo, é preciso financiamento de longo prazo e sustentável, e podemos mobilizar dinheiro nessa área, mas também em eventos com o Fórum Africano de Investimento e apostar em fundos de pensões, investidores institucionais e fundos soberanos para investirem fortemente em África”, vincou o governador.
E o aborto chamado Observatório Luso-Angolano?
A unidade de estudos económicos da revista britânica The Economist considerou, em Julho de 2015, que a criação do Observatório de Investimentos entre Portugal e Angola era uma medida eminentemente simbólica que surgiu na sequência do forte declínio das exportações portuguesas para Angola.
De acordo com uma nota de análise da Economist Intelligence Unit (EIU), “o Observatório de Investimentos foi constituído para aumentar as relações bilaterais e os fluxos entre Angola e Portugal através da facilitação e melhoramento do foco dos investimentos em Portugal e Angola, embora na realidade a sua criação seja mais provavelmente uma medida simbólica do que uma iniciativa prática”.
Na nota então enviada aos investidores, a EIU lembrava que o Observatório foi formalmente lançado no final de Junho durante um fórum de investimentos entre Portugal e Angola, em Luanda, depois de estar planeada há bastante tempo.
“O seu lançamento foi adiado por causa do desentendimento diplomático devido às investigações judiciais portuguesas às elites angolanas, pelo alegado envolvimento em branqueamento de capitais em Lisboa”, escreve a EIU, concluindo que “isso levou ao cancelamento de uma cimeira bilateral de alto nível, planeada durante um longo tempo e que deveria ter acontecido em meados de 2014, ao passo que o Presidente de Angola usou o seu habitual discurso do estado da nação para questionar a relação do país com Portugal”.
No entanto, resumia a EIU, “essas tensões estão agora resolvidas, já que um número de investigações legais em Lisboa acabaram”.
Na nota aos investidores, a EIU lembrava que a exportação de bens portugueses para Angola caiu 23,6% entre Janeiro e Março de 2015 face ao primeiro trimestre de 2014, um valor que os analistas atribuem, “com toda a probabilidade, à falta de divisas estrangeiras, causada pela baixa dos preços do petróleo e queda das receitas do Governo”.
Mesmo fazendo, na altura, tudo o que José Eduardo dos Santos mandava (tal como hoje faz em relação a João Lourenço), nomeadamente considerar que os altos dignitários do regime angolano estão acima da lei, Portugal continuava com a corda no pescoço. A prova disso estava na criação da linha de crédito de 500 milhões de euros para reforçar a tesouraria das empresas portuguesas que exportam para Angola.
“Há mais de 300 empresas que estão a recorrer a esta linha de crédito e nós no Governo, em concreto no Ministério da Economia, estamos atentos porque se for necessário ampliar esses 500 milhões assim o faremos, ou proporemos em Conselho de Ministros”, disse o então ministro da Economia, António Pires de Lima.
O ministro português falava após reunir-se com o congénere angolano, Abraão Gourgel, no âmbito da visita de dois dias que efectuou a Luanda, onde presidiu à criação do Observatório dos investimentos angolanos em Portugal e portugueses em Angola.
De acordo com António Pires de Lima, esta linha de financiamento, operacional desde Abril, servia também para apoiar as cerca de 5.000 empresas portuguesas que têm Angola como único destino das exportações.
Esta actividade estava a ser afectada pela crise económica em Angola, decorrente da forte quebra nas receitas com a exportação de petróleo, com as vendas de Portugal a caírem 25% no primeiro trimestre do ano, o que levou o ministro português a assumir o “conselho” aos empresários nacionais para diversificarem os destinos de exportação.
“É muito importante que a economia angolana diversifique fontes [de receita], e esse é um objectivo dos responsáveis angolanos, assim como é importante que as empresas portuguesas diversifiquem os seus mercados”, apontou o governante português.
Várias empresas estrangeiras queixavam-se da dificuldade em obter dólares para conseguir não só pagar aos fornecedores, mas também aos próprios funcionários, que geralmente recebem uma parte do salário na moeda de origem e outra parte na moeda local.
O então ministro Pires de Lima sublinhou aos jornalistas o “forte compromisso de Portugal com Angola”, ao nível das empresas e do poder político.
“Nós estamos em Angola nos momentos de maior crescimento, mas também nos momentos de maior exigência”, disse, após a reunião com o congénere angolano.
Nesse ano, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) angolano, Portugal foi destronado da liderança dos fornecedores de Angola pela China e pela Coreia do Sul.
Folha 8 com Lusa