Código do Processo Penal será “made in Angola”

O Parlamento angolano aprovou esta quarta-feira o novo Código do Processo Penal (CPP) angolano que demorou dez anos a consensualizar e outros 133 para alterar leis e procedimentos que datam de 1886, do tempo da administração colonial portuguesa.

O documento passou no crivo dos deputados angolanos com 155 votos a favor, um voto contra do Partido de Renovação Social (PRS) e sete abstenções de alguns deputados da CASA-CE.

A aprovação global e final deste diploma legal decorreu durante a 2.ª reunião plenária ordinária da Assembleia Nacional de Angola.

O diploma legal respeita a identidade nacional, alguns pressupostos que estão de acordo com a cultura angolana, actualizando uma “legislação desajustada” à actual realidade do país e optimizando a celeridade e eficiência processuais.

Por outro lado, vai definir competências claras dos distintos sujeitos e participantes processuais na investigação, instrução e julgamento dos processos e reforçar a garantia dos direitos dos arguidos, testemunhas, vítimas e demais intervenientes processuais.

A reformulação dogmática do regime de provas, da admissibilidade de novos meios de provas e dos mecanismos da sua obtenção e a definição rigorosa da estrutura do processo penal, bem como a clarificação das fases processuais e princípios reitores de cada uma delas são outros pontos novos desta proposta de lei.

Desconhece-se ainda se a lei da interrupção voluntária da gravidez – a questão fracturante na II Legislatura, de 2012/17 – está incluída no novo código. O documento agrava a pena máxima de prisão para 35 anos.

Noutro sentido, e no quadro do combate à corrupção, o novo código vai limitar as transacções em dinheiro, para prevenir a circulação de grandes somas monetárias fora do sistema financeiro (bancos, seguros e mercado de capitais).

A limitação, que será até três milhões de kwanzas (8.522 euros) para os cidadãos e cinco milhões de kwanzas (14.285 euros) para as empresas, não era abrangida pela legislação e permitirá “disciplinar e punir algumas práticas que prejudicam o mercado financeiro”.

Com a proposta pretende-se evitar que as pessoas guardem elevados volumes de dinheiro, retirados do circuito financeiro, em armazéns, contentores ou em outros locais menos próprios, garantindo-se maior segurança à moeda, bem como às economias pessoais e maior fluidez ao sistema financeiro nacional.

Por outro lado, e pela primeira vez também, a proposta do novo Código Penal, aprovado na generalidade a 21 de Novembro de 2018, acautela medidas punitivas em relação à protecção da fauna e flora, com multas ao abate de animais para fins comerciais em locais sem condições higiénicas.

O novo diploma altera também os pressupostos do segredo do Estado, para o qual foi optimizado o regime da sua evocação, para efeitos de reserva de provas, e a competência institucional para a legitimação da sua quebra, invertendo a responsabilidade do ónus da prova, passando a recair sobre aquele que evocar o segredo de Estado, ainda que em fórum reservado.

Relativamente à garantia de direitos e liberdades fundamentais na fase de instrução preparatória é institucionalizada a figura do “juiz de garantias”, cujo papel é o de assegurar a intervenção judicial nessa fase de instrução, quando seja necessário aplicar medidas cautelares, com destaque para as privativas de liberdade e outras medidas de diligências que afectem direitos e liberdades fundamentais.

O novo Código Penal pretende também melhorar substancialmente o regime das garantias processuais de defesa da liberdade individual, com destaque para um tratamento mais rigoroso da providência dos “habeas corpus’, optimizando-a como providência extraordinária e expedita para a privação ilegal da liberdade, levando em consideração a realidade jurídica angolana.

A proposta de Lei do Código do Processo Penal, um trabalho consolidado de vários estudos e propostas, responderá ainda às necessidades operativas processuais manifestadas principalmente pelos órgãos policiais de investigação e instrução penal, cuja intervenção foi amplamente assegurada no processo de consolidação do CPP.

O MPLA, partido no poder em Angola desde 1975, considerou “genuinamente angolano” o novo Código de Processo Penal (CPP), referindo que o diploma anterior da época colonial portuguesa “não dava dignidade à pessoa”.

Os argumentos foram apresentados esta quarta-feira pelo presidente do grupo parlamentar do MPLA , Américo Cuononoca, durante a reunião plenária que precedeu a votação final do CPP com 155 votos a favor, um contra e sete abstenções.

“Hoje temos um instrumento genuinamente angolano que responde e corresponde às exigências actuais da dinâmica da sociedade angolana e da globalização nas suas diferentes esferas política, económica, social, cultural e tecnológica”, disse Cuononoca.

Segundo Américo Cuononoca, o novo Código de Processo Penal angolano “contempla os valores perenes da africanidade e novas realidades, novas tecnologias criminais e molduras penais correspondentes a dimensão e magnitude dos crimes chamados modernizados”. “Como os crimes de ódio racial ou contra a humanidade, crimes tecnológicos, entre eles praticados nas redes sociais”, acrescentou.

Por sua vez a UNITA disse que apesar de votar a favor do novo Código de Processo Penal (CPP), “em nenhuma circunstância aprova a legalização do aborto”, expresso no diploma aprovado pelo parlamento.

“Após auscultar uma imensa lista de organizações defensoras da vida, como bem supremo e inviolável, entendemos que o texto adoptado não representa o ideal, mas está o mais próximo que poderíamos ter chegado”, disse Adalberto Costa Júnior, presidente do grupo parlamentar da UNITA.

Falando na reunião plenária do parlamento, o líder dos deputados da UNITA argumentou que votou a favor porque “Angola precisa de atribuir à esfera jurídico-penal um instrumento capaz de responder às exigências dos tempos de hoje”.

“Um instrumento que responda as exigências de um país cujos cidadãos anseiam a construção plena de uma sociedade livre, que busca a modernidade e que procura enquadrar-se no desenho de um Estado verdadeiramente democrático e de direito”, apontou.

A UNITA, que deu voto favorável ao documento, augura que o novo Código do Processo Penal “ajude a cimentar fortes bases éticas e morais”, defendendo “rigor, entrega e responsabilidade dos operadores de Justiça e do Direito no uso da lei”.

“De modo a podermos melhorar o cenário de impunidade que ainda impera nos dias de hoje no nosso país, para que com a ajuda dos profissionais do judicial retirarmos a percepção difusa na maioria dos angolanos de que o poder político conduz o poder judicial”, adiantou.

O diploma legal respeita a identidade nacional, alguns pressupostos que estão de acordo com a cultura angolana, actualizando uma legislação “desajustada” à actual realidade do país e optimizando a celeridade e eficiência processuais.

A difícil caminhada da Justiça

Em Setembro de 2014 foi anunciado que Angola deveria contar já nesse ano com um novo Código Penal, resultado da revisão, já concluída, da legislação em vigor, segundo disse o juiz que liderava a comissão responsável pelo processo de reforma da Justiça.

Então, de acordo com o juiz conselheiro do Tribunal Constitucional, Raul Araújo, que coordenava a Comissão de Reforma da Justiça e do Direito (CRJD), o novo Código Penal já fora colocado em consulta pública e as alterações decorrentes incluídas na versão final do documento.

A tipificação do crime de branqueamento de capitais era uma das novidades previstas na nova legislação, elaborada por uma equipa técnica apoiada pela CRJD, entregue em 2014 ao então ministro da Justiça e Direitos Humanos, Rui Mangueira.

“Pensamos que o Código Penal está em condições de seguir o seu tratamento devido, uma vez que a consulta pública foi feita. Se tudo correr bem [falta a aprovação em Conselho de Ministros e Assembleia Nacional] podemos ter este ano o código penal aprovado”, explicou Raul Araújo.

A reforma do Código do Processo Penal angolano era outro instrumento a alterar, neste caso ainda em processo de revisão, esclareceu o coordenador desta comissão de reforma.

A comissão de reforma foi criada pelo então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, em Novembro de 2012. Produziu onze diplomas relacionados com a organização e funcionamento dos tribunais comuns, revisão do Código Civil, Código Penal, Código de Processo Penal e Código de Processo Civil.

A face mais visível desta reforma implicava, a partir de 2015, a extinção dos 18 tribunais provinciais de competência genérica e dos tribunais municipais. Passariam a existir 60 tribunais de comarca em todo o país, cada um podendo agregar vários municípios dentro da mesma província.

Folha 8 com Lusa

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