E por falar em Itiandro…

O Presidente da República, também Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, João Manuel Gonçalves Lourenço, exonerou o seu Secretário Judicial e Jurídico, Itiandro Slovan de Salomão Simões, por este o ter aconselhado – numa clara demonstração de abertura à sociedade, sem qualquer tipo de exclusão – a nomear um morto para a Empresa de Navegação Aérea. Já não se pode ser criativo? O homem tinha morrido, mas não deixou de ser do… MPLA.

Recordemos que, em 2017, o Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço, no uso das suas competências exonerou os conselhos de administração de várias empresas públicas. Logo na altura, mostrando que afinal a escola do partido/Estado nunca muda, exonerou alguém que tinha morrido há dois anos…

Vejamos. Primeiro, nas ditas opções estratégicas de João Lourenço (exonerações/nomeações) não houve nada de novo e a mesma família partidocrata continua sólida na eterna dança das cadeiras. Mas, mais grave, é a continuação de vícios do consulado anterior de se nomear e exonerar mortos.

Isto é. O engenheiro José Pedro Tonet morreu aos 23 de Dezembro de 2015, na África do Sul, sendo na altura da sua morte administrador não executivo da ENANA EP.

Segundo o Direito, a responsabilidade não só criminal como outras, inerentes à função desempenhada extinguem-se automaticamente, “post mortium” (após a morte).

Assim não se entende as razões de, dois anos depois, 19 de Dezembro de 2017, a família e a sociedade serem confrontadas com essa notícia, como se a pessoa, ainda continuasse viva e a beneficiar de direitos.

A própria lei prevê que a entidade patronal conceda à família 6 meses de salário e nada mais, face à extinção natural da relação.

Este erro demonstra a continuidade dos mesmos vícios, praticados por juristas que no passado apoiaram e foram responsáveis por muitas ilegalidades de José Eduardo dos Santos (chegou também a nomear um morto) e continuam hoje com João Lourenço a exonerar um morto e nomear um (para não variar) morto. Desnorte total à moda do… MPLA.

No dia 20 de Dezembro de 2017 a Casa Civil do Presidente da República lamentou o facto de ter emitido um em despacho presidencial em que exonerava o administrador não executivo da Empresa Nacional de Exploração de Aeroportos e Navegação Aérea (ENANA) já falecido, José Pedro Tonet.

A lamentável ocorrência, segundo o documento, resultou de informação de arquivo não actualizada, em concreto o Diário da República em que se formalizava a nomeação, há alguns anos, do Conselho de Administração da referida empresa pública.

“A Casa Civil do Presidente da República, face ao sucedido, penitencia-se perante os familiares, amigos e colegas de José Pedro Tonet, com o respeito devido à sua memória”, dizia o comunicado da Casa Civil.

O Presidente João Lourenço, no cargo desde 26 de Setembro, admitiu recentemente a necessidade de “moralização” da sociedade, com um “combate sério” a práticas que “lesam o interesse público” para garantir que a impunidade “tenha os dias contados”.

O Mangueira e os “itiandros”

Ama delegação chefiada pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Rui Mangueira, e abençoada pelo então “escolhido de Deus” (hoje “escolhido do Diaba”, José Eduardo dos Santos), apresentou em Paris, em Fevereiro de 2014, ao Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI) o pacote legislativo relativo ao branqueamento de capitais aprovado a 28 de Janeiro pela sucursal do MPLA que dá pelo nome de Assembleia Nacional.

Escreveu-se mais uma brilhante página do anedotário nacional, com tradução em diversas línguas.

A delegação angolana era de peso: vice-governador do Banco Nacional de Angola, Ricardo Viegas de Abreu, directora da Unidade de Informação Financeira, Francisca Brito, Director Nacional de Política de Justiça do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, Itiandro Simões. Todos juntos e a uma só voz garantiram, para gáudio do humor internacional, que a lavagem de dinheiro tinha os dias contados. Foi em 2014.

Dando prova da razoabilidade das suas acções, o GAFI avaliou com a parcimónia peculiar às regras de bem receber convidados a Lei da Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais e a Lei Reguladora das Revistas, Buscas e Apreensões.

“Após ter sido realizada a última avaliação do Grupo de Acção Financeira Internacional, no passado mês de Outubro, no âmbito do Programa de Acção Relativo ao Branqueamento de Capitais, Angola comprometeu-se em aprovar também a Lei da Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais e a Lei Reguladora das Revistas, Buscas e Apreensões”, revelou o comunicado do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos.

E se o governo se comprometeu… cumpriu. Ou seja, já temos lei. Não é uma lei para ser cumprida, mas é uma lei. Dessa forma sempre se pode dizer que o país tem, de jure, uma lei. De facto não a vai cumprir, mas isso é uma questão marginal. Além do mais, ter este tipo de leis dá ao regime um ar sério e um vislumbre de democracia e Estado de Direito que é muito considerado nos areópagos internacionais. Tal como, presume-se, exonerar mortos e nomear… mortos.

Criado em 1999, o GAFI é um organismo intergovernamental que tem por objectivo conceber e promover, ao nível nacional e internacional, estratégias contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, sendo reconhecido internacionalmente como a entidade que define os padrões nesta matéria.

É claro que, mesmo que sejam remotas as hipóteses de acabar com o branqueamento de capitais, a lei não terá efeitos retroactivos, por muitos que João Lourenço (entre nomeações e exonerações de mortos) diga o contrário.

A metodologia do regime angolano, embora mais sofisticada e pessoal, tem a sua génese nos mestres portugueses. Basta recordar que o Estado português (seja lá o que isso for), pela via dos seus escravos, assumiu as fraudes e crimes contíguos de banqueiros e outros políticos.

Por outras palavras, Portugal (tal como Angola) nacionalizou os prejuízos e privatizou os lucros. E para isso, reconheça-se, não é preciso andar três anos a tirar uma licenciatura. Basta ser vigarista.

“A corrupção nos países em desenvolvimento entrava tudo, cria pobreza, cria miséria, impede as leis de concorrência de mercado, prejudica as empresas, aumenta os custos das empresas e os bens e serviços tornam-se mais caros”, afirmava a procuradora portuguesa Maria José Morgado, defendendo que “o Estado tem que ter mecanismos dissuasores, mas não pode ser um Estado polícia nem totalitário, as instituições é que têm que funcionar, nomeadamente na prioridade das prioridades que é o combate à fraude fiscal associada à corrupção e ao branqueamento de capitais. E isso tem de funcionar sistematicamente, de forma a produzir resultados”.

Por cá existe e continuará a existir uma total irresponsabilidade dos eleitos face aos eleitores, e as promessas de combate à corrupção são contornadas pelo poder de um clã dirigente do partido/Estado que permite o branqueamento de capitais e por declarações de rendimentos e de interesses que não existem.

Os angolanos são, na generalidade e em teoria, contra a corrupção e gangrenas adjacentes e contíguas. Mas, bem vistas as coisas, como é que se pode ser contra algo que, em sentido lato, já é uma “instituição” secular? Que mais podem os angolanos fazer do que rirem a bom rir quando verificam que o mais alto magistrado da Nação exonera mortos e nomeia mortos?

Ao nível simbólico, abstracto, teórico, efémero, toda a gente condena a corrupção. Mas será corrupção o facto de quando alguém se candidata a um emprego lhe perguntarem pelo cartão do MPLA? E quando dizem que “se fosse filiada no MPLA teria mais possibilidades”? Ou quando se abrem concursos para cumprir a lei e já se sabe à partida quem vai ocupar o lugar?

A nossa actual estrutura de poder é, basicamente, a estrutura de poder colonial. Ou seja, existem leis que só obrigam os pilha-galinhas mas mantém incólumes os donos do aviário. Basta ver os exemplos da actual Constituição da República, assim como as leis da probidade pública, património público, branqueamento de capitais ou o decreto presidencial do investimento público.

“O sentimento que nos fica é o de estarmos a ser cercados pelo selvajaria, pela ausência de escrúpulos dos que enriquecem à custa de tudo e de todos. Dos que acumulam fortunas à custa da droga, do roubo, do branqueamento de dinheiro e do tráfico de armas. E o fazem, tantas vezes, sob o olhar passivo de quem devia garantir a ordem e punir a barbárie”, disse Mia Couto na cerimónia fúnebre em Honra do Jornalista moçambicano Carlos Cardoso. O sentimento, a realidade, aplicam-se que nem uma luva ao nosso país. Infelizmente.

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